CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
O
perdão cômodo e
mentiroso
"Primeiro
reconcilia-te
com o teu
inimigo, para
depois depositar
a
oferenda no meu
altar!"
Meu saudoso avô
passou anos
trancafiado num
colégio interno
de padres. Saiu
de lá espírita –
um fenômeno!
Tenho este
querido avô como
um grande
exemplo de livre
pensador, um
homem de fibra
valorosa, que em
mais de uma
situação na vida
deu as costas a
cobranças
alheias sem se
arredar dos seus
objetivos mais
caros e
indubitavelmente
válidos!
Mas, quanto a
este episódio em
particular,
certamente é
fácil alcançar
as suas
determinantes.
Foram as mesmas,
sem nenhuma
dúvida, que me
levam hoje
também a
rejeitar
energicamente
determinados
conceitos
caducos quanto
utópicos
relacionados aos
dogmas do
catolicismo.
Em algum lugar
escutei o
absurdo e, a
partir de então,
com o decorrer
do tempo, pude
observar os
efeitos
lastimáveis da
assimilação de
uma tal
distorção de
valores na
conduta de muita
gente tida como
de bem e
esclarecida
espiritualmente:
"Perdão, só se
pede a Deus! Só
Ele nos perdoa
os pecados!",
com o horrível
post scriptum
de se alegar que
não se faz
necessário pedir
desculpas a
ninguém por
algum erro
cometido porque
isto implica em
humilhação
perante os
outros.
Ora... muito
cômodo, de uma
perspectiva
individual...
tanto quanto
desastroso do
ponto de vista
evolutivo!
É em razão de
conceitos como
este que em nada
auxiliam o ser
humano na sua
melhoria íntima
com vistas a
pacificação e
harmonização
maior entre os
homens em meio
ao atual
pandemônio que
grassa de um
extremo ao outro
do mundo, que
podemos
presenciar as
contradições, os
paradoxos:
conheço gente
que, sem falta,
sagrado, em
todos os fins de
semana se
enclausura nas
igrejas
pontualmente
para as missas
dominicais.
Todavia, uma
hora antes ou
depois apronta –
e apronta feio!
– com o
semelhante! E
nada de se
enfiar a
carapuça para o
devido pedido de
desculpas, na
necessária
demonstração de
humildade
perante o
próximo e diante
das próprias
falhas e
necessidades de
aprimoramento
interior!
Vamos convir que
mais se parece
esta alegação de
que "só se deve
pedir perdão a
Deus" com um
conveniente
álibi, passível
de nos sustentar
no nosso orgulho
empedernido e
permanência nos
enganos – assim
como a criança
mal-educada que
se vê autorizada
a aprontar o que
bem entende com
os outros
porque, ao menor
sinal das
conseqüências
adversas ao seu
comportamento,
logo acorrem
mães e pais
despreparados
para passar-lhes
as mãos na
cabeça,
endossando o
injustificável
desacerto de
conduta!
Apanágio, pois,
ao
recrudescimento
da
irresponsabilidade
humana para com
os rumos da
própria vida e
dos destinos do
mundo, em si!
Pois se todos
passam a pensar
desta mesma
forma, onde
vamos parar?!
Todos decidem
que são
autorizados a
praticar o que
der na telha,
lesando ou
prejudicando o
semelhante com
maiores ou
menores
implicações. E
tudo que se tem
a fazer depois é
meter-se numa
igreja e
confessar-se a
um padre –
diga-se de
passagem, humano
como nós, está
comprovado! – ou
ajoelhar-se
diante de um
altar num ritual
vazio de
significados,
pois que
destituído da
capacidade de
promover
transformações
para melhor,
genuínas e
definitivas, no
caráter, para
que tudo o mais
esteja
esquecido,
superado! Então,
o referido
"pecador" sai
dali purificado,
limpo, quitado
com a
consciência, com
Deus e com o seu
próximo... e,
passadas apenas
duas horas, em
muitas vezes, lá
está o suposto
redimido
maltratando
esposa ou
filhos, ou
lidando com
outras pessoas
sob o domínio
das mesmas
paixões
desastrosas do
ódio, do egoísmo
e da
impulsividade
presentes antes
de dirigir-se
pela manhã à
Igreja para
rezar a mesma
oratória
mecânica e
destituída de
autenticidade de
sentimentos e de
intenções, e no
mais das vezes
se preocupando,
ainda no decurso
do ritual
religioso, com o
que haverá de
assistir à tarde
na programação
televisiva...
Cômodo.
Imaturo...
Infantil!
Indigno de uma
humanidade com
pretensões a
Novas Eras de
paz e de
renovação para
um futuro onde
todos – dizem! –
haveriam de se
estimar e de se
respeitar
mutuamente, sem
mais fazer ao
próximo o que
não querem para
si mesmos!
Mas foi o
próprio Jesus
Cristo quem nos
deixou estas
máximas, cujo
significado é
límpido,
evidente: Deus
não quer
oferendas!
Que primeiro se
reconcilie com
seus inimigos,
para depois
depositar a
oferenda em Seu
altar!
O que acontece é
que se
reconciliar com
o inimigo não
implica aquela
leitura também
cômoda de se
perdoar o que
porventura nos
tenham feito,
ainda desta
feita nos
colocando como
os mártires e
pobres
coitadinhos
vitimizados pela
Humanidade vil –
da nossa ótica!
Reconciliar-se
significa
também, e é bem
provável que
muito mais,
pedir perdão ao
próximo pelos
nossos muitos e
eventuais erros
de julgamento e
de conduta,
que não raro
atingem os
demais em cheio,
prejudicando-lhes
os percursos de
vida, mesmo que
não
intencionalmente!
Implica em se
pôr o orgulho e
a despótica
vaidade de lado
a fim de se ver
com clareza e
compreender de
forma
definitiva:
não existe
harmonização
possível entre
os homens de
quaisquer
latitudes
geográficas sem
a devida quota
de consciência e
humildade na
hora de se
admitir nossas
imperfeições e
dívidas para com
os que nos
rodeiam,
corrigindo-as e
sanando-as da
melhor forma
– e sendo estes
que nos rodeiam,
desde os nossos
familiares mais
próximos até aos
colegas do setor
profissional,
desde o mendigo
com quem
cruzamos na rua
em estado
absoluto e
gélido de
indiferença para
com as suas
rudes
necessidades até
ao animal que
maltratamos ou
flagelamos de
dentro da
cegueira de
conveniências
materiais e
econômicas!
Portanto, chega
a Humanidade a
um ponto
lastimável no
qual, sem
nenhuma dúvida,
deve um milhão
de pedidos de
desculpas, desde
a um sem-número
de seres que nos
acompanharam nas
vidas sucessivas
infindas e a
quem
prejudicamos sem
o imprescindível
reconhecimento e
iniciativa de
reconciliação
até ao planeta
como um todo,
depredado pela
nossa incúria e
soberba
originada
numa postura
autodestrutiva segundo
a qual
tudo, desde
indivíduos
quanto tudo o
mais na Criação,
nos está
disponível para
maltratarmos e
explorarmos
desrespeitosamente
o tanto quanto
quisermos...,
pois que basta
um pedido de
desculpas
dirigido
a um Deus vago e
indistinto
para que tudo
esteja consumado
e continuemos,
indefinidamente,
na nossa obra
nefanda de
desamor para com
a vida em nós
mesmos e em
todas as suas
manifestações!
E recordar-se de
que foi justo
este mesmo
Jesus, alegado
por tais
doutrinas
horrendamente
distorcidas,
quem, do alto do
martírio máximo
do Calvário, e
ademais
inocente, sem
dever a ninguém
nenhum ceitil,
proferiu para
seus algozes o
petitório que
até hoje os
legionários e
fariseus da era
contemporânea,
de dentro da sua
cegueira
orgulhosa quanto
obtusa, ainda
não conseguem
expressar para a
reconciliação
final com o
mundo e
conseqüente
harmonização
amorosa entre
todos os seres:
Pai, perdoai-os,
pois que não
sabem o que
fazem!...
Só esta mesma
recordação, e
diante do
panorama mundial
atual, mais de
dois mil anos
depois, é de
molde a
levar-nos a
corar e a
definhar de
avexamento de
nós mesmos e da
nossa renitente
delinqüência
espiritual!
Fica a reflexão.