MARCELO HENRIQUE
PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis,
Santa Catarina
(Brasil)
Por que
desapareceram -
ou desaparecem -
os jovens
espíritas?
Santa Catarina,
Brasil, década
de 80.
Confraternizações
Regionais e
Estaduais de
Jovens Espíritas
movimentavam a
“moçada”
catarinense.
Dias juvenis,
tardes e noites
fraternas,
encontros
artísticos,
gincanas, dias
esportivos,
semanas do jovem
e outros eventos
integravam as
mocidades das
diferentes
instituições,
como a fomentar
a chama da
continuidade,
cativando cada
vez mais
participantes,
sobretudo os
mais novos que,
conforme iam
trocando de
idade, se
empolgavam ante
a diversidade de
realizações.
Tempo de
plantios e
colheitas...
Árvores
vicejando,
frutos
abundantes...
Mas, espere!
Onde estão os
frutos, ou
melhor, onde
estão eles, os
jovens
espíritas? Onde
foram parar os
jovens “de
ontem” e, em
conseqüência,
onde estão (e o
que, de bom e
produtivo,
fazem) os “de
hoje”? Teremos
jovens
espíritas,
amanhã?
Aquele era o
tempo em que os
líderes do
movimento jovem,
bem como os
dirigentes dos
grupos sediados
nas inúmeras
instituições
eram filhos de
pais espíritas,
de famílias que
se conheciam há
tempos, muitos
dos quais,
também, a partir
dos encontros,
passavam a
conviver mais
proximamente,
namoravam,
noivavam e
casavam, a maior
parte, entre os
próprios
espíritas. E sua
prole, em
conseqüência,
estava propensa
a continuar o
trabalho dos
pais, sendo
assim e,
portanto, os
jovens espíritas
de hoje...
Certo? Errado!
Nem os pais nem
os filhos, salvo
raríssimas
exceções,
perseveraram...
Se os primeiros,
líderes da
juventude
daquela época,
hoje em dia (em
sua esmagadora
maioria) não se
acham engajados
no movimento,
nem se aglutinam
nas diretorias
das entidades
espíritas, que
se pode dizer em
relação aos seus
filhos, sem o
exemplo da
continuidade?
Embora não seja
possível
generalizar o
diagnóstico para
todos os
cenários e
casos, em minha
observação,
procuro aqueles
que, como eu, se
destacaram na
direção e
coordenação dos
eventos
descritos nas
primeiras linhas
deste artigo, os
que ombrearam
comigo a
composição de
setores e
departamentos na
federativa local
e seus órgãos
regionais e...
não os encontro!
Onde estão eles?
O que aconteceu?
Alguns se
arriscam a dizer
que eles mesmos,
com a maturidade
– e os
compromissos
inerentes à vida
adulta –
“tiveram” que se
afastar. O
emprego, a
faculdade, o
casamento, o
sustento da
família, a
educação dos
filhos, fatores
que, juntos ou
separadamente,
de acordo com a
ênfase, a
importância ou a
necessidade,
“impuseram-lhes”
as escolhas, a
seleção de
prioridades e...
o afastamento!
No quesito
“exemplo”, não
conseguiram
repetir a
história e a
trajetória de
seus próprios
pais, que, com
iguais ou
similares
desafios, “davam
conta de tudo”,
e não se
afastaram.
Onde foi parar
aquela “garra”,
aquele “espírito
de luta”,
aqueles ideais
que enfrentavam,
inclusive, muita
“cara feia” dos
mais velhos, que
preconceituosamente
olhavam para os
jovens como
“aquele grupo de
baderneiros”, o
“pessoal do
violão”, “os
rebeldes”, ou
coisa que o
valha? Quais os
motivos que os
levaram a
abandonar o
movimento, ou a
preferir um
“lugarzinho” lá
atrás, nas
cadeiras ou
bancos das
últimas
fileiras, ao
invés de
capitanearem
grupos e
instituições?
Teço estas
linhas sem o
intuito de
crítica pessoal
aos que
“debandaram”,
mas, do
contrário, com o
mote da
autocrítica, no
sentido do
próprio
movimento
espírita (re)
avaliar o que
ocorreu – e
ainda ocorre –
para tentar
“mudar” o
futuro...
Sem me
apresentar como
o “dono da
verdade” ou o
“mago da
transformação”,
assumo até o
risco de ser
mal-interpretado,
porque prefiro,
por convicção de
livre-pensador,
o desafio da
polêmica à
esquiva da
omissão e da
indiferença. Por
isso, a título
de sugestão,
vejamos qual o
destaque ou
tratamento que é
dado pelas
instituições
espíritas em
geral ao jovem.
Observe, você
mesmo, a
instituição que
freqüenta, ou
aquela de que
participa mais
ativamente. Há
juventude ou
mocidade? Ela se
reúne periódica
e
constantemente?
Que tarefas ou
atividades
desempenha? Ela
está
“ambientada” com
o Centro, isto
é, ela interage
positivamente
com os demais
grupos ou
setores da
instituição? Há
um projeto
político-pedagógico
(o que é isso,
mesmo?), ou,
pelo menos, um
plano e, com
ele, a avaliação
periódica de
resultados? Há
conexão entre o
trabalho jovem e
os que lhe
antecedem e
sucedem, em
termos de faixas
etárias, ou
seja, existe
“sintonia” entre
a(s) proposta(s)
da juventude e
aquelas
desenvolvidas
pelas crianças
(educação
infantil) e
adultos (estudos
sistematizados,
grupos de
médiuns e
congêneres)?
Se você
conseguiu
responder
afirmativamente
à maioria destes
questionamentos,
com certeza não
será o foco
do presente
artigo. Afinal,
ainda que
inicialmente,
nos parece que
“as coisas andam
bem” e/ou existe
“gente
compromissada”,
atenta ou
especializada na
temática, nesta
instituição. O
importante,
então, é a
preservação
deste status
quo, a
garantia de que
esse estado
permaneça e se
aperfeiçoe.
Mas, caso alguma
das respostas
tenha sido
negativa (ou
duvidosa), o
problema já está
instalado e,
assim entendo, o
momento atual
(de desânimo,
marasmo, mesmice
ou pouca
valorização e
presença do
jovem) é mera
conseqüência.
“Acabaram” com o
trabalho
juvenil, ou
reduziram-no aos
padrões que
interessavam ao
“controle” da
atividade
(criatividade e
liberdade)
humana.
Permitam-me,
para ser mais
claro,
apresentar um
comparativo. Os
meios acadêmico
e político
geralmente se
ressentem da
falta de “novos
líderes”,
pessoas que
tenham uma
trajetória
ascendente,
produtiva, e,
sobretudo,
confiável. Quem
são os líderes e
as pessoas de
destaque, que
ocupam lugares
estratégicos nas
instituições?
Usualmente,
pessoas mais
velhas, algumas
até na casa dos
50/60 anos. Tal
é o reflexo dos
longos anos de
ditadura, que
castraram os
movimentos
populares,
espontâneos,
naturais... Os
expoentes que
temos, em sua
maioria, de
idade madura,
foram
perseguidos,
presos,
deportados ou
asilados e,
depois,
anistiados.
Falta às
gerações
subseqüentes a
confiança e o
estímulo para
começar de novo,
do “nada”, tal
qual enunciava
um jingle
político-partidário
conhecido: “sem
medo de ser
feliz”.
No caso do
Espiritismo, sem
querer criticar
acentuadamente o
“sistema”, penso
que passamos por
realidade
semelhante:
evangelização, e
não, como
deveria ser,
Educação. O
primeiro termo,
embora
idealmente possa
simbolizar a
ascensão
espiritual ou a
moralização de
condutas, tem
sido usado, na
esteira da
história, com
propósitos
distintos e com
resultados
diferentes. Por
evangelização,
levando-se em
conta o projeto
nascido no seio
da Federação
Espírita
Brasileira
(FEB), em 1979,
com o lançamento
de sua “campanha
permanente”, as
conseqüências
foram a
preferência pelo
aspecto moral
(cunhado como
religião
espírita), a
doutrinação dos
adeptos, a
imposição de
métodos
padronizados, o
privilégio à
disciplina e à
hierarquia e o
silenciamento
dos
participantes
(jovens). Do
outro lado, como
inclusive se vem
resgatando – da
década passada
para cá – se a
política adotada
na instituição
foi a da
Educação
Espírita, o
sentido é bem
diverso, com
investimento na
formação
integral do ser,
considerada a
totalidade da
proposta
espiritista
(filosofia,
ciência e
moral),
evitando, como
no projeto
febeano, o
privilegiamento
das “idéias
morais”, a
evangelização do
ser. Neste
sentido, figura
a minha crítica
ao modelo e,
hodiernamente, a
necessidade
premente de sua
revisão, para
readequação da
política a
moldes mais
democráticos,
plurais,
alteritários e
inclusivos.
O jovem, meus
amigos, em todos
os segmentos e
ambientes
sociais
sempre é
visto com
desconfiança,
receio e, até,
temor. Um
funcionário
neófito, com
novas idéias e
posturas, com
mais “vontade”,
pode tomar o
“seu” lugar. Um
aluno novo
dissemina idéias
diferentes e
pode mudar o
rumo do trabalho
e, até, por vir
de outro lugar,
traz outros
hábitos, ameaça
a “tranqüila”
rotina, a qual
já estamos
(todos)
acostumados. Um
filho, mais
jovem que os
demais, fará
seus pais (e os
irmãos também)
reverem
conceitos,
passarem por
experiências
renovadas, ou,
então, ficarão à
margem do
processo. Assim
é a vida... Em
geral, jovens
substituem os
mais velhos e
isto nem sempre
é pacífico,
natural e
fraterno.
Cansei de ouvir,
em diálogos com
certos
dirigentes
“antigos”,
relatos de
preocupação e
uma certa
expectativa em
relação às
mudanças
“eleitorais” nas
instituições
espíritas, como
a temer que, a
qualquer
momento, um
jovem poderia
colocá-lo “de
escanteio”,
substituindo-o,
alijando-o dos
trabalhos,
porque a “turma”
estava ficando
“encantada” com
algumas idéias,
projetos, a fala
ou as ações
“daquele”
moço...
Tudo na vida
enseja a
naturalidade dos
percursos, na
marcha
evolutiva.
Idéias são
substituídas por
outras, assim
como palavras,
atitudes,
comportamentos,
rotinas,
realizações...
Penso que, no
tema em tela, as
causas do
fenecimento do
movimento jovem
envolvam
diversos
fatores. Uns,
pessoais,
conforme
descrito nas
primeiras linhas
deste artigo,
relacionadas às
“escolhas” de
cada um, das
quais,
efetivamente,
decorrem
conseqüências
(individuais e
coletivas);
pouco podemos
fazer neste
sentido, em face
do
livre-arbítrio
de cada um.
Outros fatores,
no entanto, nos
interessam em
especial, para
aqueles que se
preocupam tanto
com o jovem em
si, quanto com o
trabalho (atual
e futuro) das
entidades
espíritas: a
continuidade e a
progressividade.
Assim sendo,
entendo que
somos
responsáveis
pelo resultado
(realidade) que
aí está posto: o
desaparecimento
das juventudes e
mocidades, a
dispersão dos
jovens, o
desinteresse
pelas atividades
(em geral) das
instituições, a
inexistência ou
pouca expressão
das realizações
juvenis em
parâmetros
regionais ou
estaduais etc.,
pelos seguintes
motivos:
1−
Não tratamos o
jovem
adequadamente.
Continuamos a
vê-lo como
ameaça à rotina
da instituição,
à sua solidez
estrutural e à
comunidade
espírita como um
todo. Agimos, em
relação a ele,
com
desconfiança;
2
−
Não o integramos
devidamente à
instituição. É a
decorrência da
situação
anterior,
calcada no pouco
(ou nenhum)
espaço
institucional
dado a ele (a
não ser o
horário da
própria
juventude
espírita),
quando não no
impedimento de
que ele faça
“coisas
diferentes”, ou
assuma outras
atividades na
seara;
3
−
Não promovemos
ou acompanhamos,
nem apoiamos ou
financiamos o
trabalho
juvenil. Se há
um evento jovem,
o máximo que se
vê é o dirigente
aparecendo para
a “prece de
abertura”; se
não há como
“vetar” uma
realização
juvenil, não se
faz nada (não se
move uma palha)
para divulgar ou
enaltecer a
atividade; se
são necessários
recursos
financeiros ou
materiais-instrumentais,
o jovem “que se
vire”, faça
cotas ou tire do
próprio bolso.
“Dinheiro da
casa, ele não
terá” – dizem
alguns – “para
essas coisas de
juventude!”
As instituições
espíritas,
assim, vão
ficando mais
“vazias” sem o
entusiasmo e o
vigor juvenis.
Vão, digamos,
esmorecendo,
minguando a
olhos vistos.
Não me atrevo a
dizer que
“fecharão as
portas”, porque
sempre haverá
idealistas,
adultos dali
mesmo ou vindos
de outros
lugares, para a
continuidade das
tarefas.
E quanto aos
jovens? Que se
dirá a respeito
deles? Muitos,
realmente,
desistiram (e
continuam
desistindo).
Cansaram (ou
cansam) dos
olhares
desconfiados,
das “caras
feias”, dos
narizes
torcidos, da
má-criação dos
“velhos”
dirigentes, do
ter que se
justificar
sempre, de
tentar convencer
(sem muito
êxito), de
“provar” que
tinham (ou têm)
valor...
Foram-se (e
continuam indo),
preferindo o
não-desgaste, o
não-embate, a
tranqüilidade
(ou o comodismo,
quem sabe)...
Ah, aqueles
amigos da
juventude, os
que ombrearam
projetos e
realizações,
realmente não
estão mais por
aqui. Nem os
filhos deles,
igualmente...
Quem sabe, os
netos possam
estar, desde, é
claro, que hoje
se faça algo,
diferente, neste
sentido. Eu
estou tentando e
fazendo, modesta
e limitadamente.
E você?