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Crônicas e Artigos
Ano 2 - N° 102 - 12 de Abril de 2009

ORSON PETER CARRARA
orsonpeter@yahoo.com.br

Matão, São Paulo (Brasil)

Liberdade


Duas edições sequenciais da revista Veja (1915, de 27/07/05, e 1916, de 03/08/05, Editora Abril) trouxeram entrevistas que abordam um tema comum: a liberdade. Na primeira delas, o entrevistado é Raúl Rivero, considerado o maior poeta de Cuba, atualmente exilado na Espanha; a segunda traz entrevista com Carmen bin Laden, cunhada de Osama bin Laden. 

Ambos relatam experiências vividas nos países envolvidos, com restrições à liberdade individual, que podemos analisar à luz dos ensinamentos espíritas. 

Desconsideremos os fatores culturais e temporais de cada povo (que influem decisivamente nos hábitos e costumes) e adiantemos que o objetivo aqui não é criticar ou analisar posturas pessoais. O próprio Jesus recomendou que não julgássemos e efetivamente não temos esse direito, pois as Leis Divinas determinam que cada um é responsável pela própria conduta que adote. E devemos considerar ainda o estágio espiritual divergente que assinala os povos e as pessoas, individual e coletivamente considerando. Analisemos, porém, o assunto. 

Allan Kardec destinou um capítulo inteiro, o X – Da lei de liberdade, integrante da parte terceira de O Livro dos Espíritos, com 47 perguntas (825 a 872) para abordar o importante tema. Das respostas oferecidas pelos Espíritos, extraímos parcialmente alguns trechos, a título de estudo: 

a) “É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem (...)” (829) 

b) “O mal é sempre o mal e não há sofisma que faça se torne boa uma ação má. A responsabilidade, porém, do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreendê-lo. Aquele que tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação da Lei da Natureza. Mas, aí, com em tudo, a culpabilidade é relativa. Tendo-se a escravidão introduzida nos costumes de certos povos, possível se tornou que, de boa-fé, o homem se aproveitasse dela como de uma coisa que lhe parecia natural. Entretanto, desde que, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, sua razão lhe mostrou que o escravo era um seu igual perante Deus, nenhuma desculpa mais ele tem.” (830) 

c) “(...) os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por prova ou expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir (...)”. (872) 

Sugerimos aos leitores consultarem o capítulo X, acima referido, na íntegra. Suas 47 questões culminam no Resumo teórico do móvel das ações humanas (destaque deste autor), mas o capítulo analisa ainda Liberdade de pensar, Liberdade de Consciência, Livre-arbítrio, Fatalidade e Conhecimento do Futuro. Ora, isto envolve crenças, motivações, pensamentos, consciência, iniciativas e ações, num assunto de grandes e graves reflexões para a conduta individual. E que direito temos para impor, sujeitar, constranger, senão sob força da Lei? Eis, pois, o alcance do tema, inclusive nas questões internacionais.  

Na Revista Espírita* encontramos notáveis referências: 

a) No exemplar de outubro de 1863, em mensagem assinada por Espírito familiar, na mensagem Livre-arbítrio e Presciência Divina, vamos ler: “Há uma grande lei que domina tudo no Universo: a lei do progresso. É em virtude dessa lei que o homem, criatura essencialmente imperfeita, deve, como tudo quanto existe em nosso globo, percorrer todas as fases que o separam da perfeição. (...) Como, porém, todo progresso deve resultar de um esforço tentado para o realizar, não haveria nenhum mérito se o homem não tivesse a liberdade de tomar este ou aquele caminho. (...) Os infelizes expiam sempre, tanto uma vida anterior mal empregada, quanto sua recusa a seguir o bom caminho, quando este lhe era mostrado claramente. Assim depende de cada um abreviar a prova que deve sofrer; e, por isto, os guias seguros, bastante numerosos, lhe são concedidos, para que seja inteiramente responsável por sua recusa de seguir os seus conselhos. (...) O livre-arbítrio existe, pois, muito realmente no homem, mas com um guia: a consciência. (...)” 

b) Por sua vez, Allan Kardec, no exemplo de fevereiro de 1867, comentando matéria veiculada no Libre Conscience, assevera (em matéria que intitulou Livre Pensamento e Livre Consciência):  

“(...) Como aquele que concentra o pensamento sobre uma determinada ordem de fatos, que assim põe um ponto de parada em seus movimentos intelectuais, em suas investigações, pode pretender emancipar aquele que se move sem entraves, e cujo pensamento sonda as profundezas do infinito? Restringir o campo de exploração do pensamento é restringir a liberdade (...). Aquele que acredita que uma coisa é vermelha, porque a vê vermelha, não é livre de a julgar verde. Desde que o pensamento é detido por uma convicção qualquer, não é mais livre. (...) Toda opinião raciocinada, que nem é imposta, nem encadeada cegamente à de outrem, mas que é voluntariamente adotada em virtude do exercício do raciocínio pessoal, é um pensamento livre, quer seja religioso, quer político, ou filosófico. Em sua concepção mais larga, o livre pensamento significa: livre exame, liberdade de consciência, fé raciocinada; simboliza a emancipação intelectual, a independência moral, complemento da independência física; não quer mais escravos do pensamento, quanto não os quer do corpo, porque o que caracteriza o livre-pensador é que ele pensa por si mesmo, e não pelos outros, em outros termos, sua opinião lhe é própria. Assim, pode haver livres-pensadores em todas as opiniões e em todas as crenças. Neste sentido, o livre pensamento eleva a dignidade do homem; ela dele faz um ser ativo, inteligente, em vez de uma máquina de crer. (...)”  

Notável, não é mesmo? Dispensamos quaisquer outros comentários, para concluir com a direção dada por aqueles que lutam por privar a liberdade alheia, em texto apresentado pelo próprio Codificador, na continuidade dos argumentos e no mesmo texto acima referido, e que contraria toda a essência dos ensinos de Jesus e da própria Doutrina Espírita (importante frisar que trata de direção dada pelos que lutam contra a liberdade):  

“(...) Vosso Espírito só é livre com a condição de não crer no que quer, o que significa para o indivíduo: Tu és o mais livre de todos os homens, com a condição de não ir mais longe do que a ponta da corda a que te amarramos (...)”  

Um autêntico paradoxo para nossa condição de filhos de Deus! 
 

(*) Publicação fundada por Allan Kardec, em 1858, e por ele dirigida até sua desencarnação, em 1869; continua sendo editada, e atualmente em diversos idiomas, pelo Conselho Espírita Internacional.
 
 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita