RENATO COSTA
rsncosta@terra.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
Gratidão, por
quê?
Agostinho de
Hypona discorre,
no Item 9 do
Capítulo XIV, de
O Evangelho
segundo o
Espiritismo,
sobre um tema ao
qual Kardec
intitulou de “A
Ingratidão dos
Filhos e os
Laços de Família”.
Naquele trecho,
um dos muitos
classificados
pelo Codificador
como “Instruções
dos Espíritos”,
Agostinho inicia
afirmando ser a
ingratidão um
dos frutos
diretos do
egoísmo. De
fato, quem não é
grato por um
favor que recebe
é porque se
julga merecedor
de tal favor,
entendendo que
aquele que o
prestou nada
mais fez que sua
obrigação. Ora,
o que é alguém
que se julga
merecedor do
favor de todos
sem a ninguém
achar necessário
agradecer, senão
alguém
totalmente
centrado em si
mesmo, isto é,
um egoísta?
A seguir,
Agostinho
apresenta as
três situações
básicas em que a
sociedade humana
entende estar
ocorrendo a
ingratidão de
filhos para com
seus pais, a
saber:
– quando os
Espíritos
guardam ódio
entre si por
força de
ocorrências
passadas e a sua
aproximação,
encarnando como
membros de uma
mesma família,
não logra
atenuar
suficientemente
tais ódios;
– quando os
pais, por
motivos vários,
são tolerantes
em demasia para
com os vícios de
seus filhos,
faltando ao seu
dever de
transmitir a
eles valores
morais e
permitindo que
eles façam tudo
o que desejam
fazer, colhendo,
quando idosos,
os frutos que
eles mesmos
plantaram;
– quando uma
família
constituída de
Espíritos afins
e harmonizados
recebe em seu
meio um Espírito
em desequilíbrio
e, mesmo tudo
fazendo para
integrá-lo ao
ambiente de paz
e harmonia do
restante do
núcleo familiar,
não consegue
desviá-lo
totalmente do
vício.
Explicando-nos
os motivos para
cada situação e
nos orientando
sobre como
proceder em cada
caso, o ex-bispo
de Hipona, uns
dos grandes
pensadores
cristãos e
grande
colaborador da
Codificação,
encerra sua
mensagem.
Gostaríamos,
neste ponto, de
fazer uma
reflexão junto
com o amável
leitor. Sabemos
que os preceitos
morais de Jesus
nos foram
explicados pelos
Espíritos que
colaboraram na
Codificação, sob
a liderança de
nosso amado
Mestre, com a
finalidade de
nos consolar
quanto às
angústias que
atormentavam
nosso coração e
nos esclarecer
quanto às
dúvidas que
intrigavam
nossas mentes,
apontando-nos,
dessa forma, um
rumo seguro a
tomar. Ora, como
não poderia
deixar de ser,
os
esclarecimentos
voltados a
consolar nossas
angústias
tiveram que ser
direcionados
àquelas que
atormentavam a
sociedade humana
no século XIX,
muitas das quais
ainda o fazem
neste século
XXI. Tais
angústias eram,
como ainda são,
fruto de nossa
percepção das
coisas e, como
tal, passíveis
de atenuação, à
medida que tal
percepção se
torna mais clara
e tem melhor
correspondência
com a
realidade.
É nessa linha de
raciocínio que
nos propomos a
refletir sobre a
percepção da
sociedade humana
quanto ao que
seja gratidão ou
ingratidão de
filhos.
Ingratidão é
falta de
gratidão. O
sentimento de
gratidão está
associado à
percepção, por
aquele que é
grato, de ter
recebido um
favor daquele a
quem ele é
agradecido. Ao
falarmos de
gratidão dos
filhos,
portanto, é
mister que
saibamos qual o
favor que
fazemos a nossos
filhos para que
venhamos a
esperar deles
gratidão.
Vejamos algumas
hipóteses.
Talvez nossos
filhos nos devam
ser gratos
porque os
trouxemos à
vida. No
entanto, trazer
filhos à vida,
todos os animais
trazem. O prazer
que todos os
animais e o ser
humano sentem no
ato de
acasalamento
existe como
estímulo à
reprodução, com
finalidade,
segundo a
ciência, da
perpetuação da
espécie. Trazer
filhos à vida é,
portanto, uma
simples lei da
natureza. Talvez
nos devam ser
gratos porque os
agasalhamos,
abrigamos e
educamos. Mas
agasalhar,
abrigar e educar
filhos, os
animais
superiores
também fazem com
os seus. Mais
uma vez, o ser
humano nada faz
de especial.
Que fazemos por
nossos filhos,
então, que
mereça a sua
gratidão?
Antecedendo um
pouco essa
questão,
perguntemos a
nós mesmos o que
fazem os outros
por nós que nos
faça sentir
agradecidos.
Quando um pintor
faz um serviço
perfeito em
nossa casa, sem
uma falha, somos
gratos a ele por
isso? Quando
deitamos na
cama,
tranqüilos, à
noite, sabendo
que há um vigia
noturno na
portaria
cuidando para
que estranhos
não entrem em
nosso prédio e
abrindo a porta
para os
moradores que
chegam tarde,
somos gratos a
ele por isso?
Quando saímos na
rua e pisamos em
uma calçada
limpa, somos
gratos ao
lixeiro que a
varreu? Ocorre
que esses,
poderia nos
dizer o leitor
amigo, são casos
em que pagamos
pelos serviços,
logo não há
porque sermos
gratos por eles
serem bem
executados. Tudo
bem, vejamos,
então, casos
onde não ocorre
pagamento.
Quando vamos ao
Centro Espírita
e somos
beneficiados
pela
espiritualidade
e pelos
trabalhadores
anônimos que ali
trabalham, somos
gratos a eles
pelas bênçãos
recebidas? Ao
longo do dia,
sempre que nos
sentimos bem e
inspirados em
nossos
pensamentos ou
ações ou quando
nos sentimos
confortados em
nossas crises
emocionais,
lembramos de
agradecer a
nossos guias
espirituais,
pela paciência
com que eles, há
séculos ou
milênios, nos
guiam e
orientam, sempre
acreditando em
nós, mesmo
quando nós
mesmos não o
fazemos mais?
Quando
contemplamos a
natureza e vemos
a beleza de suas
formas e a
sabedoria
expressa em cada
um de seus
seres, somos
gratos a Jesus
por nos ter
oferecido como
lar uma jóia tão
preciosa? Quando
acordamos pela
manhã, somos
gratos a Deus,
pelas suas
soberanas,
sábias e
amorosas leis
que nos oferecem
mais uma
oportunidade de
corrigir nossos
erros, vencer
provas e
progredir sem
cessar até a
perfeição?
Se nunca somos
gratos pelos
benefícios que
recebemos
diariamente de
Deus, de Jesus,
de nossos guias
espirituais e
dos homens, por
que razão
haveríamos de
esperar a
gratidão dos
filhos pelo
simples fato de
termos cumprido
nosso dever para
com eles?
Desconcertados
por não
encontrarmos
nenhum motivo
para que nossos
filhos nos sejam
gratos,
lembramos,
finalmente, do
amor. Sim, nosso
filho nos deve
ser grato porque
o amamos,
dizemos,
aliviados por
termos
encontrado um
motivo. Mas como
foi que o
amamos? Era
nosso amor um
amor “eros”, o
amor egoísta,
todo o tempo
levando nosso
filho a fazer
coisas que
fizessem bem ao
nosso ego e não
ao seu progresso
espiritual? Era
“filis” o nosso
amor, um amor
possessivo,
sufocando nosso
filho na
infância e
adolescência com
nossa permanente
presença, nada
deixando que ele
decidisse por si
só e, quando
adulto, cobrando
dele constantes
visitas e
telefonemas como
se a única razão
de seu viver
fosse estar
sempre junto de
nós? Ou nosso
amor era
“ágape”, o amor
altruísta e
desprendido,
tudo fazendo
para ajudá-lo em
sua caminhada,
incentivando-o,
orientando-o com
paciência e
dedicação no
caminho do bem,
mas nada
esperando em
troca?
Enfim, chegamos
aonde queríamos
chegar. A única
coisa que
podemos dar a
nossos filhos
que, em tese,
mereceria
gratidão, é
justo aquela que
nada espera em
troca, o amor
incondicional.
Amemos nossos
filhos com
desprendimento,
nada esperando
deles por isso.
Nossos filhos
são Espíritos,
filhos de Deus
que estão sob
nossos cuidados
porque nossos
guias
espirituais
julgaram que
poderíamos
ajudá-los em sua
evolução.
Façamos o que se
espera de nós
dando o melhor
que temos nessa
missão. Nossa
recompensa pelo
amor que
dedicarmos a
eles será a
satisfação de
vê-los trilhando
o caminho do
bem, sinalizando
para nós que
nossa missão
para com eles
terá sido
cumprida. Quem
ama de verdade
já está
recompensado e
não espera
gratidão da
pessoa amada.