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Ano 2 - N° 59 - 8 de Junho de 2008

JÁDER SAMPAIO
jadersampaio@uai.com.br
Belo Horizonte, Minas Gerais (Brasil)
 

Delanne: pesquisador do Espiritismo
(1ª Parte)
 

Introdução

O presente trabalho se originou de um interesse muito próximo à teimosia, de melhor conhecer a obra e o pensamento dos contemporâneos e sucessores de Kardec. Após uma procura, com poucos frutos, nos livros de Gabriel Delanne publicados em português (também mantidos à venda por causa de uma dedicação, também quase próxima da teimosia, por parte da FEB), constatamos que, infelizmente, vêm desacompanhados

de um prefácio ou uma introdução aos moldes da que encontramos em “A Nova Revelação” de Arthur Conan Doyle e que beneficiam o leitor, que mais que apenas ler, deseja conhecer melhor quem escreveu e o contexto onde se produziu a obra. Este tipo de apresentação é, na nossa quase desconhecida opinião, fundamental às obras clássicas do Espiritismo.  

Após muito procurar em livrarias espíritas e não espíritas, em lojas especializadas de livros usados, fomos encontrar na célebre livraria da FEB, situada na avenida Passos, o livro de Regnault e Bodier, que nos serviu de espinha dorsal para este trabalho. O livreiro que nos atendeu, preocupado talvez com o volume de vendas dos livros, comentou com seu cliente exigente que desejava uma edição em melhor estado: “Este livro quase não vende...” Não somos capazes de avaliar se sua informação é precisa, já que se tratava de uma segunda edição, impressa, pelas datas, em menos de dois anos, mas talvez ela venha a espelhar o papel ocupado por Gabriel Delanne no esforço de divulgação da grande maioria dos expositores dos dias de hoje.  

Conhecer o trabalho e a luta dos estudiosos das primeiras horas é, mais do que ontem, necessidade urgente dos espíritas que militam no movimento brasileiro, é questão de identidade, tão importante nos encargos do presente. Com este espírito é que trazemos o presente trabalho, um trabalho que não tem a pretensão de profundidade, principalmente se colocado ao lado do livro de Regnault e Bodier, nossa fonte principal, mas, sim, de instigar a curiosidade do leitor, visando à divulgação.  

Os pais e a infância

Muitas das biografias que temos lido apresentam, quando muito, os nomes e profissão dos pais da pessoa em questão, revelando alguma importância que a família pode ter tido para, em seguida, não mais voltar a tratar deles em seu trabalho. No caso de Gabriel Delanne, este procedimento seria imperdoável, já que seus pais têm uma relevância central na sua história pessoal e espírita.

Alexandre Delanne, pai de Gabriel, era um representante comercial que possuía uma loja de artigos de higiene na França. Seu interesse pelo Espiritismo foi despertado em uma de suas viagens à cidade de Caen no “Cafe de Grand Balcon”, quando ouviu uma conversa entre dois homens e zombou do que assumia posições espíritas. Este, ao invés de se zangar, deu-lhe uma explicação geral do trabalho de Kardec e recomendou-lhe a leitura de livros publicados pelo codificador. Intrigado, Delanne, pai, comentou o acontecido com sua esposa, Marie Alexandrine Didelot, que o incentivou a adquirir os livros. Em pouco tempo estavam lidos “O Livro dos Espíritos” e “O Livro dos Médiuns”, marcado um encontro com o Sr. Allan Kardec, e a Sra. Delanne psicografava sua primeira mensagem, no grupo do codificador, onde se liam três palavras: “Crede, Orai e Aguardai”.  

Fundou-se um grupo na casa dos Delanne, que o dirigiam com austeridade, e jamais aceitaram nenhum tipo de remuneração, apesar de sua condição humilde. Muitos foram os fenômenos e encontros que se deram entre os habitantes de dois planos da realidade. Um episódio que Delanne, pai, trouxe ao público, posteriormente, foi a comunicação do Cardeal Lambrusquini, obtida através da Sra. Potet, redigida em idioma piemontês, desconhecido dos membros do grupo e reconhecido por dois visitantes. No dia seguinte, a Sra. Delanne serviria de intermediária entre os visitantes e seu ilustre conhecido. O cardeal respondeu a perguntas formuladas mentalmente pelos compatriotas, registradas em um pedaço de papel, para que se pudesse apurar o conteúdo das comunicações.  

Neste ambiente viveu François-Marie Gabriel Delanne (1857-1926) a sua segunda infância e adolescência. Ele conviveu intimamente com faculdades mediúnicas diversificadas de sua própria mãe e dos médiuns que freqüentavam sua casa. Uma mostra da sua ligação com o Espiritismo desde a infância foi um episódio em que substituiu o pai na reunião, com apenas oito anos, explicando o que fosse necessário às pessoas que participaram dela. (WANTUIL, 1980. p. 315.)  

Sua ligação com os membros de sua família foi intensa. Dedicou posteriormente seu “A Evolução Anímica” à sua tia Anette Delanne“, como prova de reconhecimento da ternura que povoou a minha infância”. Sua ligação com Allan Kardec também foi significativa. Wantuil (1980, p. 316) afirma que em uma oportunidade Kardec dispensou a ele mimos que um avô dispensa a seu neto. Gabriel Delanne dedicou-lhe o livro “O Fenômeno Espírita” com as seguintes palavras: “À alma imortal de meu venerando mestre Allan Kardec eu dedico este livro, obra de um de seus mais obscuros, mas de seus mais sinceros admiradores.”  

Delanne não se casou e, mesmo afastado, manteve os laços com sua família. Em 1905, ele adotou a menina Suzanne Rabotin, com sete meses, que lhe fez companhia até a morte.  

A história profissional

Delanne iniciou seus estudos no Colégio de Cluny, passando a seguir para o Colégio de Gray, sendo admitido, em 1876, na Escola Central de Artes e Manufaturas, que abandonou no ano seguinte. Regnault afirma que o abandono dos estudos se deveu à situação financeira da família de Gabriel. Foi admitido, como engenheiro, na Companhia de Ar Comprimido e Eletricidade Popp, onde trabalhou até 1892. Possivelmente se deve a este emprego o fato de alguns autores se referirem a Gabriel Delanne como engenheiro. Posteriormente, Delanne trabalharia, alguns anos, como representante comercial, até 1896. Após esta data ele dedicou-se integralmente ao Espiritismo. Delanne possuía problemas de saúde que foram agravados com o tempo. Na infância, ele ficaria cego de um olho em decorrência de um abcesso. Nos anos 90, sua ataxia já se fazia notada no andar, e o agravamento da doença de base o faria, a partir de 1906, a andar com duas muletas. 

Homem Público do Movimento Espírita

Nas comemorações – de 1880 – da desencarnação de Kardec, Delanne fez um discurso no túmulo, em Père Lachaise, onde expôs, entre outras idéias, a opinião de que Allan Kardec não viera trazer nenhum culto, que adotara a moral cristã e que havia ainda um campo inexplorado para estudos, que são as relações entre o mundo dos Espíritos e o nosso.  

Dois anos depois, seria criada, com sua participação, a União Espírita Francesa. Em um episódio curioso, Delanne recebe da Sra. Elisabeth D’Esperance, médium cujas faculdades lhe dão notoriedade até os dias de hoje, cerca de 5.000 francos para editar um jornal espírita. Surge o periódico bimestral “Le Spiritisme”, no qual Delanne assume o papel de redator geral. O primeiro volume foi publicado no mês de março. Lantier afirma que Delanne era um redator criterioso e rejeitava artigos dos amigos que não apresentassem os rigores exigidos pela ciência. Regnault citou um fragmento de um discurso que expressa bem as diretrizes que Delanne tomou para a sua prática: demonstrar que o Espiritismo não é incompatível com a Ciência e divulgá-lo amplamente, para que não ficasse reduzido a uma elite de cientistas e intelectuais.  

Mesmo o cáustico Dumas (1890) reconhece os seus esforços em mostrar as bases científicas do Espiritismo. Em 1883, Delanne se vê envolvido em um debate público com Guérin, onde o tema central é a encarnação de Jesus Cristo. A posição de Delanne é a de que Jesus não possuía nenhuma natureza especial, embora tivesse notável inteligência e evolução. Dois anos depois, ele publicaria o primeiro de uma série de livros que comentaremos posteriormente. Em 1885, foi eleito vice-presidente da União Espírita Francesa e, nos cinco anos que se seguiram, proferiu inúmeras conferências. A década de 90 foi marcada pelo regresso de muitos dos seus entes queridos para a pátria espiritual. Em 92, desencarnou seu irmão Ernesto; dois anos depois, foi a mãe e, em 1901, seria a vez de Alexandre Delanne, o pai e companheiro de trabalhos no meio espírita.  

Uma nova revista seria fundada com o suporte financeiro de Jean Meyer: a Revista Científica e Moral do Espiritismo (1896). Em 1898 foram feitas comemorações do cinqüentenário do Espiritismo, que, portanto, tinha seu início considerado a partir dos fenômenos de Hydesville, com duas conferências públicas e gratuitas: Léon Denis e Gabriel Delanne. No ano seguinte, temos a transformação de mais um órgão central do Espiritismo francês: a fundação da Sociedade Francesa de Estudo dos Fenômenos Psíquicos. Nota-se a falta do termo Espírita nesta nova sociedade. A despeito deste comentário, Regnault e Bodier afirmam que seu trabalho, nesta sociedade, foi amplamente marcado pela obra de Kardec, e formou inúmeros espíritas e experimentadores. Delanne aceitou o cargo de vice-presidente.  

Ele passou a fazer conferências públicas gratuitas nas noites de terças-feiras, na sede da Sociedade, sobre os fenômenos do Espiritismo. A esta época, ele já aceitava convites para fazer palestras gratuitas em Paris e no interior da França. A participação de Gabriel Delanne nos congressos internacionais foi ativa. Participou da comissão de organização do Congresso Espírita e Espiritualista de 1900, onde fez a conferência de abertura. Em 1905, compareceu ao Congresso de Liège, onde fez uma conferência sobre a exteriorização do pensamento. 

Delanne foi a Alger auxiliar o prof. Richet (prêmio nobel de medicina) em suas pesquisas com a médium Marthe Béraud, na casa do general Noël. O episódio passou à história com o nome de “O fantasma de Bien Boa”. Nele, Richet testemunharia fenômenos de materialização de Espíritos de corpo inteiro, após preparar o ambiente com os cuidados que a Metapsíquica sugeria, evitando-se fraudes. O leitor interessado poderá ler o episódio, com um certo ar literário, no livro de Lantier (1971).  

Delanne participou de pesquisas com o médium Miller, desmascarado por Denis, no ano de 1906. A edição da Revista Científica e Moral do Espiritismo foi interrompida em 1914, em função da guerra, voltando a ser editada em 1917. Em 1919, com a participação de Jean Meyer, foi fundada a Federação Nacional dos Espíritas da França, que incorporou a Sociedade. Delanne tornou-se presidente deste órgão. Meyer fundou também, neste mesmo ano, o Instituto Metapsíquico Internacional, que teve como presidente Gustave Geley, indicado por Delanne.  

Sua desencarnação se deu em 1926, um ano depois da desencarnação da prima que o auxiliava em virtude da doença que praticamente o impedia de andar. Bodier e Regnault narram o episódio acontecido no dia do seu falecimento: Delanne aceitou receber um anarquista que discutiu Espiritismo durante duas horas e meia, saindo claramente abalado com as colocações de Delanne, por volta das 18h00. Próximo das 20h00, Delanne teve um ataque e avisou aos presentes que iria desencarnar. Andre Bourgeois o socorre e diz-lhe que se recuperaria, ao que ele redargüiu: “- Sim, no Além”. Às 7h00 da manhã do dia seguinte, desencarnou Delanne.  

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> (Conclui no próximo número.)


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