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Crônicas e Artigos

Ano 11 - N° 515 - 7 de Maio de 2017

RICARDO BAESSO DE OLIVEIRA 
kargabrl@uol.com.br
Juiz de Fora, MG (Brasil)

 

 

Atos consequenciais
humanos

 

Oportunamente, ao encerrar um seminário sobre Sexualidade humana, fui procurado por uma jovem que, timidamente, apresentou-me a seguinte indagação: “Assistir a filmes pornográficos é pecado?”


Imagino que o conceito de pecado na cabecinha da jovem iniciante do movimento espírita se identifique com o que sempre se pensou de pecado,
como uma infração das leis divinas, ou seja, fazer o que é errado ou injusto do ponto de vista de Deus e que pode trazer consequências ruins para quem o faz.

Tal questionamento nos faz refletir sobre a intrigante questão do certo e do errado, do bem e do mal. Existem muitas coisas que são notoriamente erradas, como matar ou roubar, mas existem outras coisas, que, sem ser necessariamente erradas (sob o ponto de vista de lesar a outrem), não são boas, ou não são as melhores, ou, ainda, podem não ser as ideais, ou as mais apropriadas.


Como uma motivação para um aprofundamento ao tema, propomos uma categorização evolucionista dos atos humanos, classificando-os em três classes: morais, higiênicos e iluminantes. Referimo-nos, obviamente, aos atos consequenciais humanos, ou seja, aqueles que implicam em consequências para o agente ou para as pessoas relacionadas com ele. Muitos atos humanos são eticamente neutros, como ler um romance, ver um noticiário na TV, ou desenvolver as tarefas corriqueiras do dia a dia.


Ao propor essa classificação não pretendemos – e afirmamos isso de forma enfática – criar regras ou pontuar de valores os atos humanos. Eles só podem ser valorados pela consciência de cada um, pois se objetivam em um contexto particular de vida, onde agravantes e atenuantes serão sempre considerados. Ademais, somos seres singulares, com uma história que nos é pessoal, com resistências e limites que nos são próprios.


Vamos então à nossa proposta.

 

1 - Atos morais. Segundo Allan Kardec, a moral consiste na regra de bem proceder.  O homem procede bem quando faz tudo pelo bem de todos.[i] O conceito de moral, pelo visto, implica obrigatoriamente em uma relação com outra pessoa, relação esta que interfere no bem-estar do outro. A ética filosófica define ato moral como os atos conscientes e voluntários dos indivíduos que afetam outros indivíduos, determinados grupos sociais ou a sociedade em seu conjunto.[ii] Assim, o objetivo da moralidade encontra-se em se viver uma vida plena com as outras pessoas. Sofrimento e felicidade (definidos da forma mais ampla possível) são as únicas coisas com as quais vale a pena se importar e a moralidade diz respeito à maneira como tratamos uns aos outros. Nossos atos são imorais quando lesam, desconsideram, prejudicam, humilham etc., outra pessoa, ou de forma mais planetária, os seres sencientes. Estes atos inserem o faltoso na lei de causa e efeito, mecanismo divino, que tem como finalidade a educação da alma em trânsito para projetos superiores de vida.

 

2 - Atos higiênicos. Os atos higiênicos, em nossa proposta, não interferem diretamente com o bem-estar de outrem, mas se relacionam com nossa relação com nosso corpo e nossa mente. São atos que, de uma forma ou de outra, podem prejudicar nossa saúde, predispondo-nos a enfermidades diversas, e privando-nos de uma vida mais plena e realizadora. Comer e beber compulsivamente, fumar ou usar outras drogas podem ser classificados como atos anti-higiênicos. Os atos anti-higiênicos podem ser consequenciais porque produzem, muitas vezes, desequilíbrios no cosmo orgânico do agente, decorrendo daí uma série de condições mórbidas.
 

3 - Atos iluminantes. Proponho esse termo para os atos humanos que não interferem diretamente no bem-estar de outrem, nem tampouco prejudicam diretamente a saúde, mas podem obstaculizar o desenvolvimento espiritual do agente. Assistir a filmes pornográficos, ou que incitem à violência, dedicar tempo expressivo em discussões estéreis sobre corrupção na política e quejandos não são atos morais (não implicam em prejuízo para terceiros), nem tampouco higiênicos (não adoecem o corpo). Talvez possam ser classificados como atitudes não iluminantes, pois conduzem a um status psíquico que coloca barreiras ao desenvolvimento iluminativo da consciência reencarnada. Tais atitudes levam à vivência de um estado mental que mantém o Espírito vinculado à matéria, afastando-o dos ideais nobres de construção de uma personalidade sadia. Não acredito que os atos não iluminantes impliquem em uma resposta da lei de causalidade. Imaginar que assistir a um filme de guerra, ou envolver-se em uma discussão apaixonada (mas não ofensiva) sobre futebol, possa acarretar um carma negativo, não me parece racional. Esses atos seriam consequenciais porque, na medida em que focam o interesse do agente nesse tipo de imagem mental, o privam de painéis mentais mais adequados a uma vida focada em interesses espirituais. Lembrando, com Kardec, que a superexcitação dos instintos materiais sufoca, por assim dizer, o senso moral, como o desenvolvimento do senso moral enfraquece, pouco a pouco, as faculdades puramente selvagens.[iii]


 

[i] O Livro dos Espíritos, item 629.

[ii] Ética, Adolfo Sanches.
 

[iii] O Livro dos Espíritos, item 754. 


 

 


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