CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
A
chave da
serenidade
Faz bastante
tempo, li uma
historieta sobre
a vida de um
sábio que agia
de maneira
diversa de todo
o ser humano
comum, ao reagir
àquelas
situações
passíveis de nos
proporcionarem
tristeza ou
alegria.
Ninguém
compreendia por
que aquele homem
não dava pulos
de alegria
quando toda a
aldeia celebrava
um acontecimento
particularmente
feliz, ou pulos
de raiva quando
se amofinavam ou
se encolerizavam
contra alguma
fatalidade que
os atingia.
Sempre, em
qualquer
ocasião, sua
reação era a
mesma: “Ficar
feliz por quê?!
Ainda não vi a
história toda;
não sei do seu
desfecho. Como
festejar por
antecipação algo
incerto, que não
sei se desaguará
em benefício ou
em desventura?”
– e, em assim
dizendo,
prosseguia na
sua pacata
rotina de
camponês.
Isto ficou
particularmente
visível em dois
episódios: no
que o seu filho
mais velho, e
único arrimo no
trabalho dos
campos,
acidentou-se e
ficou
paralisado, sem
previsão
possível de
cura. A aldeia
inteira se
ajuntou em torno
da sua casa, e
os mais chegados
comentaram: “Mas
que desgraça, a
que aconteceu
com o seu filho!
O único que lhe
vale no
trabalho; e
você, velho,
como dará conta
de tudo sozinho,
agora?” Ao que o
camponês reagiu
como de costume:
“Desgraça, por
quê? Ainda não
vi tudo. Não
conheço o fim da
história. Como
me desesperar
por um momento
apenas, se o
todo da situação
ainda não
apareceu?!”
Novamente
desconcertados
com a reação
usual, os
presentes foram
dispersando,
desconfiados,
muitos
frustrados na
sua tentativa de
testarem até que
ponto aquele
simples homem se
mantinha íntegro
naqueles seus
princípios
incomuns de
encarar
acontecimentos
da vida que, em
qualquer mortal,
normalmente
seriam razão de
queixa e de
infortúnio
absoluto.
Passaram os
meses; de
repente eclodiu
uma guerra entre
aquele reino e
um dos vizinhos.
Todos os rapazes
capacitados para
a luta foram
recrutados para
a defesa da sua
nação,
convocados a
comparecerem
para cadastro e
avaliação. Mas,
nas condições em
que se achava, o
filho do
camponês não foi
requisitado.
A guerra
eclodiu; a maior
parte dos homens
jovens chamados
ao combate
pereceu,
ocasionando
grande desgraça
às famílias do
país. E, uma vez
decorrido aquele
tempo,
surpreendentemente,
o filho do
camponês, por
sua vez, foi
readquirindo a
saúde,
terminando por
se recuperar
completamente, e
se tornando
válido para
reaver o
trabalho de
sustento daquela
pequena família.
Ao que, em
assombro, a
aldeia em peso,
de novo,
reuniu-se em
frente à casinha
modesta para
manifestar ao
camponês a sua
perplexidade:
“Que sorte você
teve, velho! Seu
filho foi o
único que não
morreu na
guerra, em toda
a aldeia! E,
para completar,
recuperou a
saúde e está
outra vez válido
para o trabalho!
Você é,
verdadeiramente,
um homem
afortunado!”
Ao que o
camponês
limitou-se a
comentar, de
dentro da mesma
serenidade de
sempre:
“Afortunado, por
quê?! Ainda não
vi o fim da
história! Agora
vocês consideram
um prêmio o que
antes
classificaram de
tragédia, mas eu
insisto: não sei
se é prêmio ou
tragédia; não vi
o final da
história. Só
então
saberei!”...
É difícil;
talvez mesmo
inatingível,
para muitos de
nós, este grau
de serenidade,
de visão de
cima, de onde
deveríamos nos
posicionar
diante dos
lances
inusitados com
que a vida nos
colhe.
Normalmente nos
excedemos em
alegria ou em
tristeza,
perante os
acontecimentos
que vêm ao nosso
encontro no
dia-a-dia, com a
mesma
assiduidade das
ondas mutantes
do mar. Nosso
comportamento e
reações obedecem
a instantes,
como se neles se
contivesse todo
o enredo da
nossa trajetória
no mundo.
Sentimo-nos
absolutamente
desgraçados ou
abençoados num
minuto,
esquecendo-nos
do dia seguinte
que, de maneira
inevitável, é um
continuum
dos eventos do
dia anterior;
das reações
precedentes -
das mil e uma
maneiras com que
lidamos com a
multiplicidade
de
acontecimentos
com que
deparamos a cada
dia, cada mês, a
cada ano de
nossa
existência.
Que dizer,
portanto, do
quantitativo das
nossas várias
vidas? Fica
fácil, sob esta
ótica, entender
melhor as
vivências hoje
experienciadas,
muitas vezes num
estado de
confusão pela
falta de
esclarecimento
da fonte, do
início: daquilo
que, obviamente,
deu substância
àquilo que nos
incomoda, e que
freqüentemente
consideramos
injusto de nos
acontecer. Algo
nos segreda que
a lógica estaria
num fundamento;
num motivo que
gerou outro, e
em conseqüência
outro, até a
eclosão do que
ora nos colhe de
improviso,
despreparados
interiormente
para lidar com
acerto com
muitas situações
difíceis.
A chave para o
bem-estar nesta
questão reside
no cultivo da
serenidade, bem
ilustrada no
conto mencionado
acima. Não que
tenhamos que nos
tornar
autômatos, sem
sangue nas
veias, lutando
contra estes
nossos
sentimentos
muito humanos;
mas devemos
aprender a
cultivar, também
nas emoções, a
sobriedade. A
maturidade na
criança vem, no
decorrer do
tempo,
justamente desta
noção de que o
par de patins
tão sonhado não
será
necessariamente
só fonte de
divertimentos e
de alegria, mas
também, é bem
possível, de
tombos e de
arranhões. O sol
cálido que nos
enternece nas
paisagens
paradisíacas do
nordeste do
Brasil calcina e
mata, sob outras
condições
climáticas, e em
países diversos.
A vida é uma
profusão
infindável de
nuances e de
relatividades, e
a sabedoria vem
do
desenvolvimento
da nossa
capacidade de,
em reconhecendo
isso, reagir a
propósito, não
apenas da parte
da história de
um dia, mas da
noção exata de
que aquele
episódio
representa
apenas um
capítulo na
nossa história
infinita e
repleta de altos
e baixos, que
mais não são do
que aparências
boas ou ruins
passíveis de, no
minuto seguinte,
se converter
exatamente no
seu oposto.