CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
A
linguagem que
Deus
entende
Sendo Deus a
Perfeição, o que
faz pressupor a
autenticidade na
sua forma mais
absoluta não há
de ser aquela
muitas vezes
usada de maneira
irrefletida, nas
fórmulas
despidas de
sinceridade, ao
serem
pronunciadas nas
preces e rituais
tradicionais.
Adianto que aqui
não vai nenhuma
apologia contra
qualquer
modalidade de
ritual, culto,
ou expressão
religiosa
institucionalizada;
guardo a
convicção, no
entanto, de que
a validade de
qualquer ligação
que pretendamos
estabelecer com
o divino ou com
as esferas
excelsas da vida
está na
proporção direta
da sinceridade e
da autenticidade
das intenções de
quem a pratica
ou pronuncia.
Vocês já ouviram
a história dos
Santos
Indigentes? Um
dia, lá estavam
à margem da
estrada, à beira
de um rio, dois
homens postados
em atitude de
oração, bem no
momento em que
cruzava aquela
região
silenciosa e
deserta um
vigário, sob o
sol causticante
da tarde.
Curioso acerca
da razão da
presença dos
dois em atitude
tão pitoresca, o
sacerdote foi-se
aproximando e, à
medida que o
fazia, se
espantando do
que lhe foi dado
escutar.
Ambos,
efetivamente,
rezavam, mas
nestes termos:
"Senhor, como
nada mais lhe
podemos ofertar,
se nos fosse
possível, lhe
ofereceríamos um
par de sandálias
novas, do bom
couro que
sabemos
trabalhar;
também um prato
da melhor pesca
do dia para
matar a sua
fome, e também
um pouco de
descanso na
nossa cabana, e
um banho
refrescante no
rio ao final do
dia, que lhe
diminuísse o
cansaço..."
Horrorizado, e
julgando que já
ouvira o
bastante, o
vigário
deteve-se e,
admoestando
severamente os
dois homens, que
de imediato se
interromperam,
espantados e
intimidados
diante da
presença
autoritária do
representante
religioso
daquelas
cercanias,
instou-os a que
se pusessem de
ouvidos para o
que seria a
verdadeira
oração a Deus,
asseverando que
se mostrava uma
temeridade e uma
heresia que os
dois se pusessem
a se dirigir ao
Supremo Criador
do universo como
a um reles
pastor dos
arredores,
supondo
absurdamente que
Lhe afligissem
cansaço, fome,
ou as
necessidades
ordinárias
comuns aos reles
mortais.
E assim dizendo,
transmitiu aos
pescadores
atentos e
confundidos na
sua simplicidade
os princípios
das preces tidas
como oficiais a
todos os
cristãos,
fazendo-os
repetirem as
fórmulas
ensinadas até a
um ponto que
julgou
satisfatório. E
como os dois, ao
final da arenga
repreensiva, lhe
agradecessem,
com profunda
humildade,
satisfeito e
envaidecido de
ter
pressupostamente
favorecido duas
almas
desorientadas, o
sacerdote
retomou o
caminho, e rumou
à embarcação
próxima que o
aguardava para a
travessia até o
outro lado do
rio.
Embarcou e
afastou-se, ao
impulso lânguido
do remador,
esquecido do
caso e
mergulhado nos
próprios
pensamentos e
preocupações
rotineiras,
quando de
repente um
chamado insólito
fê-lo se voltar
e quedar-se,
estarrecido do
que tinha diante
dos olhos
perplexos e
dilatados.
Os dois homens
que interpelara
na estrada,
deixando-os na
recitação das
orações que lhes
ensinara,
corriam sobre a
superfície do
rio fundo, na
direção do
barco, como se a
lei da gravidade
não existisse,
acenando,
agoniados, a
exclamar:
"– Reverendo!
Espere,
Reverendo!
Esquecemos de
uma parte da
oração que nos
ensinou! Por
favor, não se vá
sem nos
recordar, para
que possamos
acabá-la!..."
Quedo,
estupefato, e
instantaneamente
aprendendo
valiosíssima
lição, o
orgulhoso
sacerdote
rojou-se de
joelhos dentro
do barco, e
diante do olhar
espantadiço do
remador,
respondeu, por
entre lágrimas,
aos dois homens
que,
desconcertados,
nada sabiam do
que pensar
diante daquele
inusitado:
"– Ensinem-me,
vocês, a
verdadeira
oração; porque,
na minha vaidade
estúpida, me
esqueci de que o
que valida a
prece é, antes
de tudo, a
pureza do
sentimento e a
verdade da alma
que a pronuncia,
acima de
quaisquer
palavras que
tenham sido
convencionadas
para isso!..."
É este o ponto,
a referência: em
tempos como os
que vivemos,
quando a ânsia
de reconforto
diante dos
desafios
atordoadores
arrasta a todos
em busca de um
alento que,
invariavelmente,
é encontrado na
sua melhor forma
ao voltarmos
nossos
pensamentos ao
amparo
indefectível de
Deus, justo é
reforçarmos em
nossa
consciência e
nos nossos
sentimentos a
lembrança de que
a prece mais
eficaz não
requer lugares
ou fórmulas
repetitivas,
porém isentas da
sinceridade do
coração.
Melhor dizendo,
a prece mais
válida prescinde
de todas estas
coisas. De forma
que, se no
recanto mais
agradável e
silencioso dos
nossos lares
requisitamos,
com fervor e
enlevo d’alma, a
Misericórdia do
Eterno em favor
da nossa vida e
daqueles que nos
são caros, esta
surtirá efeito
equivalente à
proferida no
ambiente
religioso da
Igreja ou
Cátedra, desde
que emitida com
autenticidade de
intenção.
Um único
agradecimento
comovido,
proferido
silenciosamente
pelo coração do
justo, será
sempre, em
qualquer tempo
da eternidade, a
linguagem
entendida e
ouvida por Deus,
em contrapartida
às centenas de
Ave-Marias
recitadas
durante toda uma
vida,
mecanicamente,
sem
comprometimento,
que nos remeta a
alma àquela
disposição que
as justifique
através das
nossas obras em
vida, em favor
do próximo, e do
nosso
auto-aperfeiçoamento.