Delanne: pesquisador do
Espiritismo
(1ª
Parte)
Introdução
O presente trabalho se
originou de um interesse
muito próximo à
teimosia, de melhor
conhecer a obra e o
pensamento dos
contemporâneos e
sucessores de Kardec.
Após uma procura, com
poucos frutos, nos
livros de Gabriel
Delanne publicados em
português (também
mantidos à venda por
causa de uma dedicação,
também quase próxima da
teimosia, por parte da
FEB), constatamos que,
infelizmente, vêm
desacompanhados
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de um prefácio ou
uma introdução aos
moldes da que
encontramos em “A
Nova Revelação” de
Arthur Conan Doyle e
que beneficiam o
leitor, que mais que
apenas ler, deseja
conhecer melhor quem
escreveu e o
contexto onde se
produziu a obra.
Este tipo de
apresentação é, na
nossa quase
desconhecida
opinião, fundamental
às obras clássicas
do Espiritismo. |
Após muito procurar em
livrarias espíritas e
não espíritas, em lojas
especializadas de livros
usados, fomos encontrar
na célebre livraria da
FEB, situada na avenida
Passos, o livro de
Regnault e Bodier, que
nos serviu de espinha
dorsal para este
trabalho. O livreiro que
nos atendeu, preocupado
talvez com o volume de
vendas dos livros,
comentou com seu cliente
exigente que desejava
uma edição em melhor
estado: “Este livro
quase não vende...” Não
somos capazes de avaliar
se sua informação é
precisa, já que se
tratava de uma segunda
edição, impressa, pelas
datas, em menos de dois
anos, mas talvez ela
venha a espelhar o papel
ocupado por Gabriel
Delanne no esforço de
divulgação da grande
maioria dos expositores
dos dias de hoje.
Conhecer o trabalho e a
luta dos estudiosos das
primeiras horas é, mais
do que ontem,
necessidade urgente dos
espíritas que militam no
movimento brasileiro, é
questão de identidade,
tão importante nos
encargos do presente.
Com este espírito é que
trazemos o presente
trabalho, um trabalho
que não tem a pretensão
de profundidade,
principalmente se
colocado ao lado do
livro de Regnault e
Bodier, nossa fonte
principal, mas, sim, de
instigar a curiosidade
do leitor, visando à
divulgação.
Os pais e
a infância
Muitas das biografias
que temos lido
apresentam, quando
muito, os nomes e
profissão dos pais da
pessoa em questão,
revelando alguma
importância que a
família pode ter tido
para, em seguida, não
mais voltar a tratar
deles em seu trabalho.
No caso de Gabriel
Delanne, este
procedimento seria
imperdoável, já que seus
pais têm uma relevância
central na sua história
pessoal e espírita.
Alexandre Delanne, pai
de Gabriel, era um
representante comercial
que possuía uma loja de
artigos de higiene na
França. Seu interesse
pelo Espiritismo foi
despertado em uma de
suas viagens à cidade de
Caen no “Cafe de Grand
Balcon”, quando ouviu
uma conversa entre dois
homens e zombou do que
assumia posições
espíritas. Este, ao
invés de se zangar,
deu-lhe uma explicação
geral do trabalho de
Kardec e recomendou-lhe
a leitura de livros
publicados pelo
codificador. Intrigado,
Delanne, pai, comentou o
acontecido com sua
esposa, Marie
Alexandrine Didelot, que
o incentivou a adquirir
os livros. Em pouco
tempo estavam lidos “O
Livro dos Espíritos” e
“O Livro dos Médiuns”,
marcado um encontro com
o Sr. Allan Kardec, e a
Sra. Delanne
psicografava sua
primeira mensagem, no
grupo do codificador,
onde se liam três
palavras: “Crede, Orai e
Aguardai”.
Fundou-se um grupo na
casa dos Delanne, que o
dirigiam com
austeridade, e jamais
aceitaram nenhum tipo de
remuneração, apesar de
sua condição humilde.
Muitos foram os
fenômenos e encontros
que se deram entre os
habitantes de dois
planos da realidade. Um
episódio que Delanne,
pai, trouxe ao público,
posteriormente, foi a
comunicação do Cardeal
Lambrusquini, obtida
através da Sra. Potet,
redigida em idioma
piemontês, desconhecido
dos membros do grupo e
reconhecido por dois
visitantes. No dia
seguinte, a Sra. Delanne
serviria de
intermediária entre os
visitantes e seu ilustre
conhecido. O cardeal
respondeu a perguntas
formuladas mentalmente
pelos compatriotas,
registradas em um pedaço
de papel, para que se
pudesse apurar o
conteúdo das
comunicações.
Neste ambiente viveu
François-Marie Gabriel
Delanne (1857-1926) a
sua segunda infância e
adolescência. Ele
conviveu intimamente com
faculdades mediúnicas
diversificadas de sua
própria mãe e dos
médiuns que freqüentavam
sua casa. Uma mostra da
sua ligação com o
Espiritismo desde a
infância foi um episódio
em que substituiu o pai
na reunião, com apenas
oito anos, explicando o
que fosse necessário às
pessoas que participaram
dela. (WANTUIL, 1980. p.
315.)
Sua ligação com os
membros de sua família
foi intensa. Dedicou
posteriormente seu “A
Evolução Anímica” à sua
tia Anette Delanne“,
como prova de
reconhecimento da
ternura que povoou a
minha infância”. Sua
ligação com Allan Kardec
também foi
significativa. Wantuil
(1980, p. 316) afirma
que em uma oportunidade
Kardec dispensou a ele
mimos que um avô
dispensa a seu neto.
Gabriel Delanne
dedicou-lhe o livro “O
Fenômeno Espírita” com
as seguintes palavras:
“À alma imortal de meu
venerando mestre Allan
Kardec eu dedico este
livro, obra de um de
seus mais obscuros, mas
de seus mais sinceros
admiradores.”
Delanne não se casou e,
mesmo afastado, manteve
os laços com sua
família. Em 1905, ele
adotou a menina Suzanne
Rabotin, com sete meses,
que lhe fez companhia
até a morte.
A
história profissional
Delanne iniciou seus
estudos no Colégio de
Cluny, passando a seguir
para o Colégio de Gray,
sendo admitido, em 1876,
na Escola Central de
Artes e Manufaturas, que
abandonou no ano
seguinte. Regnault
afirma que o abandono
dos estudos se deveu à
situação financeira da
família de Gabriel. Foi
admitido, como
engenheiro, na Companhia
de Ar Comprimido e
Eletricidade Popp, onde
trabalhou até 1892.
Possivelmente se deve a
este emprego o fato de
alguns autores se
referirem a Gabriel
Delanne como engenheiro.
Posteriormente, Delanne
trabalharia, alguns
anos, como representante
comercial, até 1896.
Após esta data ele
dedicou-se integralmente
ao Espiritismo. Delanne
possuía problemas de
saúde que foram
agravados com o tempo.
Na infância, ele ficaria
cego de um olho em
decorrência de um
abcesso. Nos anos 90,
sua ataxia já se fazia
notada no andar, e o
agravamento da doença de
base o faria, a partir
de 1906, a andar com
duas muletas.
Homem
Público do Movimento
Espírita
Nas comemorações – de
1880 – da desencarnação
de Kardec, Delanne fez
um discurso no túmulo,
em Père Lachaise, onde
expôs, entre outras
idéias, a opinião de que
Allan Kardec não viera
trazer nenhum culto, que
adotara a moral cristã e
que havia ainda um campo
inexplorado para
estudos, que são as
relações entre o mundo
dos Espíritos e o nosso.
Dois anos depois, seria
criada, com sua
participação, a União
Espírita Francesa. Em um
episódio curioso,
Delanne recebe da Sra.
Elisabeth D’Esperance,
médium cujas faculdades
lhe dão notoriedade até
os dias de hoje, cerca
de 5.000 francos para
editar um jornal
espírita. Surge o
periódico bimestral “Le
Spiritisme”, no qual
Delanne assume o papel
de redator geral. O
primeiro volume foi
publicado no mês de
março. Lantier afirma
que Delanne era um
redator criterioso e
rejeitava artigos dos
amigos que não
apresentassem os rigores
exigidos pela ciência.
Regnault citou um
fragmento de um discurso
que expressa bem as
diretrizes que Delanne
tomou para a sua
prática: demonstrar que
o Espiritismo não é
incompatível com a
Ciência e divulgá-lo
amplamente, para que não
ficasse reduzido a uma
elite de cientistas e
intelectuais.
Mesmo o cáustico Dumas
(1890) reconhece os seus
esforços em mostrar as
bases científicas do
Espiritismo. Em 1883,
Delanne se vê envolvido
em um debate público com
Guérin, onde o tema
central é a encarnação
de Jesus Cristo. A
posição de Delanne é a
de que Jesus não possuía
nenhuma natureza
especial, embora tivesse
notável inteligência e
evolução. Dois anos
depois, ele publicaria o
primeiro de uma série de
livros que comentaremos
posteriormente. Em 1885,
foi eleito
vice-presidente da União
Espírita Francesa e, nos
cinco anos que se
seguiram, proferiu
inúmeras conferências. A
década de 90 foi marcada
pelo regresso de muitos
dos seus entes queridos
para a pátria
espiritual. Em 92,
desencarnou seu irmão
Ernesto; dois anos
depois, foi a mãe e, em
1901, seria a vez de
Alexandre Delanne, o pai
e companheiro de
trabalhos no meio
espírita.
Uma nova revista seria
fundada com o suporte
financeiro de Jean
Meyer: a Revista
Científica e Moral do
Espiritismo (1896). Em
1898 foram feitas
comemorações do
cinqüentenário do
Espiritismo, que,
portanto, tinha seu
início considerado a
partir dos fenômenos de
Hydesville, com duas
conferências públicas e
gratuitas: Léon Denis e
Gabriel Delanne. No ano
seguinte, temos a
transformação de mais um
órgão central do
Espiritismo francês: a
fundação da Sociedade
Francesa de Estudo dos
Fenômenos Psíquicos.
Nota-se a falta do termo
Espírita nesta nova
sociedade. A despeito
deste comentário,
Regnault e Bodier
afirmam que seu
trabalho, nesta
sociedade, foi
amplamente marcado pela
obra de Kardec, e formou
inúmeros espíritas e
experimentadores.
Delanne aceitou o cargo
de vice-presidente.
Ele passou a fazer
conferências públicas
gratuitas nas noites de
terças-feiras, na sede
da Sociedade, sobre os
fenômenos do
Espiritismo. A esta
época, ele já aceitava
convites para fazer
palestras gratuitas em
Paris e no interior da
França. A participação
de Gabriel Delanne nos
congressos
internacionais foi
ativa. Participou da
comissão de organização
do Congresso Espírita e
Espiritualista de 1900,
onde fez a conferência
de abertura. Em 1905,
compareceu ao Congresso
de Liège, onde fez uma
conferência sobre a
exteriorização do
pensamento.
Delanne foi a Alger
auxiliar o prof. Richet
(prêmio nobel de
medicina) em suas
pesquisas com a médium
Marthe Béraud, na casa
do general Noël. O
episódio passou à
história com o nome de
“O fantasma de Bien
Boa”. Nele, Richet
testemunharia fenômenos
de materialização de
Espíritos de corpo
inteiro, após preparar o
ambiente com os cuidados
que a Metapsíquica
sugeria, evitando-se
fraudes. O leitor
interessado poderá ler o
episódio, com um certo
ar literário, no livro
de Lantier (1971).
Delanne participou de
pesquisas com o médium
Miller, desmascarado por
Denis, no ano de 1906. A
edição da Revista
Científica e Moral do
Espiritismo foi
interrompida em 1914, em
função da guerra,
voltando a ser editada
em 1917. Em 1919, com a
participação de Jean
Meyer, foi fundada a
Federação Nacional dos
Espíritas da França, que
incorporou a Sociedade.
Delanne tornou-se
presidente deste órgão.
Meyer fundou também,
neste mesmo ano, o
Instituto Metapsíquico
Internacional, que teve
como presidente Gustave
Geley, indicado por
Delanne.
Sua desencarnação se deu
em 1926, um ano depois
da desencarnação da
prima que o auxiliava em
virtude da doença que
praticamente o impedia
de andar. Bodier e
Regnault narram o
episódio acontecido no
dia do seu falecimento:
Delanne aceitou receber
um anarquista que
discutiu Espiritismo
durante duas horas e
meia, saindo claramente
abalado com as
colocações de Delanne,
por volta das 18h00.
Próximo das 20h00,
Delanne teve um ataque e
avisou aos presentes que
iria desencarnar. Andre
Bourgeois o socorre e
diz-lhe que se
recuperaria, ao que ele
redargüiu: “- Sim, no
Além”. Às 7h00 da manhã
do dia seguinte,
desencarnou Delanne.
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(Conclui no próximo
número.)
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