Pela manhã tenho
o tempo exíguo,
e nem detenho
conhecimento
político
suficiente para
abordar esse
assunto deste
prisma, a
exemplo dos
quilos de textos
que o mundo
está, neste
momento,
disponibilizando
sobre o
acontecimento
histórico
registrado nos
Estados Unidos.
Não. Longe
disso. Mas não
resisti em
abordá-lo da
única forma
possível a
partir da minha
própria
percepção;
porque, desta
ótica – e não me
pejo em
confessar! –
também me
emocionei com a
eleição de
Barack Obama.
Veio-me de
repente uma
lembrança
antiga,
longínqua,
ontem,
assistindo à
noite a comoção
americana
durante o
discurso do novo
presidente. No
bairro do Méier,
onde passei a
minha meninice,
havia um
parquinho
pequeno, alguns
balanços, um
escorrega sobre
a terra batida.
Íamos, eu e as
amiguinhas da
rua próxima onde
residíamos, de
vez em quando
àquele
parquinho. Mas,
certa vez, fomos
colhidas por um
episódio cujas
implicações e
significados nos
achávamos longe
das condições
adequadas para
interpretá-lo
com a devida
maturidade.
Fomos
extemporaneamente
expulsas do
parquinho por
uma menina
raivosa que lá
já se achava com
a amiga, quando
da nossa
chegada. Negra.
Jogava areia
agressivamente
sobre nós e
exclamava, com
alarmante ironia
para alguém
ainda naquela
faixa etária tão
incipiente:
– "Lá em casa
mamãe não deixa
entrar nenhum "white"!
E este parquinho
é nosso! Fora!!
Aqui, "white"
não entra!!!
E saímos, eu e
as meninas,
tomadas de
perplexidade e
aturdimento. Nem
mesmo a que
sempre se
posicionava, no
nosso grupo,
como a líder
habitual da
turminha, por
temperamento e
índole natural
para as brigas
ocasionais
comuns entre
crianças, se
aventurou a
qualquer reação.
A profunda
estranheza da
situação nos
compeliu, a
todas, a deixar
o local
imediatamente.
Contamos o
episódio
lamentável em
casa e nossos
pais, por
prudência, e,
naturalmente,
não mais
permitiram que
lá retornássemos
a menos
estivéssemos
acompanhados de
algum
responsável.
Veio-me às
recordações
aquele
acontecimento já
longínquo, quase
apagado pelo
tempo, após
assistir ontem à
vitória
retumbante
alcançada pelos
Estados Unidos
contra as
expressões da
intolerância e
do racismo. Como
disse, não
poderia me ater
ao assunto senão
sob este ângulo
– a meu ver, e
bem
provavelmente
para as
implicações
perante a
humanidade como
um todo, o mais
importante,
acima mesmo dos
aspectos da
política interna
e externa
americana.
Fiquei
contemplando a
euforia
plenamente
justificada de
um povo
atualmente
mergulhado na
iminência de uma
crise econômica
sem precedentes
cujas
conseqüências
são difíceis de
se prever; um
povo que talvez,
e em decorrência
dos
acontecimentos
trágicos dos
últimos dez
anos, acordou do
belo sonho
americano e se
viu compelido a
amadurecer uns
cinqüenta anos,
talvez, em
apenas uma
década. Vi
aquele
senhorzinho
negro cujas
lágrimas
incontidas
desciam pelo seu
rosto, o olhar
hipnotizado
parado no ídolo
em discurso no
altiplano mais à
frente, imaginei
a magnitude do
que, para ele e
seus
descendentes e
antecedentes,
aquele minuto
representava – e
quanto de
sentimento
humano havia
concentrado
naquelas
lágrimas
silenciosas! Vi
a senhorinha de
cento e tantos
anos: um ícone!
Que já não terá
sofrido?! Que já
não terá
presenciado,
impotente,
desfechado
contra os
representantes
de seu povo
naquele país
eminentemente
racista?!
A vitória de
Barack Obama
reveste-se,
pois, de um
significado
profundo,
provavelmente
acessível à
percepção e à
sensibilidade de
poucos. É
profundamente
simbólico para o
psiquismo
humano,
condicionado até
os nossos dias
nas expressões
do ódio e do
desamor em
função de
etnias, castas,
religiões. É,
preliminarmente,
simbólica para
nós, latinos e
sul-americanos,
africanos e
asiáticos, a
cena
inesquecível da
belíssima
família negra
subindo, unida,
ao palco do
comando da atual
potência
econômica e
militar mundial,
responsável
pelas diretrizes
de toda uma
civilização que
não pode, em seu
bojo, ver-se
alijada
da repercussão,
em maior ou
menor grau, de
tudo o que
acontece naquele
país, de todas
as decisões
tomadas pelo seu
governante.
A verdade é que,
em se lançando
uma vista
d’olhos
para a
eternidade, qual
a cor de nossa
pele?! Brancos,
já haveremos
de ter nascido
negros, no
passado
histórico do
Brasil ou da
América do
Norte. Negros,
provavelmente já
viemos brancos
noutras épocas,
noutros tempos,
ou asiáticos, ou
orientais...
Que Deus
dispense sua
graça ao jovem
presidente
americano.
Sobretudo, a
clareza de
entendimento
para o fato de
que a vitória
completa sobre a
tirania e a
intolerância,
e contra
diferenças
raciais e
étnicas, tão bem
representadas
pela sua
histórica
vitória sobre
John McCain, vai
além do fator do
preconceito
racial em sua
própria nação
para se estender
também a outros
fatores graves
ao redor do
globo, cobrando
solução urgente:
a miséria e a
fome na África;
a discriminação
para com os
povos latinos; a
exploração
econômica e
financeira à
moda de rapina,
beneficiando,
num mundo farto
e pródigo como o
nosso,
prioritariamente
a alguns poucos,
em detrimento de
uma imensa fatia
mergulhada no
desespero e na
miséria...
Que a inspiração
do reverendo
Martin Luther
King seja a
bandeira perene
do governo de
Obama, não
apenas para os
Estados Unidos,
mas para todo o
planeta Terra.