JÁDER SAMPAIO
jadersampaio@uai.com.br
Belo Horizonte,
Minas Gerais
(Brasil)
Uma
criança assistida
Existem críticas
direcionadas à atividade
assistencial espírita,
de ordinário são feitas
pelos que a conhecem a
distância, de oitiva, ou
que já estiveram
temporariamente em uma
ou duas casas espíritas,
experiência que julgam
significativa para a
emissão de juízo.
– "A assistência social
espírita é
paternalista!", dizem
uns.
– "O trabalho com o
pobre o transforma em um
cordeiro amansado",
alegam outros.
Sempre que ouço o
discurso "politicóide",
recordo-me de um garoto
que conheci há alguns
anos...
Quando conheci o Edinho
(1), tinha três anos.
Chamou-me a atenção uma
possível deficiência
auditiva de que era
portador. Nunca falava.
Tornei-me mais íntimo
dele quando foi
necessária uma troca de
salas de aula e ele se
recusava a sair de onde
estava. Resolvi "dar-lhe
uma carona" e senti na
pele a raiva
"energética" que lhe
tonificava os músculos.
Edinho distribuiu tapas
no rosto, pontapés e
cusparadas
generosamente,
debatendo-se o quanto
podia, cenho franzido e
resolução absoluta.
Ao chegarmos à sua nova
salinha de aula, após um
bom pedaço percorrido, a
evangelizadora percebeu
sua situação, juntou- se
a nós e lhe disse
pacientemente:
– "Edinho, não se usa a
mãozinha para bater, mas
para fazer carinho".
Tomou-lhe a mãozinha e
fê-lo acarinhar-me o
rosto e o seu próprio.
Desde este dia vi
surgirem as mudanças.
Meses depois aquele
menino falava um
vocabulário razoável e
adquiriu um hábito muito
curioso. Assim que nos
via, achegava-se e
puxava a barra da calça
dizendo:
– "Tio, abraço!"
Foi nesta época que
fiquei sabendo que ele
seria afastado da
atividade porque os pais
se negavam a participar
das reuniões. O trabalho
que participava tinha
por premissa o
atendimento familiar.
Se os próprios pais se
negam a participar do
atendimento ao filho,
recusam-se a refletir
sobre sua vida e sua
conduta, certamente a
assistência à criança
seria apenas parcial.
Edinho foi afastado.
Passadas algumas semanas
o garotinho voltava à
rotina diária da
instituição. Fiquei
sabendo que o pai
procurou o serviço de
assistência social para
assumir por completo o
compromisso há muito
esquecido. Explicou:
– "Meu filho não me
deixava em paz.
Exigiu-me diariamente a
hora da ‘aulinha’.
Perguntou-me sobre a
professora e os colegas.
Chorou muito. “Eu acabei
ficando cansado disso
tudo e, como não
houvesse castigo que
curasse o menino,
resolvi participar das
reuniões de pais”.
Na era do consumismo, em
que as "babás
eletrônicas" condicionam
crianças à insaciedade
da posse, o trabalho
espírita, travestido em
caridade maior,
transformou o violentado
mudo em um reivindicante
do amor. Em favor da
educação integral à luz
do evangelho, o caso em
questão nos ilustra uma
reflexão.
Clinicar corpos doentes,
sem olvidar o homem que
reside neles.
Mitigar a fome,
alimentando também a
mente faminta de
aprendizagem.
Vestir a nudez, mas
aquecer também ao
coração do
homem-de-afetos.
Combater os vícios da
higiene, mas empreender
o trabalho transformador
das condições precárias
de vida.
Edinho, pessoa, é o
reivindicante contumaz
de seu pai.
Edinho, idéia, é o
aguilhão imperioso do
criticismo inerte,
gerador de imobilismo
estéril. Suas lágrimas
são o olhar duro de uma
maioria dos habitantes
do nosso planeta, que
vislumbram perplexos uma
minoria
intelectualizada, capaz
de voltar seu pensamento
do átomo às galáxias, à
economia, à história e à
matemática, mas não ser
capaz de oferecer cinco
minutos de atenção às
pessoas.
Seu carinho, porém, é a
evidência das idéias
cristãs, a estatística
infalível da sua
relevância para a
sociedade moderna, o
fruto indiscutível da
árvore da caridade.
Vem, pequenino, puxar a
barra da calça dos
teóricos alheios e
pedir-lhes o
abraço-envolvimento, vem
oscular-lhes a face para
aquecer-lhes o coração,
vem brincar de infância
para que o homem sinta a
presença do Cristo nas
lides da Terra.
(1) Seu nome verdadeiro
será preservado, por
motivos óbvios.