Não era raro
observar-se, na
pequena
comunidade dos
discípulos, o
entrechoque das
opiniões, dentro
do idealismo
quente dos mais
jovens. Muita
vez, o séquito
humilde
dividia-se em
discussões,
relativamente
aos projetos do
futuro.
Enquanto Pedro e
André se punham
a ouvir os
companheiros,
com a
ingenuidade de
seus corações
simples e
sinceros, João
comentava os
planos de luta
no porvir;
Tiago, seu
irmão, falava do
bom
aproveitamento
de sua
juventude, ao
passo que o
jovem Tadeu
fazia promessas
maravilhosas.
– Somos jovens!
– diziam. –
Iremos à Terra
inteira,
pregaremos o
Evangelho às
nações,
renovaremos o
mundo!...
Tão logo o
Mestre
permitisse,
sairiam da
Galiléia,
pregariam as
verdades do
reino de Deus
naquela
Jerusalém
atulhada de
preconceitos e
de falsos
intérpretes do
pensamento
divino.
Sentiam-se
fortes e bem
dispostos.
Respiravam a
longos haustos e
supunham-se os
únicos
discípulos
habilitados a
traduzir com
fidelidade os
novos
ensinamentos.
Por longas
horas,
questionavam
acerca de suas
possibilidades,
apresentavam as
suas vantagens,
debatiam seus
projetos
imensos. E
pensavam
consigo: que
poderia realizar
Simão Pedro,
chefe de família
e encarcerado
nos seus
pequeninos
deveres? Mateus
não estava
igualmente
enlaçado por
inadiáveis
obrigações de
cada dia? André
e o irmão os
escutavam
despreocupados,
para meditarem
apenas quanto às
lições do
Messias.
Entretanto,
Simão, mais
tarde chamado o
“Zelote”, antigo
pescador do
lago,
acompanhava
semelhantes
conversações,
humilhado. Algo
mais velho que
os companheiros,
suas energias, a
seu ver, já não
se coadunavam
com os serviços
do Evangelho do
Reino. Ouvindo
as palavras
fortes da
juventude dos
filhos de
Zebedeu,
perguntava a si
mesmo o que
seria de seu
esforço singelo,
junto de Jesus.
Começava a
sentir mais
fortemente o
declínio das
forças vitais.
Suas energias
pareciam descer
de uma grande
montanha, embora
o espírito se
lhe conservasse
firme e
vigilante, no
ritmo da vida.
Deixando-se,
porém,
impressionar
vivamente,
procurou
entender-se com
o Mestre,
buscando
eximir-se das
dúvidas que lhe
roíam o
coração.
*
Depois de expor
os seus receios
e vacilações,
observou que
Jesus o fitava
sem surpresa,
como se tivesse
pleno
conhecimento de
suas emoções.
– Simão – disse
o Mestre com
desvelado
carinho —,
poderíamos acaso
perguntar a
idade de Nosso
Pai? E se
fôssemos contar
o tempo, na
ampulheta das
inquietações
humanas, quem
seria o mais
velho de todos
nós? A vida, na
sua expressão
terrestre, é
como uma árvore
grandiosa. A
infância é a sua
ramagem
verdejante. A
mocidade se
constitui de
suas flores
perfumadas e
formosas. A
velhice é o
fruto da
experiência e da
sabedoria. Há
ramagens que
morrem depois do
primeiro beijo
do Sol, e flores
que caem ao
primeiro sopro
da Primavera. O
fruto, porém, é
sempre uma
bênção do
Todo-Poderoso. A
ramagem é uma
esperança; a
flor uma
promessa; o
fruto é
realização. Só
ele contém o
doce mistério da
vida, cuja fonte
se perde no
infinito da
divindade!...
Ao passo que o
discípulo lhe
meditava os
conceitos, com
sincera
admiração, Jesus
prosseguia,
esclarecendo:
– Esta imagem
pode ser também
a da vida do
espírito, na sua
radiosa
eternidade,
apenas com a
diferença de que
aí as ramagens e
as flores não
morrem nunca,
marchando sempre
para o fruto da
edificação. Em
face da grandeza
espiritual da
vida, a
existência
humana é uma
hora de
aprendizado, no
caminho infinito
do Tempo; essa
hora minúscula
encerra o que
existe no todo.
É por isso que
aí vemos, por
vezes, jovens
que falam com
uma experiência
milenária e
velhos sem
reflexão e sem
esperança.
– Então, Senhor,
de qualquer
modo, a velhice
é a meta do
espírito? –
perguntou o
discípulo,
emocionado.
– Não a velhice
enferma e
amargurada que
se conhece na
Terra, mas a da
experiência que
edifica o amor e
a sabedoria.
Ainda aqui,
devemos recordar
o símbolo da
árvore, para
reconhecer que o
fruto perfeito é
a frescura da
ramagem e a
beleza da flor,
encerrando o
conteúdo divino
do mel e da
semente.
Percebendo que o
Mestre estendera
seus conceitos
em amplas
imagens
simbológicas, o
apóstolo voltou
a retrair-se em
seu caso
particular e
obtemperou:
– A verdade,
Senhor, é que me
sinto
depauperado e
envelhecido,
temendo não
resistir aos
esforços a que
se obriga a
minhalma, na
semeadura da
vossa doutrina
santa.
– Mas, escuta,
Simão –
redargüiu-lhe
Jesus, com
serenidade
enérgica —,
achas que os
moços de amanhã
poderão fazer
alguma coisa sem
os trabalhos dos
que agora estão
envelhecendo?!...
Poderia a árvore
viver sem a
raiz, a alma sem
Deus?! Lembra-te
da tua parte de
esforço e não te
preocupes com a
obra que
pertence ao
Todo-Poderoso.
Sobretudo, não
olvides que a
nossa tarefa,
para dignidade
perfeita de
nossas almas,
deve ser
intransferível.
João também será
velho e os
cabelos brancos
de sua fronte
contarão
profundas
experiências.
Não te magoe a
palestra dos
jovens da Terra.
A flor, no
mundo, pode ser
o princípio do
fruto, mas pode
também enfeitar
o cortejo das
ilusões. Quando
te cerque o
burburinho da
mocidade, ama os
jovens que
revelem trabalho
e reflexão;
entretanto, não
deixes de
sorrir,
igualmente, para
os levianos e
inconstantes:
são crianças que
pedem cuidado,
abelhas que
ainda não sabem
fazer o mel.
Perdoa-lhes os
entusiasmos sem
rumo, como se
devem esquecer
os impulsos de
um menino na
inconsciência
dos seus
primeiros dias
de vida.
Esclarece-os,
Simão, e não
penses que outro
homem pudesse
efetuar, no
conjunto da obra
divina, o
esforço que te
compete. Vai e
tem bom
ânimo!... Um
velho sem
esperança em
Deus é um irmão
triste da noite;
mas eu venho
trazer ao mundo
as claridades de
um dia perene.
Dando Jesus por
terminado o seu
esclarecimento,
Simão, o Zelote,
se retirou
satisfeito, como
se houvesse
recebido no
coração uma
energia nova.
*
Voltando à casa
pobre, encontrou
Tiago, filho de
Cleofas, falando
à margem do lago
com alguns
jovens, apelando
ardentemente
para as suas
forças
realizadoras.
Avistando o
velho
companheiro, o
apóstolo mais
moço não o
ofendeu, porém
fez uma pequena
alusão à sua
idade, para
destacar as
palavras de sua
exortação aos
companheiros
pescadores.
Simão, no
entanto, sem
experimentar
qualquer laivo
de ciúme,
recordou as
elucidações do
Mestre e, logo
que se fez
silêncio, ao
reconhecer que
Tiago estava só,
falou-lhe com
brandura:
– Tiago, meu
irmão, será que
o espírito tem
idade? Se Deus
contasse o tempo
como nós, não
seria ele o mais
velho de toda a
criação? E que
homem do mundo
guardará a
presunção de se
igualar ao
Todo-Poderoso?
Um rapaz não
conseguiria
realizar a sua
tarefa na Terra,
senão tivesse a
precedê-lo as
experiências de
seus pais. Não
nos detenhamos
na idade,
esqueçamos as
circunstâncias,
para lembrar
somente os fins
sagrados de
nossa vida, que
deve ser a
edificação do
Reino no íntimo
das almas.
O filho de Alfeu
escutou-lhe as
observações
singelas e
reconheceu que
eram ditas com
uma fraternidade
tão pura, que
não lhe chegavam
a ferir, nem de
leve, o coração.
Admirando a
ternura serena
do companheiro e
sem esquecer o
padrão de
humildade que o
Mestre
cultivava,
refletiu um
momento e
exclamou,
comovido:
– Tens razão!
O velho apóstolo
não esperou
qualquer
justificativa de
sua parte e,
dando-lhe um
abraço,
mostrou-lhe um
sorriso bom,
deixando
perceber que
ambos deviam
esquecer, para
sempre, aquele
minuto de
divergência, a
fim de se unirem
cada vez mais em
Jesus-Cristo.
Naquela mesma
tarde, quando o
Messias começou
a ensinar a
sabedoria do
Reino de Deus,
Simão, o Zelote,
notou que havia
na praia duas
criancinhas
inconscientes.
Dominada pela
nova luz que
fluía dos
ensinamentos do
Mestre, a mãe
delas não vira
que se
distanciavam, ao
longo do
primeiro lençol
raso das águas;
o velho
pescador, atento
à pregação e às
demais
necessidades da
hora em curso,
observou os dois
pequeninos e
acompanhou-os.
Com uma boa
palavra,
tomou-os nos
braços,
sentando-se numa
pedra e,
terminada que
foi a reunião,
os restituiu ao
colo maternal,
em meio de suave
alegria e
sincero
reconhecimento.
Inspirado por
uma força
estranha à sua
alma, o
discípulo
compreendeu que
o júbilo daquela
tarde não teria
sido completo se
duas crianças
houvessem
desaparecido no
seio imenso das
águas,
separando-se
para sempre dos
braços amoráveis
de sua mãe. No
âmago do seu
espírito, havia
um júbilo
sincero.
Compreendera com
o Cristo o
prazer de
servir, a
alegria de ser
útil.
Nessa noite,
Simão, o Zelote,
teve um sonho
glorioso para a
sua alma
simples.
Adormecendo de
consciência
feliz, sonhou
que se
encontrava com o
Messias, no cume
de um monte que
se elevava em
estranhas
fulgurações.
Jesus o abraçou
com carinho e
lhe agradeceu o
fraterno
esclarecimento
fornecido a
Tiago, em sua
lembrança,
manifestando-lhe
reconhecimento
pelo seu terno
cuidado com duas
crianças
desconhecidas,
por amor de seu
nome.
O discípulo
sentia-se
venturoso
naquele momento
sublime. Jesus,
do alto da
colina
prodigiosa,
mostrava-lhe o
mundo inteiro.
Eram cidades e
campos, mares e
montanhas... Em
seguida, o
antigo pescador
compreendeu que
seus olhos
assombrados
divisavam as
paisagens do
futuro. Ao lado
de seu
deslumbramento,
passava a imensa
família humana.
Todas as
criaturas
fitavam o
Mestre, com os
olhos
agradecidos e
refulgentes de
amor. As
crianças lhe
chamavam “amigo
fiel”; os
jovens, “verdade
do céu”; os
velhos, “sagrada
esperança”.
Simão acordou,
experimentando
indefinível
alegria. Na
manhã imediata,
antes do
trabalho,
procurou o
Senhor e
beijou-lhe a
fímbria humilde
da túnica,
exclamando
jubilosamente:
– Mestre, agora
vos
compreendo!...
Jesus
contemplou-o com
amor e
respondeu:
– Em verdade,
Simão, ser moço
ou velho, no
mundo, não
interessa!...
Antes de tudo, é
preciso ser de
Deus!...
Transcrito do
livro Boa
Nova, cap.
9, obra de
Humberto de
Campos,
psicografada por
Francisco
Cândido Xavier e
publicada pela
FEB em 1941.