LEONARDO MARMO
MOREIRA
leonardomarmo@gmail.com
São José dos
Campos,
São Paulo
(Brasil)
Dinheiro e
espiritualidade
Em praticamente
todas as épocas
da humanidade, a
maioria dos
religiosos
sempre
apresentou
atitudes
polêmicas e por
vezes
contraditórias a
respeito do uso
adequado dos
recursos
materiais em uma
vida guiada por
ideais
espirituais.
Discussões
infindáveis
sobre o
significado
espiritual da
riqueza material
levaram muitos
doutrinadores e
líderes
religiosos a
amaldiçoarem, em
nome de Deus, o
recurso
amoedado. No
Ocidente,
historicamente,
essa foi a
atitude mais
comum, sobretudo
dentro do
catolicismo.
Posteriormente,
com o advento do
protestantismo,
várias vertentes
rejeitaram esse
paradigma
comportamental,
elegendo o
dinheiro como
algo
perfeitamente
enquadrado em
uma vivência
ética da
criatura humana.
De fato,
diversos
historiadores
consideram essa
diferença de
perspectiva um
dos fatores
determinantes
para o maior
desenvolvimento
político-econômico
da chamada
América
anglo-saxônica,
de cultura
predominantemente
protestante,
quando comparada
à América
Latina, de
tradições
majoritariamente
católicas.
Importante
registrar que,
mais
recentemente, a
visão “positiva”
do bem material
por parte dos
movimentos
protestantes
ganhou uma
ênfase
exagerada, sendo
o dinheiro
considerado como
indicação
categórica de
vitória
espiritual e
bênção divina,
especialmente
por facções do
chamado “Neo-pentecostalismo”.
Entretanto, o
bom senso aliado
a uma leitura
criteriosa do
Evangelho de
Jesus não
permite nenhuma
dúvida sobre o
comportamento
verdadeiramente
evangélico do
cristão perante
os recursos
materiais.
Realmente,
analisados em
conjunto, os
ensinamentos de
Jesus sobre os
bens materiais e
seu emprego em
nossa vida não
dão margem a
nenhum equívoco.
Primeiramente,
Jesus jamais
disse ou deu a
entender que o
dinheiro, em si
mesmo, seria
sinal de bênção,
privilégio,
milagre ou
condição
espiritual de
destaque. Ele
mesmo asseverou
“O Filho do
Homem não tem
uma pedra para
encostar a
cabeça”. E,
deixando
evidente que o
dinheiro não
significava
vantagem do
ponto de vista
espiritual, foi
contundente ao
afirmar “É mais
fácil um camelo
passar pelo vão
de uma agulha do
que um rico
entrar no Reino
dos Céus”. Para
não deixar
margem a
qualquer dúvida,
enunciou as
imortais
“Bem-aventuranças”,
enfatizando que
as vantagens
materiais não
são credenciais
de evolução
espiritual.
Ademais, com
raras e
especiais
exceções, seus
discípulos e
apóstolos, assim
como Ele
próprio, eram
pessoas das
camadas sociais
mais humildes e
de maneira
nenhuma nós
podemos admitir
que os apóstolos
fossem
preguiçosos,
amaldiçoados ou
criaturas
afastadas da
chamada “Palavra
de Deus”. Vale
lembrar que os
apóstolos,
apesar de
profundamente
identificados
com o trabalho
apostólico de
divulgação
evangélica,
sofreram muito
durante a vida
física e, à
exceção de João
Evangelista,
morreram
invariavelmente
de forma
violenta, em
condições de
penúria
material, mas de
exuberante
vitória
espiritual.
Por outro lado,
Jesus igualmente
não amaldiçoa o
dinheiro e muito
menos os ricos.
Adverte quanto
ao perigo da
prova da
riqueza, mas não
torna a pobreza
passaporte para
a virtude, como
muitos até hoje
apregoam. José
de Arimatéia,
Nicodemos e o
famoso
“Centurião
Romano”, cuja fé
foi exaltada
pelo Mestre, são
exemplos de
criaturas de
destaque
sócio-econômico
que receberam
atenção e
profunda
consideração por
parte do Mestre.
Além deles, a
passagem
inesquecível de
Zaqueu merece
análise. Quando
esse homem, ao
hospedar Jesus e
os Apóstolos,
decide doar
metade de seus
bens aos pobres
e restituir
quatro vezes
mais aqueles a
quem tivesse
lesado, Jesus
disse que “a
salvação tinha
entrado naquele
lar”. Ora,
Zaqueu era um
homem
relativamente
rico, o que
implica que doar
cinqüenta por
cento de seus
bens não
significaria
necessariamente
um
empobrecimento
propriamente
dito. E Jesus
não requisitou
mais.
Além disso, o
grupo apostólico
apresentava
elementos de
elevada condição
social, como é o
caso de Mateus.
Vale acrescentar
que Saulo de
Tarso, além de
perseguidor do
Cristianismo,
era um homem de
elevada condição
social e foi
“resgatado” pelo
próprio Cristo,
em Espírito, às
portas de
Damasco, o que é
confirmado pela
aparição do
Mestre a
Ananias.
Obviamente,
seria
desnecessário
comentar sobre a
relevância
paulina no
trabalho
apostólico, já
que, depois do
próprio Jesus, o
apóstolo de
Tarso foi
indiscutivelmente
o maior
propagador do
Cristianismo
nascente.
Aprofundando a
questão, é
interessante
adir que Jesus,
em momento
algum, instituiu
a necessidade de
donativos fixos
por semana, mês
ou ano a quem
quer que seja,
muito menos a
instituições
religiosas
formais, que,
aliás, Ele não
cansava de
criticar no que
se refere ao seu
luxo e
hipocrisia no
trato com as
questões
espirituais e no
contato com os
irmãos. Este
posicionamento
fica evidente,
por exemplo,
quando o Mestre
se refere
criticamente às
“longas túnicas”
usadas pelos
religiosos ou
quando afirma
que, “a pretexto
de longas
preces, devoram
as casas das
viúvas”.
Obviamente, a
idéia de dízimo
mensal não tem
nenhum respaldo
no Evangelho de
Jesus e, para
ser defendida
pelos
religiosos,
supostamente
cristãos,
necessita de
subsídios do
respeitável,
porém limitado,
Velho
Testamento,
sobretudo de
Malaquias, texto
claramente em
oposição aos
ensinos de
Jesus. Afinal, o
Mestre várias
vezes afirmou:
“Tendes ouvido o
que vos foi
dito, eu porém
vos digo....”.
Resta saber se
nós, como
cristãos,
confiamos mais
em Jesus ou no
Velho
Testamento!
Como se não
fosse
suficiente,
Jesus nos deixa
as passagens do
“Óbolo da Viúva”
e da “Parábola
do Bom
Samaritano”, que
são
insofismáveis em
relação à
necessidade de
espontaneidade
no gesto do bem.
Lembremos da
Codificação
Espírita que nos
ensina que Deus
não avalia
tão-somente a
ação
propriamente
dita, mas
igualmente a
intenção por
detrás da ação.
Realmente,
imaginar Jesus
pedindo
donativos
mensais seria
algo
desrespeitoso e
trágico, para
não dizer
ridículo, em se
tratando do
Espírito mais
evoluído que
nasceu no
Planeta Terra.
A discussão
acima não se
trata de
interpretação
forçada, uma vez
que o próprio
Jesus repreendeu
um dos apóstolos
quando eles
estavam
hospedados em
Betânia, na casa
de Lázaro, e
Maria ungiu os
pés de Jesus com
um perfume muito
caro (Evangelho
de João,
Capítulo 12, a
partir do
primeiro
versículo).
Realmente, um
dos apóstolos
achou um
“desperdício”
gastar tanto
dinheiro
(“trezentos
denários”) com
perfume, ao
invés de ajudar
aos pobres.
Jesus
esclareceu:
“Deixai-a; ela
guardou este
perfume para o
dia da minha
sepultura. Pois
sempre tereis
convosco os
pobres, mas a
mim nem sempre
me tereis”
(João, 12:7-8),
denotando que há
muitas formas de
se fazer o bem e
que doar um
“presentinho” a
quem amamos não
é nenhum crime
e, dependendo da
intenção de quem
age
fraternalmente,
pode ter um
significado
muito maior do
que qualquer
“obrigação da
Lei”, pois,
afinal, a “Lei e
os profetas”
foram resumidos
pelo Homem de
Nazaré no Amor,
e o Verdadeiro
Amor requer
espontaneidade
em suas ações.
Logicamente, é
perfeitamente
lícito e
meritório alguém
se
responsabilizar
por um donativo
regular a uma
instituição de
caridade, seja
ela vinculada a
núcleos
religiosos ou
não. O problema
está em se
restringir essa
ação somente à
igreja a que se
está vinculado e
tornar esse tipo
de caridade um
pré-requisito
único e
imprescindível
para a “Entrada
no Reino dos
Céus”. Vale
questionar: Se o
cristão dá o seu
dinheiro
diretamente aos
necessitados,
sem uso de
“atravessadores”
(lê-se:
instituições
religiosas),
essa ação valeu
menos do que o
donativo feito à
igreja?! Neste
caso, resta
saber onde está
a igreja na
“Parábola do Bom
Samaritano”...
Neste contexto,
naturalmente
lembramo-nos de
Francisco de
Assis, que
representa uma
das mais belas
vidas cristãs da
História, em
função do seu
desapego aos
bens materiais.
No entanto, é
fácil notar uma
deturpação no
entendimento dos
exemplos
franciscanos,
assim como
ocorre com o
próprio Cristo.
Realmente,
tornar Francisco
de Assis
infalível seria
considerá-lo
igual ou maior
do que Jesus, o
que é
inadmissível.
Por outro lado,
um entendimento
mais profundo da
vida cristã de
Francisco de
Assis passa
necessariamente
pela compreensão
do contexto
histórico
extremamente
conturbado em
que ele vivia,
sobretudo no que
se refere aos
hábitos nada
cristãos dos
religiosos da
época. A atitude
franciscana, até
certo ponto
drástica, de
rejeição aos
bens materiais e
de uma vida
pobre, foi
importantíssima
para evolução
espiritual do
Planeta Terra,
uma vez que os
religiosos
daquele tempo
estavam
completamente
esquecidos do
verdadeiro
significado do
Evangelho.
Aliás,
muitos
historiadores
admitem que
Francisco de
Assis teve papel
de destaque na
mudança das
instituições
sociais
européias, pois,
ao propor uma
atitude
religiosa
alternativa ao
“status quo”,
ajudou a
sociedade a
questionar os
valores
religiosos da
Idade Média,
contribuindo
para o fim do
Feudalismo e o
advento da
Renascença e até
mesmo da Reforma
Protestante, que
foram alguns dos
marcos da
transição entre
as Idades Média
e Moderna.
Logo, apesar da
indiscutível
relevância na
missão
franciscana,
considerar a
rejeição aos
bens materiais e
a vida
exclusivamente
pobre um
referencial
único de atitude
cristã seria um
erro lamentável
com base nos
vários ensinos e
exemplos de
Jesus. De fato,
“A liberdade é
total para o
amor”, denotando
que o bem tem
vários caminhos
e mecanismos de
atuar. Nem a
mendicância e
nem a riqueza
fazem o Espírito
melhor ou pior,
pois “o que é da
carne é carne e
o que é do
espírito é
espírito”.
Qualquer
situação
material é
meramente uma
oportunidade
evolutiva de
características
específicas para
o Espírito
necessitado de
experiência.
Desta forma, a
afirmação
paulina
(Efésios, 4:28):
“Trabalhe,
fazendo com as
mãos o que é
bom, para que
tenha o que
repartir com o
que tiver
necessidade” é a
orientação mais
segura e
condizente com
as palavras do
próprio Jesus.
Realmente, essa
proposta pode
ser considerada
correta, à luz
das Leis Divinas
do Amor,
independentemente
dos vários
contextos da
vida física e,
por conseguinte,
pode ser
generalizada
como referencial
de comportamento
cristão.
Compreendendo,
em concordância
com “O Livro dos
Espíritos”, que
“trabalho é toda
ocupação útil”,
o leque de
opções dentro da
esfera do Amor
realmente se
torna
incalculável,
desde que
tenhamos boa
vontade para
começar. Assim
sendo,
trabalhemos no
bem, hoje,
amanhã e sempre,
das mais
variadas formas
possíveis, de
forma que,
quando este
trabalho
repercuta em
qualquer ganho
de cunho
material,
educacional ou
espiritual,
saibamos que o
Pai Maior, que
abençoa a
caridade
espiritual,
também abençoa o
pão material
fornecido com
carinho e
enternecimento
ao nosso irmão,
pois ambas as
atitudes são, no
fundo, o mesmo
exercício de
Fraternidade e
de Amor, que
resume todo o
Evangelho de
Jesus.