Chico e Waldo começaram a
arrumar as malas para viajar
ao exterior. Em maio de
1965, os dois embarcaram
para os Estados Unidos. Já
era hora de levar o
espiritismo segundo Kardec
aos americanos. Acompanhados
por dois amigos, Maria
Aparecida Pimental e Irineu
Alves, eles chegaram a
Washington na tarde de 22 de
maio, um sábado. No dia
seguinte, visitaram um
templo espírita na cidade
para agradecer ao plano
espiritual pela chance da
viagem. Sem aviso prévio,
foram até o The Church of
Two Worlds (A Igreja dos
Dois Mundos), dirigido pelo
médium Gordon Burroughs.
Eram 5h. Eles se sentaram no
último banco e ficaram em
silêncio, acompanhando as
preces, cânticos e
comentários sobre a
doutrina. Ninguém os
conhecia ali. No final da
reunião, uma senhora indicou
os quatro "irmãos de outro
país" ali presentes e falou
sobre a tarefa deles nos
Estados Unidos: levar a
renovação Espiritual e
estimular a aproximação
fraterna. Logo depois, em
transe, anunciou a presença
dos espíritos de um
teacher e um doctor
junto aos visitantes
brasileiros. Chico e Waldo
já tinham percebido a
companhia de Emmanuel e de
André Luiz.
Em julho, Waldo Vieira
colocou no papel um texto
com a assinatura do
doctor. "Pontos
fundamentais para o espírita
em viagem". Era uma cartilha
para kardecistas que
viajassem para o exterior
pela primeira vez. Os
conselhos, assinados por
André Luiz, pareciam ter
sido escritos por Chico
Xavier. Para início de
conversa, a palavra
estrangeiro deveria ser
riscada do dicionário: "Os
filhos de outros povos devem
ser tratados como
verdadeiros irmãos". Era
preciso fugir da exibição
pessoal, guardar discrição e
simplicidade, evitar
críticas e discussões,
anedotas e aforismos de mau
gosto, além de comparações
pejorativas capazes de
humilhar os anfitriões. Para
ser mais útil, cada um
deveria estudar a língua e
os costumes do país
visitado.
O quarteto tinha muito
trabalho a fazer. Allan
Kardec era um ilustre
desconhecido nos Estados
Unidos, mesmo entre os
espíritas. Eles cultuavam a
reencarnação, acreditavam em
fenômenos como a
materialização, mas ainda
eram leigos em relação ao
Evangelho ditado pelo
francês no século passado.
Chico e Waldo se dedicaram,
então, à segunda parte do
plano: fundar um centro
kardecista. Já tinham até um
contato em Washington: Salim
Salomão Haddad e sua mulher,
Phillis. O casal tinha
conhecido Chico Xavier ainda
em Pedro Leopoldo, em 1956.
Chico elegeu o turco Salim,
que conhecia sete línguas,
presidente do centro,
batizado de Christian Spirit
Center (Centro Espírita
Cristão). A sede funcionaria
na casa dos dois. Durante
três semanas, o brasileiro
ficou hospedado ali. Como
sempre, trabalhou e estudou
compulsivamente. De manhã,
recebia aulas de inglês da
filha mais velha do casal; à
tarde, era a vez de Phillis
assumir o papel de
professora e à noite o
marido virava mestre. Chico
aprendeu em 15 dias o que
poucos conseguiriam aprender
em um ano.
O aluno era um fenômeno, mas
não tinha, segundo os
professores, know-how
suficiente para escrever os
textos que, em poucos
minutos, ele colocou no
papel, com a assinatura de
um certo Ernest O'Brien. As
palavras em inglês saíam de
sua mão em velocidade
absurda até mesmo para os
americanos e deixavam Mrs.
Phillis boquiaberta. Um dos
artigos, intitulado "Family",
começava com uma descrição
das primeiras impressões
logo após a morte:
Trernendous surprise takes
place in our mmd at the
rnornent of death. Contrary
ofour own former opinions we
are alive. The body carne
back to the inorganic
Kingdon as subject of
universal change and we
recognize that death is a
rebirth (Tremenda surpresa
ocorre em nossa mente no
momento da morte.
A despeito de nossas
próprias opiniões
anteriores, continuamos
vivos, O corpo retorna ao
reino inorgânico, sujeito
que está à mutação
universal, enquanto
reconhecemos que a morte é
um renascimento).
Waldo Vieira não ficava
atrás e também apresentava
textos assinados por O'Brien:
On what basis shall we
localize the problem of
death? Of course, there is
no death. Life itself
dernands death as a rebirth
(Em que base devemos colocar
o problema da morte?
Naturalmente, a morte não
existe. A própria vida exige
a morte como um
renascimento).
O suicídio seria pura perda
de tempo. A vida era
inevitável. Entre uma aula e
uma "mensagem", Chico Xavier
escrevia livros e, de vez em
quando, saía para passear
com os anfitriões pela
cidade. Mrs. Phillis guardou
duas frases de Chico durante
a estada:
- A gente precisa perdoar
setenta vezes sete
diariamente.
- Um tanto mais de paciência
todos os dias.
Depois de Washington, Nova
York. Ali, Chico se
encontrou com o médico
Eurípedes Tahan, o parceiro
de Maria Olina na Casa
Espírita de Sheilla. Tahan
fazia pós-graduação em
pesquisa de transplante de
fígado e, estimulado por
Chico, matriculou-se com ele
em um curso noturno de
inglês. Durante três
semanas, o mineiro de Pedro
Leopoldo participou das
aulas. A professora ficou
impressionada com sua
facilidade para o idioma.
Do livro As vidas de
Chico Xavier, de Marcel
Souto Maior.
|