Gilberto Pinheiro, do Rio de
Janeiro, em mensagem enviada
a esta revista no dia 8 de
março, critica duas
proposições contidas em “O
Livro dos Espíritos”, que
ele considera frágeis e
questionáveis.
A primeira diz respeito à
questão 359, assim grafada
na citada obra:
– Dado o caso que o
nascimento da criança
pusesse em perigo a vida da
mãe dela, haverá crime em
sacrificar-se a primeira
para salvar a segunda?
“Preferível é se sacrifique
o ser que ainda não existe a
sacrificar-se o que já
existe.”
Escreveu o confrade em seu
comentário: “Primeiramente,
Kardec respalda-se na
ambiguidade de resposta,
pois ele mesmo reconhece que
a vida se inicia na
fecundação, ou seja, na
junção do espermatozóide com
o óvulo, formando a célula
ovo ou zigoto. A partir
desse instante, o espírito
já se manifesta. Sendo
assim, abraçando a atividade
de professor, não deveria
aceitar uma resposta direta,
incoerente, àquilo que
acreditava. Ora, se a vida
inicia-se na fecundação,
deveria questionar
incansavelmente, até
entender essa resposta
incabível no circuito da
lógica e da racionalidade.
Como professor, precisava
embasar-se mais, indagar ao
espírito com mais
profundidade, mais
aprimoramento, e não aceitar
passivamente uma resposta
desfocada da verdade, tão
frágil como uma casca de
ovo. A resposta de um ser
iluminado deveria levar em
consideração a tentativa de
salvar-se ambos, ou seja,
mãe e filho em formação em
seu ventre e não essa
resposta
insipiente, inconcludente,
ilógica, sem identificação
com a verdade. Cristo jamais
daria uma resposta como
essa, tão incoerente aos
princípios morais que regem
a vida.”
*
Conquanto respeitemos as
opiniões de todas as
pessoas, é preciso convir
que o confrade, além de ter
sido muito rigoroso em sua
crítica a Kardec,
equivocou-se em suas
colocações. Ora, a vida de
uma criança realmente se
inicia na concepção, mas só
se completa com o
nascimento, como ensinam os
imortais na questão 344 da
mesma obra, adiante
transcrita:
– Em que momento a alma se
une ao corpo?
“A união começa na
concepção, mas só é completa
por ocasião do nascimento.
Desde o instante da
concepção, o Espírito
designado para habitar certo
corpo a este se liga por um
laço fluídico, que cada vez
mais se vai apertando até ao
instante em que a criança vê
a luz. O grito, que o
recém-nascido solta, anuncia
que ela se conta no número
dos vivos e dos servos de
Deus.”
Em caso de risco para a
gestante, a opção de
salvá-la, em detrimento da
continuidade da gestação, é
uma medida óbvia, visto que
o ser que existe, ou seja, o
ser completo é a mãe, não o
nascituro, que até mesmo em
face da legislação
brasileira só terá
assegurados seus direitos se
nascer com vida.
Há situações em que a
ciência médica não tem
nenhuma dúvida: se a
gestação continuar, a
gestante morrerá.
Em casos assim, se os
interessados tiverem de
fazer alguma opção, é claro
que será preferível proteger
a mulher, cuja morte, em
muitos casos, pode acarretar
também a morte do filho
agasalhado em seu ventre.
É evidente que, antes da
opção pelo abortamento,
devemos tentar todos os
recursos possíveis no
sentido de salvar a gestante
e a criança. Quanto a isso,
não existe dúvida alguma e
Kardec nada ensinou em
contrário. Mas, se for
necessário salvar alguém, a
preferência, de acordo com o
entendimento contido na
questão 359, deve recair
sobre a mulher, que poderá
mais tarde engravidar
novamente e, quem sabe,
receber o mesmo Espírito na
condição de filho.
A outra crítica de Gilberto
Pinheiro diz respeito à
questão 659 da mesma obra,
assunto que examinaremos na
próxima edição, neste mesmo
espaço.
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