Falando do amor
“As ideias do
homem estão na
razão do que
sabe” ¹
- Allan
Kardec
Encontrei,
fortuitamente,
uma conhecida a
quem não via há
muito tempo.
Depois dos
cumprimentos de
praxe,
conversamos um
pouco e, numa
empreitada que
julguei oportuna
e espirituosa no
momento,
convidei-a a
juntar-se aos
“Protetores dos
Irmãos Menores”,
de que faço
parte. Ela me
olhou
desconfiada e
imprimiu no
rosto uma feição
questionadora.
Antes que
pairasse
qualquer
mal-entendido
entre nós,
apressei-me em
explicar:
– Trata-se de um
grupo de pessoas
amigas
protetoras dos
animais e da
natureza.
O que acabara de
dizer só
reforçou nela o
semblante
estranho e
inquiridor.
Parece que eu
não tinha usado
as palavras
certas para me
fazer entender.
Compreendi que
precisava
estender-me um
pouco mais na
explicação:
– Veja, é
simples. Há
pessoas que têm
afinidades umas
com as outras.
Isso as
aproxima. São
tendências,
ideias, gostos,
sentimentos
similares que as
fazem ser
parecidas.
– No meu caso –
continuei –, por
gostar muito dos
animais e me
preocupar com
questões que
envolvem a vida
na sua
plenitude, busco
conviver com
pessoas que têm
as mesmas
preocupações.
Quando soube
desse grupo,
aproximei-me e
conheci o
trabalho que
realizava. Hoje
sou um “protetor
dos irmãos
menores”, com
várias tarefas
na associação.
A jovem
lançou-me um
olhar de tal
modo hebetado
que, confesso,
naquele
instante,
questionei a mim
próprio se não
estava a perder
o meu tempo.
Contudo
calculei, num
relance, que
minhas
obrigações do
dia podiam
esperar um
pouco. Calcei-me
de indulgência e
com um sorriso
calmo e
compreensivo me
predispunha a ir
mais fundo na
orientação,
quando ela, sem
controle das
travas da
língua, despejou
a opinião que
tinha sobre o
assunto:
– Olhe aqui,
amigo, eu o
respeito
bastante, mas
que conversa
fiada, hein!
Onde já se viu
perder tempo com
animais?! Esse
negócio de meio
ambiente é coisa
de estrangeiro!
Eu realmente não
esperava, não
estava preparado
para aquele tipo
de argumento,
ainda mais
assim, à
queima-roupa.
Esbocei reação,
cortada
energicamente
pela minha
interlocutora:
– Veja, há tanta
coisa pra se
fazer na vida,
pessoas passando
fome, gente
doente, tragédia
em todo canto, e
você se
preocupando com
bicho, com
plantinha! Este
país não anda
enquanto tiver
gente pensando
assim!
Do jeito que a
coisa ia, ou
vinha daquela
boca a serviço
de mente em
desalinho, achei
melhor aguardar
que esgotasse a
sua munição.
Calei e
arrumei-me na
defensiva mental
otimista.
Ela continuou
elucidando suas
razões práticas:
– Observe... Tem
gente que não
gosta de gente,
vai gostar de
animal? Fala-se
muito de
poluição,
desmatamento,
coisas assim,
mas como saber
se é verdade?
Tem muito
dinheiro
envolvido
nisso... Não
vale a pena,
não! A vida é
uma só e curta!
Pela respiração
funda que ela
deu, entendi que
finalizara.
Então, envolvi
minha amiga num
sorriso largo e
sincero e fui me
despedindo com
um abraço,
encerrando o
rápido encontro.
Aproveitei e lhe
disse que gostei
da sua
franqueza, era a
sua opinião e eu
respeitava. E
acrescentei meio
de viés:
– Nosso caminho
é ainda muito
longo, temos
muito que
caminhar...
– Do que está
falando? – ela
perguntou.
– Amor. Estou
falando do amor
– respondi.
E saímos, cada
um numa direção.
¹ Revista
Espírita,
Allan Kardec,
março de 1865,
em “Onde é o
céu?”.
(Conto do
livro Um
sorriso como
resposta,
Mythos Books,
2011)