MARCELO BORELA DE
OLIVEIRA
mbo_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
Obreiros da Vida Eterna
(Parte 17)
André Luiz
Damos continuidade ao
estudo da obra
Obreiros da Vida Eterna,
de André Luiz,
psicografada pelo médium
Francisco Cândido Xavier
e publicada em 1946 pela
editora da Federação
Espírita Brasileira, a
qual integra a série
iniciada com o livro
Nosso Lar.
Questões preliminares
A. Que é que mais
preocupava Cavalcante
nos últimos momentos de
sua existência?
R.: Seu último desejo
era rever pela última
vez a esposa que o
abandonara, porque
queria pedir-lhe perdão,
visto que se sentia
culpado direto pelo
gesto dela e não
desejava partir sem a
reconciliação conjugal.
(Obreiros da Vida
Eterna, cap. 18, pp. 268
a 274.)
B. Como era o ambiente
espiritual no hospital
em que Cavalcante estava
internado?
R.: Era péssimo. A
enfermaria estava
repleta de cenas
deploráveis produzidas
por entidades inferiores
que, retidas pelos
próprios enfermos, em
grande viciação da
mente, postavam-se em
leitos diversos,
infligindo-lhes
padecimentos atrozes,
sugando-lhes
vampirescamente
preciosas forças, bem
como atormentando-os e
perseguindo-os.
(Obra citada, cap. 18,
pp. 274 a 277.)
C. Como foi o encontro
entre Cavalcante e sua
esposa?
R.: A ex-esposa, que já
havia desencarnado,
semelhava-se em tudo a
sombra espectral. Quando
viu o leito do
ex-marido, fitou-o com
intraduzível impressão
de horror e gritou,
longamente,
perturbando-lhe a hora
de alívio. O moribundo
voltou-se e viu-a.
Alegre sorriso
estampou-se-lhe no rosto
e ele, falando com
enorme dificuldade,
pediu-lhe perdão, o que
lhe fez imenso bem. Mas
a ex-companheira também
pediu-lhe perdão
dizendo: "O' Joaquim!
perdoa-me! Nada tenho
contra ti. O tempo
ensinou-me a verdade.
Sempre foste meu leal
amigo e dedicado
marido!" Cavalcante
escutou-a, esboçando
expressão de intensa
alegria, e murmurou:
"Agora, estou
satisfeito, graças a
Deus!...". (Obra
citada, cap. 18, pp. 277
a 281.)
Texto
para leitura
108. Cavalcante
pressente a morte
próxima - O caso
Cavalcante chegara ao
seu processo final. A
cirurgia no apêndice
inflamado fora tardia. O
enfermo perdia forças e,
porque não conseguia
alimentar-se como devia,
não encontrava recursos
para compensar as perdas
vultosas. O intestino
inspirava repugnância e
compaixão. Trilhões de
bacilos de variadas
espécies ali se
encontravam. Cavalcante
não suportava nenhuma
alimentação e seu
estômago expulsava até a
própria água simples,
deixando-o exausto, em
vista do tremendo
esforço despendido nos
reiterados acessos de
vômito. De fato, as
condições orgânicas do
enfermo mostravam o
final de um processo,
apesar da vontade de
viver que a mente do
enfermo assinalava.
Passados mais de quatro
dias de observação do
moribundo, Jerônimo
deliberou fossem
desatados os laços que o
prendiam à esfera
física. Com a intuição
da morte próxima,
Cavalcante chamou o
capelão, a fim de
ouvi-lo em breve
confissão. O enfermo
pediu, também, a ajuda
do padre para encontrar
pela Última vez a
esposa, que o abandonara
por outro homem, havia
muitos anos. Ele
desejava pedir-lhe
perdão, porque se sentia
culpado direto pelo
gesto dela. O padre,
embora não parecesse
intimamente interessado
em ajudá-lo nesse
propósito, prometeu-lhe
prosseguir nas
diligências para
encontrar a esposa, e
sugeriu-lhe descansasse.
O mau cheiro que exalava
do enfermo incomodava o
sacerdote. Suas palavras
em resposta às dúvidas
de Cavalcante denotavam
impaciência e mesmo
irritação. O doente
tinha evidente receio da
morte. "Acha que me
demorarei muito tempo no
purgatório?",
perguntou-lhe
Cavalcante. "Que
idéia! – resmungou o
padre, entediado –
falta-lhe suficiente
confiança no poder de
Deus?" Essas Últimas
palavras foram
pronunciadas com tamanha
irritação, que o enfermo
lhe percebeu o
descontentamento, sorriu
humilde e calou-se.
(Cap. 18, pp. 268 a 271)
109. O tratamento
frio da religiosa abate
Cavalcante - Ao
sair do quarto, o padre,
aliviado, encontrou
certo médico e indagou:
"Afinal, que acontece
ao Cavalcante? morre ou
não morre? Estou cansado
de tantos casos
compridos". O
clínico respondeu-lhe:
"Tem sido gigante na
reação.
Considerando-lhe, porém,
os males sem cura, venho
examinando a
possibilidade da
eutanásia".
"Parece-me caridade
– redargüiu o religioso
– porque o infeliz
apodrece em vida..."
O médico abafou o riso e
despediram-se. A cena
chocava pelo
desrespeito. Ambos os
profissionais, o da
Religião e o da Ciência,
notavam situações
meramente superficiais,
incapazes de penetração
nos sagrados mistérios
da alma. Cavalcante
recebia, porém, a
assistência carinhosa de
Jerônimo e Bonifácio. O
Assistente comentou
então: "O pobre
sacerdote ainda não
possui olhos de ver.
Cavalcante foi, antes
de tudo, perseverante
trabalhador do bem".
O enfermo chorava
copiosamente. A atitude
do padre advertira-o do
seu deplorável estado e
ele passou a sentir
também o cheiro
desagradável das
próprias vísceras,
agravando-se-lhe o
mal-estar. Pediu, assim,
o comparecimento de
determinada religiosa,
dentre as muitas que
atendiam a casa.
Experimentava funda sede
de consolo, necessitava
de coragem que lhe
viesse do exterior. Quem
sabe encontraria no
coração feminino o
reconforto que o
confessor não lhe
soubera dar? A "irmã de
caridade" não trazia,
porém, melhor humor. Fez
questão de escutá-lo,
alçando desinfetante
enérgico ao nariz, o que
lhe infundiu surpresa
ainda mais dolorosa.
Cavalcante chorou,
queixou-se. Não desejava
partir sem a
reconciliação conjugal.
Precisava viver mais
alguns dias. A "irmã de
caridade", depois de
ouvi-lo, com impassível
frieza, foi mais
sucinta: "Meu amigo –
disse, áspera – tenha
fé. A casa está
repleta de enfermos,
alguns em piores
condições". Como o
doente insistisse nas
solicitações, concluiu
ríspida e secamente:
"Não tenho tempo".
(Cap. 18, pp. 271 e 272)
110. O temor da
morte prejudica o
enfermo -
Cavalcante deu curso a
pranto silencioso,
recordando, de alma
oprimida por angustiosa
saudade, a infância e a
juventude. Percorrera as
estradas terrenas, de
coração aberto à prática
do bem. Não compreendia
Jesus encerrado nos
templos de pedra, à
distância dos famintos e
sofredores que choravam
por fora. Valera-se de
toda oportunidade para
testemunhar entendimento
cristão e, porque amara
o exercício do bem,
constante e fiel, era
aborrecido aos
sacerdotes e familiares
em geral. A parentela,
inclusive a esposa,
considerava-o fanático,
desequilibrado e
imprestável. Ele
perseverara mesmo assim.
No entanto, embora as
condições elevadas em
que desenvolvera a fé,
ignorava as lições do
Além-Túmulo e receava a
morte. Estimaria obter a
certeza do destino a
seguir. A visão mental
do enfermo, segundo as
concepções católicas,
punha-lhe arrepios no
espírito exausto e a
probabilidade dos
sofrimentos purgatoriais
enchia-o de temor.
Desejava algo de melhor,
de mais belo que o velho
mundo em que vivera até
então... Suspirava por
ingressar em
coletividade diferente,
em que pudesse encontrar
corações a pulsarem
sintonizados com o dele.
Sentia fome e sede de
compreensão, de profunda
compreensão, mas,
prejudicado pelos
princípios dogmáticos da
escola religiosa a que
se filiara, repelia a
ação dos benfeitores
espirituais. Jerônimo
tentou propiciar-lhe
sono brando, para
subtrair-lhe os temores
em socorro direto, fora
do corpo físico. O
enfermo lutava, contudo,
por manter-se vigilante.
Temia dormir e não
despertar. Seu desejo
era ver a esposa, antes
do fim, dizia de si para
consigo. Compreendia
perfeitamente a atitude
da esposa.
Provavelmente, ele
faltara com a necessária
demonstração de amor
dentro do próprio lar, e
queria pedir a ela
perdão pelo seu
descaso... Apesar de
pensamentos tão
elevados, o que mostrava
um coração generoso,
Cavalcante permanecia
cego para o chamado "outro
lado da vida", de
onde Jerônimo e seus
amigos tentavam
ajudá-lo, sem êxito.
Evidentemente, o
Assistente poderia
aplicar-lhe recursos
extremos, mas
absteve-se. Inquirido
por André acerca de seus
infindos cuidados, ele
explicou, muito calmo:
"Ninguém corte, onde
possa desatar..."
(Cap. 18, pp. 272 a 274)
111. Entidades
desencarnadas perturbam
o recinto -
Cavalcante insistia
mentalmente, em suas
orações, na presença da
esposa que o abandonara,
sem saber, porém, que
ela já havia
desencarnado há mais de
um ano, num catre,
vítima de uma infecção
decorrente de sífilis.
Jerônimo decidiu então
agir, precipitando o fim
do processo, ao abrir
pequenos vasos do
intestino para que a
hemorragia se fizesse
ininterrupta, até à
noite, quando seria
efetuada a liberação.
Pediu então a Bonifácio
que trouxesse ao recinto
a companheira
desencarnada. O
enfraquecimento físico
do enfermo em poucas
horas ampliaria as
percepções visuais de
Cavalcante e, desse
modo, ele poderia ver a
esposa antes do decesso
que se aproximava,
dormindo menos inquieto.
O relógio assinalava
poucos minutos além do
meio-dia, quando André e
o Assistente se
ausentaram do hospital,
para ali retornar mais
tarde. A enfermaria
estava repleta de cenas
deploráveis. Entidades
inferiores, retidas
pelos próprios enfermos,
em grande viciação da
mente, postavam-se em
leitos diversos,
infligindo-lhes
padecimentos atrozes,
sugando-lhes
vampirescamente
preciosas forças, bem
como atormentando-os e
perseguindo-os. Desde o
início do atendimento de
Cavalcante, André
pensara em melhorar o
ambiente e chegou mesmo
a consultar Jerônimo
quanto a isso. O
Assistente dissera-lhe,
contudo, que era inútil
qualquer esforço
extraordinário, pois os
próprios enfermos, em
face da ausência de
educação mental, se
incumbiriam de chamar
novamente os verdugos,
atraindo-os para a suas
mazelas orgânicas. André
revelou ter
experimentado enorme
dificuldade para
desempenhar os deveres
que ali o retinham,
porquanto as
interpelações dos
desencarnados infelizes
o atingiam intensamente.
Eles pediam toda a sorte
de benefícios,
reclamavam melhoras,
explodiam em lamúrias
sem fim. Sereno e forte,
Jerônimo conseguia
trabalhar de mente
centralizada na tarefa,
inacessível às
perturbações exteriores,
mas André não alcançara
ainda semelhante poder.
"Os pedidos, os
lamentos, os impropérios
feriam-me a observação,
impedindo-me de
conservar a paz íntima",
anotou André Luiz. (Cap.
18, pp. 274 a 277)
112. Cavalcante
reencontra a esposa
- Ao cair da noite, os
benfeitores espirituais
voltaram ao hospital.
Cavalcante avizinhava-se
do coma. O sangue
alagava lençóis, que
eram trocados
repetidamente. O
agonizante inspirava dó.
Abriram-se-lhe certos
centros psíquicos, no
avançado abatimento do
corpo, e o infeliz
passou a enxergar os
desencarnados que ali se
encontravam, sem ver,
porém, os seus
benfeitores. A cena que
ele presenciou era
terrível. "Estarei no
inferno ou vivemos em
casa de loucos? – bradou
Cavalcante – Oh! os
demônios! os
demônios!... Vejam o
`espírito mau' roendo
chagas!..." E, de
fácies contraída,
apontava mísero ancião
de pernas varicosas. A
entidade desencarnada
lhe dizia não ser o
diabo e, sim, que o
doente lhe devia... Os
vizinhos de enfermaria
pensaram que Cavalcante
delirava. Doentes e
enfermeiros, alarmados,
optavam pela remoção do
moribundo. Tinham medo.
Cavalcante desvairava.
Consolavam-se, porém, na
expectativa de que a
hemorragia abundante
prenunciasse o fim
próximo. Jerônimo
ministrou-lhe, então
recursos de reconforto e
o enfermo aquietou-se
devagarinho. Pouco tempo
depois, Bonifácio entrou
conduzindo verdadeiro
fantasma. A ex-esposa,
convocada à cena,
semelhava-se, em tudo, a
sombra espectral. Ela
não via Bonifácio, mas
obedecia-lhe à ordem.
Quando viu o leito do
ex-marido, fitou-o com
intraduzível impressão
de horror e gritou,
longamente,
perturbando-lhe a hora
de alívio. O moribundo
voltou-se e viu-a.
Alegre sorriso
estampou-se-lhe no
rosto: "Pois és tu,
Bela? Graças a Deus, não
morrerei sem pedir-te
desculpas!..." A
ternura com que se
dirigia à ex-esposa
causava compaixão. Ela
abeirou-se do leito,
tentando ajoelhar-se, e
disse, aflita:
"Joaquim, perdoa-me,
perdoa-me!...". O
enfermo replicou,
carinhoso:
"Perdoar-te de quê? Eu,
sim, fui injusto
contigo, abandonando-te
ao léu da sorte... Por
favor, não me queiras
mal. Não te pude
compreender noutro tempo
e facilitei-te o passo
em falso, colaborando,
impensadamente, para que
te precipitasses em
escuro
despenhadeiro". E
Cavalcante continuou: "Não
entendi o problema
doméstico tanto quanto
devia... Hoje, porém,
que a morte me busca,
desejo a paz da
consciência. Confesso
minha culpa e rogo-te
perdão...
Desculpa-me...". O
moribundo falava com
enorme dificuldade, mas
aquilo lhe fazia imenso
bem. Sua mente
apaziguara-se. Ele
contemplava a esposa,
reconhecido, quase
feliz. (Cap. 18, pp. 277
a 279)
113. A
eutanásia
- A ex-companheira de
Cavalcante lhe disse,
por fim: "O' Joaquim!
perdoa-me! Nada tenho
contra ti. O tempo
ensinou-me a verdade.
Sempre foste meu leal
amigo e dedicado
marido!" O moribundo
escutou-a, esboçando
expressão de intensa
alegria, e murmurou:
"Agora, estou
satisfeito, graças a
Deus!...". Nesse
instante, o mesmo médico
que ali estivera pela
manhã avizinhou-se do
leito para a inspeção
noturna, acompanhado de
diligente enfermeira.
Cavalcante chamou-o e
lhe disse: "Veja,
doutor, minha esposa
chegou, enfim! Estou
contente, conformado...
Mas minha pobre Bela
parece enferma,
abatida... Ajude-a por
amor de Deus!" Em
seguida, relanceando o
olhar pela extensa
enfermaria, onde se
misturavam encarnados e
desencarnados, ele
indagou ao médico:
"Por que motivo tantos
loucos foram internados
aqui? Olhem, olhem
aquele! Parece sufocar o
infeliz..." E
indicava certa entidade
desencarnada que
assediava pobre doente
atacado de asma
cardíaca. O médico não
teve dúvida: era o fim.
Jerônimo, a essa altura,
pediu a Bonifácio
levasse a ex-consorte de
Cavalcante, acentuando
não ser mais conveniente
a presença dela ali. A
desventurada mulher
reagiu, pois queria
ficar, mas Bonifácio
empregou força magnética
mais ativa para alcançar
o objetivo. Reparando
que Bela se afastava aos
gritos, o moribundo
pôs-se a bradar,
alucinado: "Volta,
Bela! Volta!" O
clínico pensou que seria
impossível continuar
assim e decidiu
aliviá-lo. Jerônimo
penetrou-lhe o íntimo. O
doutor pretendia
praticar a eutanásia e
não havia tempo a
perder. André segurou a
fronte de Cavalcante e
Jerônimo lhe aplicou
passes longitudinais,
preparando o desenlace.
Mas Cavalcante
continuava reagindo.
"Não, não posso morrer!
tenho medo! tenho medo!",
exclamava. O clínico não
se demorou muito e, como
o enfermo lutava,
desesperado, em oposição
ao auxílio espiritual,
não foi possível
aplicar-lhe o golpe
extremo, que liberaria
sua alma. O clínico
ministrou-lhe, então, a
chamada "injeção
compassiva", ante o
gesto de profunda
desaprovação do
Assistente. Em poucos
instantes, Cavalcante
calou-se. Seus membros
enrijeceram,
vagarosamente.
Imobilizou-se a máscara
facial. Cavalcante
estava morto. No
entanto, sua alma
continuava presa ao
corpo inerte, em plena
inconsciência e incapaz
de qualquer reação.
"A carga fulminante da
medicação de descanso, –
explicou Jerônimo– por
atuar diretamente em
todo o sistema nervoso,
interessa os centros do
organismo perispiritual.
Cavalcante permanece,
agora, colado a trilhões
de células
neutralizadas,
dormentes, invadido, ele
mesmo, de estranho
torpor que o
impossibilita de dar
qualquer resposta ao
nosso esforço".
Somente vinte horas
depois é que foi
possível a libertação do
recém-desencarnado, após
serviço muito laborioso
para Jerônimo e André,
e mesmo assim Cavalcante
não se retirou em
condições favoráveis.
Apático, sonolento,
desmemoriado, foi
conduzido à Casa
Transitória de Fabiano,
demonstrando necessitar
de maiores cuidados.
(Cap. 18, pp. 279 a 281)
(Continua no próximo
número.)