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Um minuto com Chico Xavier

Ano 10 - N° 510 - 2 de Abril de 2017

REGINA STELLA SPAGNUOLO
rstella10@yahoo.com.br
Botucatu, SP (Brasil)
 

 

No dia 3 de novembro, a sentença do juiz João Frederico Mourão Russel foi confirmada no Tribunal de Apelação do antigo Distrito Federal: os direitos da pessoa acabam após a morte. No ano seguinte, Humberto de Campos estaria de volta são em salvo. Mas seu novo livro, Lázaro Redivivo, exibiria na capa um pseudônimo: Irmão X.

Humberto de Campos Filho, 33 anos depois, encontrou-se com Chico Xavier, lhe deu um abraço forte pelos cinquenta anos de trabalho e chorou.

Chico ainda agradecia a Deus e ao advogado pelo final feliz da polêmica Humberto de Campos quando foi surpreendido por um presente: um piano novo em folha enviado do Paraná pelos donos da fábrica Brasil. Os empresários apostaram num dos boatos da temporada: no fim da vida, ele embalaria a Terra com músicas ditadas por compositores consagrados do além. Tocaram num ponto fraco de Chico.

Ele vibrava com música. Em meio ao escândalo na justiça, sonatas e sinfonias serviram ao réu como tranquilizantes e como companhia. Chico fechava os olhos e se deixava levar pela Sinfonia Fantástica, de Berlioz, pelo Concerto de Varsóvia, de Tchaikovsky, pela obra completa de Beethoven e, claro, pela Ave Maria, de Gounod. Muitas vezes, os acordes clássicos serviam como escudo. Com o volume de sua vitrola no máximo, ele abafava, enquanto escrevia, o som dos insultos lançados contra ele por assombrações desarvoradas. Só assim conseguia passar para o papel, com alguma tranquilidade, os ditados do outro mundo.

Chico Xavier encarou o piano e tomou a decisão: aceitaria o instrumento e aprenderia a lidar com ele. Num impulso, contratou uma professora particular e marcou a primeira aula para o dia seguinte. Afinal de contas, por que não se dar este prazer? Ele merecia uma folga. Após os artigos em sua defesa nos jornais e o veredicto do juiz, o trabalho tinha triplicado. A legião de doentes à sua procura aumentava a cada semana.

No dia da aula de piano, ele tomou um banho demorado, vestiu seu melhor terno e cruzou os braços à espera da professora. As visitas chegavam e iam se sentando por ali. Chico pedia calma. Hoje vou ter a primeira aula. Acomodem-se. Esperem um pouco. Cegos, leprosos, pobres de cidades vizinhas se apinhavam na porta, faziam fila. A multidão crescia. A professora demorava a chegar. Antes dela, o aluno viu Emmanuel.

- O que é isto, Chico? Alguma festa?

O candidato a pianista gaguejou.

- Não. É que eu resolvi tomar umas aulas de piano.

- E esses sofredores que estão aí? Vieram assistir à aula?

Chico ficou sem resposta.

- Quer dizer que essa gente toda que está aí sofrendo, angustiada, ficará aguardando o dia em que você resolva atendê-la?

Quando a professora chegou, Chico se desculpou, agradeceu e se despediu. Não poderia perder tempo. No fim do ano, o ex-futuro-aluno de piano não resistiu e arriscou um voo mais comedido. Pediu ao vizinho de mesa na Fazenda Modelo, o músico e escrevente Oswaldo Gonçalo do Carmo, aulas de teoria musical. Queria estudar as notas, tons, semitons, escalas. Empolgado, chegou a confidenciar ao mestre: - Se aprender música, conseguirei completar a sinfonia de Schubert. Oswaldo se empolgou com a perspectiva de produzir um gênio. E  ficou impressionado com o aluno. Chico aprendeu, em três meses, o que poucos aprenderiam em um ano.

E parou. A sinfonia de Schubert ficaria incompleta. Chico queria relaxar, mas era impossível. Seu nome, já estampado na capa de 25 livros, começava a gerar dinheiro mesmo contra sua vontade.

Em 1947, a irmã dele, Zina, foi procurada pela polícia de Belo Horizonte. Precisava identificar o "Chico Xavier" que atraía multidões num bairro populoso da cidade. O curandeiro cobrava trezentos cruzeiros por sessão e cem por passe e vendia exemplares autografados das obras de Emmanuel, Irmão X e André Luiz. Foi desmascarado a tempo.

Os charlatões estavam à solta. Chico vivia numa espécie de "prisão domiciliar". A fama custava caro, tomava tempo e espaço, acabava com a liberdade de ir-e-vir do porta-voz dos mortos. De vez em quando, ele fugia para o cemitério ou o açude em busca de privacidade. Precisava de um pouco de paz para escrever seus livros e cumprir o combinado com seu "patrão" invisível.

Em 1947, conseguiu pingar o ponto final no trigésimo título, Volta, Bocage. Um alívio tomou conta dele. Eufórico, viu Emmanuel se aproximar e perguntou se a tarefa já estava encerrada.

O guia sorriu e anunciou:

- Começaremos uma nova série de trinta volumes.

Chico respirou fundo e obedeceu desanimado. Quanto mais escrevia, mais ficava encurralado. As mentiras o cercavam. Previsões falsas eram atribuídas a ele e até mesmo textos apócrifos eram divulgados como seus.
 

Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.




 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita