A segunda crítica feita pelo
confrade Gilberto Pinheiro
ao conteúdo d´O Livro dos
Espíritos refere-se à
questão 688, não à questão
659, que ele mencionou
inadvertidamente, pois que
ela trata de outro assunto.
Eis o que diz a questão 688:
–
Há, neste momento, raças
humanas que evidentemente
decrescem. Virá momento em
que terão desaparecido da
Terra? “Assim acontecerá,
de fato. É que outras lhes
terão tomado o lugar, como
outras um dia tomarão o da
vossa.”
Na questão seguinte (689) os
Espíritos explicam que os
homens da época de Kardec
não formavam uma criação
nova, mas eram os mesmos
Espíritos que voltaram, para
se aperfeiçoar em novos
corpos, e que longe estavam
da perfeição.
*
É preciso, em primeiro
lugar, lembrar que o
conceito de “raça” evoluiu
muito de Kardec aos nossos
dias. Se substituirmos no
trecho transcrito o vocábulo
“raças” por “grupos
étnicos”, o texto estará
próximo do que os Espíritos
quiseram informar, visto que
atualmente, graças ao avanço
da Biologia, prevalece o
entendimento de que na
Terra, referindo-nos a nós
humanos, existe uma única
raça – a raça humana.
Um grupo étnico é um grupo
de pessoas que se
identificam umas com as
outras, ou são identificadas
como tal por terceiros, com
base em semelhanças
culturais ou biológicas, ou
ambas, reais ou presumidas.
Assim como os conceitos de
raça e
nação, o
de etnicidade desenvolveu-se
no contexto da expansão
colonial europeia, quando o
mercantilismo
e o
capitalismo
promoviam movimentações
globais de populações ao
mesmo tempo que as
fronteiras dos
Estados
eram definidas mais clara e
rigidamente.
A crítica de Gilberto não
trata, porém, desse aspecto,
mas de outro.
Disse ele em mensagem
enviada a esta revista:
“O Espírito deixou no ar o
que pretendia realmente
informar. Vejamos: Que raças
estão desaparecendo? Quando
citamos raças,
levamos evidentemente em
consideração as
características naturais que
identificam os seres, como a
cor da pele, o tipo de
cabelo e suas feições. As
raças existentes são a
branca, negra, amarela e
vermelha. Qual a raça que
está desaparecendo? Qual
desaparecerá? Não explicou.
Resposta evasiva,
inconclusiva, defectiva,
incompleta, distante de uma
resposta mais satisfatória.
Se o Espírito desejava dizer
que um dia virão pessoas
mais evoluídas, o que é
natural, deveria ter
explicado melhor,
abstendo-se de afirmar o
termo raças. Afinal,
não existem raças superiores
e, por conseguinte,
inferiores. Pessoas
evoluídas estão em todas as
raças. Portanto, não deverá
sucumbir nenhuma raça.
Afinal, a criação de Deus
jamais será descartável.
Faltou ao professor o tino
do filósofo.”
*
Povos inúmeros, grupos
étnicos sem conta
desapareceram ao longo da
história. Assírios,
babilônios, caldeus, em
épocas mais remotas.
Astecas, maias, incas e
inúmeras coletividades
aborígines do Brasil e dos
Estados Unidos, em época
mais recente.
Com relação à destruição dos
aborígines do México,
proposta por um confrade de
Bordeaux, a Sociedade
Espírita de Paris acusou no
dia 8-7-1864 importante
orientação assinada pelo
Espírito de Erasto. A
consulta, considerando a
natureza supostamente
pacífica dos povos indígenas
dizimados pelos espanhóis,
indagava que benefício moral
teria sido colhido de tanto
sangue derramado e se não
teria sido melhor que a
velha Europa tivesse
ignorado o Novo Mundo.
Erasto respondeu dizendo que
os costumes daqueles povos
eram mais doces que
virtuosos e que eles viviam
despreocupadamente, sem
progredir nem se elevar.
Faltava-lhes a luta capaz de
retemperar suas fontes
vitais, o que seria
viabilizado com o cruzamento
dos aborígines com os
europeus. Surgiu então desse
cruzamento uma nação nova e
vivaz que, por um vigoroso
impulso, não tardaria a
atingir o nível evolutivo
dos povos europeus. (Cf.
Revista Espírita de 1864,
pp. 241 e 242.)
Reportando-nos, pois, à
crítica do confrade carioca,
lembremo-nos de que os
Espíritos se valem da
terminologia em vigor na
época em que se manifestam
e, por causa disso, é
preciso contextualizar tudo
o que dizem, para tirar de
suas palavras o espírito,
visto que, como sabemos, a
letra mata, mas o espírito
vivifica.
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