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Ano 2 - N° 60 - 15 de Junho de 2008

JÁDER SAMPAIO
jadersampaio@uai.com.br
Belo Horizonte, Minas Gerais (Brasil)
 

Delanne: pesquisador do Espiritismo
(2ª e última parte)
 

Delanne - Escritor

Até o presente momento evitou-se tratar dos livros escritos por Delanne, apresentando-se apenas as revistas com as quais colaborou ou que editou. Seu primeiro livro foi publicado em 1885, com o título “O Espiritismo perante a Ciência”. Dividido em cinco partes, trata inicialmente das diversas teorias relacionadas à existência da alma; da história e teoria do magnetismo, sonambulismo     e     hipnotismo;     dos

experimentos  que provam a imortalidade da alma, do perispírito, provas de sua existência, sua composição e seu papel na desencarnação, concluindo com uma parte que trata da mediunidade.  

Lantier (1971, p. 77) faz um comentário a respeito deste livro, que nos faz crer que ele não o tenha lido: “O autor, dando prova de sua grande erudição, combate nele o materialismo com argumentos que se apóiam mais nas realidades do eletromagnetismo do que nos postulados do kardecismo”. Ao se referir ao eletromagnetismo, Lantier devia estar querendo falar do magnetismo animal de Mesmer e seus sucessores, dos quais Delanne trata na segunda parte. Como atribuir a teoria do perispírito a alguém que não seja Kardec? Como atribuir o tratamento dos tipos de mediunidade ao eletromagnetismo? Falando francamente, Jacques Lantier parece não ter lido o livro que comenta, ou desconhecer a obra de Allan Kardec. A edição brasileira deste livro foi traduzida por Carlos Imbassahy e revista por Lauro S. Thiago, para a segunda edição de 1993. A edição, que serviu de base a este artigo de 1993, indica que foram impressos, até então, dez mil livros, mas é necessário comentar que ele ficou décadas sem ser publicado.  

A segunda publicação de Delanne foi “O Fenômeno Espírita”, que veio a público em 1896. Espécie de curso introdutório ao Espiritismo, este livro apresenta a comunicação com os mortos desde a antigüidade, dedicando um capítulo para os tempos modernos, onde apresenta, com propriedade, o desenvolvimento do “new spiritualism” anglo-americano desde as irmãs Fox, o trabalho de Kardec e seus contemporâneos e as pesquisas alemãs de Justinus Kerner aos seus contemporâneos. Segue-se a apresentação de fenômenos de efeitos físicos e uma discussão das teses alternativas à mediunidade, com a apresentação de fatos diversos que comprovam as quatro faculdades básicas da mediunidade. A segunda parte termina com um capítulo sobre o “Espiritismo Transcendental”, termo que se refere aos fenômenos de materialização, desmaterialização, transporte e outras faculdades de efeitos físicos. A terceira parte do livro é destinada aos grupos espíritas, apresentando sugestões para o seu funcionamento. A quarta e última parte se destina a discutir a tese materialista e a apresentar argumentos em favor da reencarnação. Esta é uma obra que merece ser indicada aos iniciantes em Espiritismo que já possuam hábito de leitura. É leitura quase obrigatória aos que se dedicam à prática da Doutrina dos Espíritos. Sua tradução foi realizada por Ewerton Quadros, e a edição consultada indicava a publicação de 29.000 livros pela FEB, em 1992.  

A contribuição seguinte do discípulo de Kardec à literatura espírita foi publicada em 1897 e está traduzida em português com o título “A Evolução Anímica”. Esta obra é uma análise comparativa dos postulados espíritas frente à Psicologia Fisiológica da época. Desdobram-se temas como a vida (entendida organicamente), a memória, as personalidades múltiplas, a loucura, a hereditariedade e o universo, em que se discute a evolução cósmica e a evolução terrestre. Traduzida para o português por Manuel Quintão, em 1992 a FEB já havia impresso 34.000 volumes.  

Seu quarto livro, cuja primeira edição veio a público em 1898, ainda não está traduzido para o português, e seu título poderia ser traduzido como “Pesquisas Sobre a Mediunidade”. Sobre este livro silenciam Regnault e Bodier, e o suspeito Lantier indica, lacônico, a sua publicação. Hermínio Miranda, entretanto, conseguiu a edição francesa de 1902, que cita em seu “Diversidade dos Carismas”.  

Neste mesmo ano, Delanne prefaciou o livro “Katie King: histoire de ses aparitions”, cujo autor não é indicado por Lantier. Em 1899, Delanne publicou “A Alma é Imortal”, quinto livro consecutivo em cinco anos de trabalhos. Nele se trata da imortalidade da alma, do perispírito, do desdobramento do ser humano, do corpo fluídico após a morte, as experiências de De Rochas sobre a exteriorização da sensibilidade, as fotografias de Espíritos desencarnados, as criações fluídicas da vontade, as teorias científicas do tempo, espaço, conservação da energia e ponderabilidade. Traduzido para o português por Guillon Ribeiro, a obra consultada já estava em sua quarta edição em 1978.  

Após um jejum de dez anos, Delanne traz a público a obra que todos os seus biógrafos consideram sua obra-prima. Em língua portuguesa ela poderia ser traduzida “As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mortos”. Seu primeiro volume foi publicado em 1909 e seu segundo volume em 1911. Regnault e Bodier (1990, p. 61) afirmam que, no primeiro volume, “Gabriel Delanne não deixa sem resposta nenhuma das objeções que são feitas à existência da alma dos vivos. Para prová-lo, fornece uma documentação extraordinária, baseada em múltiplas experiências científicas.” Eles continuam tratando do segundo tomo, o que se transcreve abaixo. 

“No segundo tomo mostra a analogia que existe entre o que se passa durante a vida dos seres e o que existe quando, não tendo mais o corpo físico, podem, todavia, manifestar sua sobrevivência através de comunicações “post mortem”. Daqui a alguns séculos, quando os historiadores desejarem tornar conhecido o que havia na época da barbárie, quando existiam materialistas, os humanos dessa época ficarão muito espantados ao constatarem que os metapsiquistas nada tinham inventado.” 

Oitenta e cinco anos se passaram sem que os espíritas brasileiros pudessem ter o prazer de ler, em sua língua, a presente obra. Uma vez que alguns privilegiados ainda a possuem, o que se pode fazer é esperar que um dos estudiosos dedicados, que o movimento espírita brasileiro possui, se prontifique a traduzi-la, com a certeza de que não será um “best seller”, mas que certamente contribuirá para uma melhor compreensão da alma humana e da história do Espiritismo.  

Em 1922, Delanne prefaciou “A Granja do Silêncio” de Paul Bodier, publicado em português pela FEB e de excelente aceitação pelo público francês, quando lançado. O “canto do cisne” do pesquisador dos Espíritos foi ditado em 1924 e parece ter tido publicação póstuma em 1927. Regnault e Bodier se referem a ele como “Documentos para Servir ao Estudo da Reencarnação”, e está publicado em português com o título “A Reencarnação”. Tese polêmica junto aos espiritualistas ingleses, Delanne trata da reencarnação em outras culturas e se esmera em documentar evidências da reencarnação com o auxílio da tese da memória integral. A casuística é extensa e o que os pesquisadores contemporâneos denominariam como métodos de memória espontânea e provocada têm seu lugar neste livro, com apresentação de procedimentos e resultados. Traduzido por Carlos Imbassahy, a edição consultada data de 1992 e já está em sua oitava edição, tendo sido impressos cerca de quarenta mil livros.  

Últimas palavras

Por que acreditamos nos Espíritos? Possivelmente, alguns adeptos do Espiritismo dos dias de hoje responderiam esta pergunta se referindo a algum médium cujas faculdades lhes trouxeram alguma evidência sobre a vida além da matéria. Outros se lembrarão de obras que lêem como se fosse uma ficção, mas que são respeitadas devido à autoridade de um expositor vibrante que lhes confere o caráter de verdade. Hermínio Miranda, ao contrário, relatou que, no início dos seus estudos sobre o Espiritismo e a mediunidade, o seu introdutor no Espiritismo lhe recomendou a leitura de Kardec, Denis e Delanne. Certamente, o espírita que tiver estudado a obra deste gigante do pensamento espiritista terá uma convicção diferente, quanto aos Espíritos e à mediunidade. Convicção embasada em fatos e em reflexão. Convicção filosófico-científica. Gema tão preciosa quanto rara nos dias em que os “novidadeiros” se enfileiram em busca das notícias, tão diferentes quanto improváveis, do suposto “mundo dos Espíritos”, mesclado do “mundo da imaginação dos pseudo-médiuns”. Observemos detidamente os tradutores da obra de Delanne. Aqueles que conhecem a história do movimento espírita brasileiro reconhecem o porte dos que se dispuseram a traduzi-lo. Quintão, Imbassahy, Guillon Ribeiro, Ewerton Quadros... Ninguém mais, ninguém menos. O número de edições é bem tímido, se comparado às centenas de milhares de “Nosso Lar” ou às cifras bem superiores a um milhão de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, que apontam o potencial do mercado editorial espírita em nosso país. Sem dúvida que este quadro será diferente quando os estudiosos e expositores espíritas atentarem para a relevância da obra de Gabriel Delanne e seguirem seu conselho, divulgando-a.  

Agradecemos de coração, para finalizar, os esforços do Centro Espírita Léon Denis, que vem realizando esforços editoriais na contramão do mercado, mas na direção de um Espiritismo melhor conhecido e divulgado. Certamente não teríamos acesso ao trabalho cuidadoso de Regnault e Bodier se não fosse a pena paciente do professor José Jorge e o trabalho em equipe deste núcleo de estudantes e trabalhadores da causa espírita.  


Fontes bibliográficas:

BODIER, Paul, REGNAULT, Henri. Gabriel Delanne: vida e obra. Rio de Janeiro: CELD, 1990.

DUMAS, André. História do Espiritismo. in: História do Ocultismo Porto: Nova Crítica, 1980.

LANTIER, Jacques. O Espiritismo. Lisboa: Edições 70, 1971. p. 74-83.

MIRANDA, Hermínio. Diversidade dos carismas. Niterói: Arte e Cultura, 1991.

WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec (vol. III). Rio de Janeiro: FEB, 1980. p. 120-122, 314-316, 373-379.


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