O
mito da parelha
alada e
o além-túmulo
O sábio Sócrates
conta, conforme
anotações de
Platão, em o
livro “Fedro”
(tópico 8), um
mito muito
interessante a
respeito do ser
e da morte.
Diz ele que o
ser pode-se
comparar com uma
força natural e
ativa, e é
constituído de
uma carroça
puxada por uma
parelha (par de
animais, como
cavalos) e
conduzido por um
cocheiro.
Quando a carroça
encontra-se
avariada, o guia
não tem mais
necessidade
desta para
continuar a sua
viagem. Aí,
então, toma da
parelha e
continua a sua
viagem, apenas,
com ela.
Indo, ainda
mais, além, o
filósofo diz que
os cavalos e os
cocheiros das
almas divinas
são bons e de
boa raça, mas os
dos outros seres
não divinos são
mestiços, já
que, nestes, o
cocheiro que
governa rege uma
parelha na qual
um dos cavalos é
belo, bom e de
boa raça,
enquanto o outro
é de raça ruim e
de natureza
arrevesada. As
almas divinas,
então, conseguem
adquirir asas
para a sua
parelha, que faz
com que o que
era pesado possa
ter forças de
subir às
alturas, onde
habita a raça
dos deuses. As
outras, porém,
com muita
dificuldade
sobem, pois que
o cavalo de má
raça inclina e
puxa o cocheiro
para a terra.
Excelente
alegoria esta,
característica,
realmente, do
sábio que
consegue dizer
conceitos
complexos
através de
comparações
simples. Pois
bem, analisemos
semelhante
alegoria
socrática.
Na primeira
parte, o grego
mostra que a
carroça equivale
ao nosso corpo
material. O
cavalo é o
modelador e o
sustentador do
movimento do
carro, portanto,
intermediário
entre a ação
deste e a
vontade do
cocheiro, é, em
suma, o que
Kardec chamou de
perispírito. E o
cocheiro, por
sua vez, é o
próprio
Espírito, é o
agente motivador
de tudo, é o
guia.
O que acontece
na segunda parte
equivale à
desencarnação,
quando, então, o
Espírito, não
mais podendo
usufruir um
corpo saudável,
toma do
perispírito e
prossegue a
jornada, agora,
no além. Com
isso, pois, a
imortalidade da
alma fica
evidenciada.
Entretanto, indo
além, o filósofo
evidencia que os
Espíritos
divinos são
aqueles que
conseguiram
subir na escala
da evolução, e,
devido à
perfeição dos
mesmos, são
chamados de
deuses pelo
grego. Os
perispíritos
deles, pois, já
estão
quintessenciados
e puros, e, por
isso, dão a
leveza capaz de
fazer com que
eles possam
adentrar em
esferas
superiores da
criação.
Sócrates
utilizou a
figura das asas
para poder falar
dessa pouca
densidade capaz
de fazer
desprender do
plano inferior.
Os outros
Espíritos não
possuem essas
asas, ou seja,
essa leveza em
seus
perispíritos, já
que o corpo
espiritual que
os reveste,
ainda, possui
manchas,
impurezas –
caracterizado
por Sócrates
como sendo o
cavalo ruim –,
as quais o deixa
mais pesado e
com menos
capacidade de
ascender às
esferas mais
felizes.
Em resumo,
pode-se dizer
que, quando
“vivos”, ou
seja,
reencarnados, os
seres possuem o
“eu” real motor
de suas ações
que é o Espírito
(cocheiro); o
intermediário
que o reveste e
o liga ao corpo,
que é o
perispírito
(parelha de
cavalos); e o
corpo que o
coloca em
relação com o
mundo das formas
mais densas
(carroça).
Quando o corpo
não mais tem
condições de
prosseguir a
vida, o espírito
revestido pelo
perispírito
prossegue sua
jornada em
outras paragens,
agora, no
além-túmulo.
Nesse ponto,
então, a viagem
será mais fácil
e mais
ascensional para
aqueles que
conseguiram
purificar seu
corpo espiritual
(que
conseguiram, no
dizer do
filósofo, dar
asas aos seus
cavalos,
tornando-os
todos bons e de
boa raça), e
mais difícil
para aqueles
que, ainda,
possuem
impurezas no
mesmo (que
possuem cavalos
de raça ruim,
ainda), pois que
essas os prendem
à inferioridade.
Com o
Espiritismo
conseguimos dar
essa explicação
bela para esse
mito de tão alta
significância e
de tão grande
profundidade.
Em “O
Espiritismo em
sua mais simples
expressão”,
Allan Kardec
mostra que a
“vida espiritual
é a vida normal
do Espírito: ela
é eterna; a vida
corpórea é
transitória e
passageira: não
é senão um
instante na
eternidade”
(ponto 15).
Em “O Livro
dos Espíritos”,
vê-se que os
Espíritos são os
seres
inteligentes da
criação
(pergunta 76), e
que eles são
envolvidos por
uma substância
vaporosa para os
olhos humanos,
entretanto,
grosseira,
ainda, para os
Espíritos, e,
por isso,
“semimaterial”,
a qual Kardec
chamou de
perispírito
(perguntas 93 e
94). Além disso,
os seres
espirituais não
estão em um
mesmo patamar
evolutivo, ao
contrário, “são
de diferentes
ordens, conforme
o grau de
perfeição que
tenham
alcançado”
(pergunta 96).
Em “A Gênese”,
por outro lado,
o ínclito
codificador faz
um estudo
aprofundado
acerca desse
envoltório
espiritual, no
capítulo 14,
evidenciando que
esse corpo
fluídico é uma
condensação do
fluído cósmico
universal em
torno de um foco
inteligente, que
é o Espírito
(ponto 7), e é,
justamente, do
meio onde este
último se
encontra que ele
extrai o seu
perispírito,
resultando, daí,
o fato de os
elementos
constitutivos
desse envoltório
variarem
conforme os
mundos (ponto
8). Sendo assim,
“conforme seja
mais ou menos
depurado o
Espírito, seu
perispírito se
formará das
partes mais
puras ou das
mais grosseiras
do fluído
peculiar ao
mundo onde ele
encarna”, e,
desse modo, “a
constituição
íntima do
perispírito não
é idêntica em
todos os
Espíritos
encarnados ou
desencarnados
que povoam a
Terra ou o
espaço que a
circunda”, já
que esse
“envoltório
perispirítico se
modifica de
acordo com o
progresso moral
que o Espírito
realiza” (ponto
10).
Por fim, neste
tópico, há de se
fazer alusão às
asas mencionadas
por Sócrates,
que poderiam
remontar à
teoria dos
anjos, levando a
uma
interpretação,
errônea, de que
os seres divinos
possuem asas e
são eleitos por
Deus. Contudo, a
Doutrina
Espírita, em a
pergunta 128 de
“O Livro dos
Espíritos”,
diz-nos que
esses “são
Espíritos puros
que se acham no
mais alto grau
da escala e
reúnem todas as
perfeições”, mas
que percorreram
um dia a escala
da evolução até
atingirem a
perfeição
relativa, a
condição de
“deuses” (perg.
129). Dessa
maneira, esses
seres não são
Espíritos
criados
perfeitos e
alados, mas que
evoluíram até a
perfeição
relativa e, por
isso, possuem um
perispírito
menos denso.
(*)
A esta altura,
faz-se natural,
então, o
surgimento da
questão
formulada acima,
que Sócrates não
tratara em sua
alegoria
brilhante: como
fazer com que o
perispírito
fique mais leve,
ou seja, com que
a parelha fique
alada ganhando
asas?
Se bem que a
resposta já
esteja, mais ou
menos, desenhada
nas partes do
texto, faz-se
mister anotar
que a ação no
bem eleva o
Espírito; essa
elevação faz com
que o
perispírito
retire do fluido
cósmico
universal os
elementos mais
similares, e,
portanto, mais
elevados para a
sua
constituição.
Sendo assim, “o
aperfeiçoamento
do Espírito é o
fruto do seu
próprio
trabalho” (Allan
Kardec, “O
Espiritismo em
sua mais simples
expressão”,
ponto 12).
O mito da
parelha alada de
Sócrates, pois,
está em perfeita
consonância com
os ensinamentos
do Espiritismo
acima anotados,
e todos juntos
só confirmam o
que, há muito,
desde épocas
inimagináveis, o
ser tem como
intuição, que é
a existência de
algo além-túmulo
e da
imortalidade da
alma,
sobrevivendo
essa, pois, à
morte.
É por isso que
podemos dizer,
como falara
Paulo de Tarso,
“onde está, ó
morte, a tua
vitória? Onde
está, ó morte, o
teu aguilhão?” (1
Coríntios 15:
55).
(*)Nota do autor:
Neste ponto,
pois, faz-se
mister frisar
que, com o
conhecimento
espírita,
sabemos que os
seres puros não
possuem asas, a
palavra foi
usada como
alegoria por
Sócrates, apenas
para se fazer
entendido acerca
da sutileza
perispiritual.
(Para maior
entendimento ler
“O Céu e o
Inferno”,
capítulo VIII,
parte I, e “O
Livro dos
Espíritos”,
perguntas 128 a
131, ambos de
Allan Kardec.)