MARCELO HENRIQUE
PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis,
Santa Catarina
(Brasil)
Pensar?
Pra quê?
Você pensa? A
pergunta pode
soar curiosa e
provocar certa
repulsa, de
início. Afinal,
nosso cérebro
trabalha o tempo
todo, envolto
das pequenas às
grandes
realizações do
dia-a-dia. Mesmo
nas questões
mais rotineiras,
como cuidar da
higiene pessoal,
alimentar-se,
percorrer o
caminho da casa
para o trabalho
e vice-versa,
dizemos que
nossa
inteligência se
manifesta, pois
a máquina
cerebral está em
constante
atividade. E, ao
que parece,
quando surgem
situações
imprevistas ou
adversas, é
justamente neste
momento em que
os nossos
neurônios são
fortemente
provocados e a
nossa bagagem
espiritual
responde na
forma da
resolução de
problemas e
dificuldades ou
na direção da
tomada de
decisões.
Ainda assim, nas
chamadas
atividades
culturais e
educativas, o
pensamento
parece ser o
instrumento mais
necessário e
utilizado, de
vez que diversos
estímulos
(visuais,
auditivos,
sensoriais,
cognitivos,
psíquicos)
desencadeiam a
necessidade de
atribuir valor
às idéias,
aderindo a ou
rechaçando
muitas delas.
Todavia, não
devemos esquecer
que em
diversificadas
situações, o
indivíduo
apenas reproduz
o saber que lhe
é repassado por
tutores,
instrutores,
professores,
pais, chefes,
colegas de
trabalho etc.,
deixando muito
pouco espaço
para a atividade
criativa,
principalmente
em sistemas mais
fechados e
ortodoxos,
sobretudo
aqueles em que
as novas idéias
provocam
verdadeiras
revoluções e, em
razão da
manutenção do
status quo
(poder,
influência,
decisão), são
reprimidas,
dificultadas ou
não-incentivadas.
Para melhor
entender a
importância
espiritual do
pensar,
recorremos à
cátedra contida
em O Livro
dos Espíritos,
onde, sob a
intervenção
questionadora de
Allan Kardec, os
Espíritos
Superiores
responderam
(questão 71) que
“a
inteligência é
uma faculdade
especial,
peculiar a
algumas classes
de seres
orgânicos e que
lhes dá, com o
pensamento, a
vontade de
atuar, a
consciência de
que existem e de
que constituem
uma
individualidade
cada um, assim
como os meios de
estabelecerem
relações com o
mundo exterior e
de proverem às
suas
necessidades”.
Ficam
flagrantes, aí,
quatro elementos
que caracterizam
a vida no
estágio de
espírito
propriamente
dito: o
pensamento,
a ação
dele decorrente,
a consciência
da existência
espiritual e a
individualidade
(independência
em relação aos
demais seres).
Mais adiante, em
diversas
passagens,
indagando aos
Espíritos sobre
tópicos
relacionados ao
relacionamento
entre os
indivíduos, suas
ocupações
espirituais e a
influência do
pensamento sobre
o progresso
(individual e
coletivo),
Kardec recebe
valiosas
instruções,
entre as quais:
a) a simpatia
entre os seres
se dá pela
identidade de
pensamentos e
sentimentos,
tanto para o bem
quanto para o
mal (513), daí
decorrendo que,
ao se unirem sob
bons propósitos,
atraem para si
os Bons
Espíritos (656;
b); sempre
ativo é o
pensamento
de cada Espírito
(563; c).
Vale salientar,
ainda, que em
diversos
contextos,
Kardec faz
judiciosos
comentários,
ampliando o
espectro de
análise das
informações
advindas do
Plano
Espiritual, como
por exemplo: 1)
o pensamento e a
vontade são as
duas molas
mestras da ação
humano-espiritual
(662), o que nos
remete ao
conhecido adágio
“querer é
poder”; 2) pelo
pensamento é
possível dominar
a Humanidade e,
com propósitos
elevados,
torna-se viável
a superação dos
flagelos e das
iniqüidades que
ainda são
realidade em
nosso orbe
(738); e, 3) as
revoluções
morais e sociais
que obram o
progresso nascem
do pensamento de
um ou mais
indivíduos e
influenciam
sobremaneira os
povos,
desmoronando as
estruturas
retrógradas e
castradoras,
abrindo espaço
às novas
conquistas em
face das
necessidades e
das aspirações
humanas (783).
Para ficarmos
apenas no
segmento da
filosofia
espírita,
imaginemos se
Rivail não
tivesse colocado
para funcionar a
sua mente
(pensamento),
quando foi
convidado por
seus amigos para
presenciar uma
“sessão” em que
os mortos vinham
responder às
perguntas dos
vivos. E, por
conseqüência,
como iria ele
perceber que não
se tratava de um
truque de
ilusionismo e
prestidigitação?
Depois,
convencido –
pela reflexão
madura que sua
trajetória de
homem e de
Espírito
proporcionavam –
passou ele mesmo
a compor (criar,
com base em sua
intelectualidade)
um sem-número de
indagações que
foram remetidas
a diversos
pontos do
planeta, para
que os Espíritos
a elas
respondessem. E,
no cume desta
grandiosa
atividade
mental, foi ele,
Rivail – já como
Kardec, pois já
tinha decidido
racional e
voluntariamente
publicar o
resultado de
suas pesquisas e
compilações, na
qualidade de
Codificador –,
quem selecionou
quais as
informações
seriam
disponibilizadas,
utilizando o
conhecido
critério do
Consenso
Universal dos
Ensinos dos
Espíritos (CUEE),
fixando para a
doutrina
nascente as
bases e os
princípios de
sustentação.
Kardec pensou –
e muito!
Continuou
pensando até a
data de seu
regresso ao
Plano Maior e,
em lá chegando,
seguramente,
continua a
efetuar
digressões...
Seu legado – a
construção
intelectual-moral
espírita – está
em nossas mãos,
não para que a
reproduzamos nos
mesmos termos e
segundo as
mesmas
afirmações, mas
como ponto de
partida para
novos
raciocínios e
produções, na
continuidade
tanto da
evolução
intelectual
quanto do
intercâmbio
mediúnico.
Todavia – e aí é
que reside a
preocupação que
nos faz conceber
este ensaio –,
grande parte do
movimento
espírita
abandonou a
atividade
pensadora nas
lides
espiritistas.
Preferiu
acomodar-se no
confortável sofá
da “mesmice”, na
segurança do que
“está posto”, na
limitação do “já
estabelecido” (o
conteúdo das
obras publicadas
pelo professor
lionês),
imaginando que
“tudo” o que
tinha de ser
dito ali estava,
não havendo
espaço para
complementações,
a não ser –
pelas próprias
palavras dos
dirigentes e os
textos contidos
em seu veículo
oficial, a
Revista
“Reformador”, os
próprios
Espíritos
decidissem e
informassem que
a “obra de
Kardec” estaria
sendo
complementada
por mais uma
“revelação”. A
“revelação” – se
é que assim a
podemos
cognominar –
continua
ocorrendo,
diuturnamente,
na forma da
constância das
manifestações
mediúnicas em
instituições
comprometidas
com o saber
espírita, e do
interesse e da
dedicação de
inúmeros
pensadores
encarnados, que
colocam sua
mente e seus
conhecimentos a
serviço da
produção de
teses e estudos
em áreas e temas
complementares
àqueles contidos
nos livros
básicos.
E o que é pior,
ainda, grande
parte dos
dirigentes inibe
o interesse pela
pesquisa e pela
discussão de
temas “novos”,
ou pela
“releitura” dos
temas “antigos”,
como se não
houvesse como,
onde e por que
avançar...
Recentemente,
ouvi de um
ex-presidente de
federativa: “–
Se vocês querem
ser
livre-pensadores,
deixem de ser
espíritas! O
Espiritismo já
possui em si,
prontas e
acabadas, as
bases de sua
filosofia e
prática. Não há
espaço para o
livre-pensar,
mas somente para
o pensar segundo
o Espiritismo!”
É de estarrecer
tal afirmativa,
de vez que o
homem (Espírito)
é, por si só,
desde e para o
sempre, livre,
em suas
análises,
digressões,
manifestações e
atitudes. Não há
um “molde
espírita” nem
para o
pensamento nem
para a ação, de
vez que a cada
passo o ser se
descobre em si
mesmo e vai
reagindo,
sempre, de
acordo com suas
possibilidades
evolutivas,
dando respostas
compatíveis ao
seu grau de
espiritualização
individual.
Veja-se, a
propósito, a
informação do
Espírito Verdade
(questão 833, de
OLE): “No
pensamento goza
o homem de
ilimitada
liberdade, pois
que não há como
pôr-lhe peias.
Pode-se-lhe
deter o vôo,
porém, não
aniquilá-lo.”
E,
complementarmente,
quando
perguntado sobre
os esforços e
tentativas dos
homens em
obstaculizar o
exercício do
livre-pensar, em
todas as épocas
da Humanidade,
assim expressa
(836): “Falece-lhe
tanto esse
direito [de
pôr embaraços à
liberdade de
consciência]
quanto com
referência à
liberdade de
pensar, por isso
que só a Deus
cabe o de julgar
a consciência.
Assim como os
homens, pelas
suas leis,
regulam as
relações de
homem para
homem, Deus,
pelas leis da
Natureza, regula
as relações
entre Ele e o
homem.”
O tolhimento à
liberdade de
expressão,
assim, é sempre
circunstância
que merece
rechaço e
protesto, tal
qual se
depreende da
lição contida,
ainda, na obra
pioneira (837):
“Constranger
os homens a
procederem em
desacordo com o
seu modo de
pensar, fazê-los
hipócritas. A
liberdade de
consciência é um
dos caracteres
da verdadeira
civilização e do
progresso”.
Não é, senão, em
larga escala,
que temos
presenciado
atitudes de
notória
hipocrisia, como
se alguns fossem
superiores aos
outros, para
ditar-lhes
normas, para
decidir “o que é
e o que não é
Espiritismo”,
para nominar e
adjetivar
pessoas e
instituições
como
“autorizadas” ou
“proibidas”,
como “benéficas”
ou
“prejudiciais” à
grande massa de
freqüentadores e
interessados nos
Centros
Espíritas. As
situações de
combate às
idéias
manifestas por
livre-pensadores,
que “ousam” não
aceitar
subservientemente
as “diretrizes
federativas” –
que deveriam
ficar adstritas,
apenas, àqueles
que as integram
como associados,
mas que, infeliz
e
inadvertidamente,
viram regras de
procedimento
inquestionáveis
– têm sido
denunciadas e
informadas à
comunidade
espírita
consciente, para
que o “escândalo
necessário”
venha à tona, e
para que se
descubra,
efetivamente, no
rebanho
espírita, quem
são os lobos e
quem são os
cordeiros,
lembrando as
passagens
contidas no
Evangelho. E,
para que não
pairem dúvidas
acerca da
responsabilidade
que toca a cada
um, nas
“andanças”
espiritistas, ao
me ser
perguntado que
pensar da
atitude da
pessoa que tenta
obstruir e
atribuir
falsidade a quem
não pensa
como ela,
ouçamos
novamente o
Espírito Verdade
(839): “Isso
é faltar com
a caridade e
atentar contra a
liberdade de
pensamento”.
O que o
movimento
espírita
precisa,
urgentemente,
constatar e
vivenciar é a
diversidade de
pensamento, a
pluralidade de
opiniões e a
alteridade na
convivência
entre os que
pensam – ainda
que em pequenos
pontos –
diferentemente.
Não há uma única
“forma” de
pensar espírita,
tampouco uma
única maneira de
“ver e entender”
o Espiritismo.
Acreditar e
aceitar piamente
isso como
verdade seria
tolher a própria
possibilidade de
expansão do
pensamento
espírita,
caminhando
perigosamente
para deformações
como o ufanismo,
o pieguismo, o
dogmatismo e a
mistificação,
adversários que
se encontram
alinhados, hoje,
nas próprias
lides espíritas,
dividindo
trabalhadores e
cooperadores,
pela exclusão,
pela tentativa
de imposição de
“crenças”, pela
luta por
autoridade e
influência vãs,
que não
subsistem ao
mínimo exame
lógico-racional.
Antevendo dias
melhores à
frente, em que
imperem o
respeito, a
tolerância, a
união de
propósitos, o
diálogo e a
possibilidade de
construção de
pontes de
trabalho e
comunicação,
fiquemos com a
própria análise
de Kardec, na
Conclusão de
O Livro dos
Espíritos,
como inspiração
para nossas
ações:
“Se é
certo que, entre
os adeptos do
Espiritismo, se
contam os que
divergem de
opinião sobre
alguns pontos da
teoria, menos
certo não é que
todos estão de
acordo quanto
aos pontos
fundamentais.
[...]
Pode, pois,
haver escolas
que procurem
esclarecer-se
acerca das
partes ainda
controvertidas
da ciência; não
deve haver
seitas rivais
umas das outras.
Antagonismo só
poderia existir
entre os que
querem o bem e
os que quisessem
ou praticassem o
mal. Ora, não há
espírita sincero
e compenetrado
das grandes
máximas morais
ensinadas pelos
Espíritos que
possa querer o
mal, nem desejar
mal ao seu
próximo, sem
distinção de
opiniões. Se
errônea for
alguma destas,
cedo ou tarde a
luz para ela
brilhará, se a
buscar de boa-fé
e sem
prevenções.
Enquanto isso
não se dá, um
laço comum
existe que as
deve unir a
todos num só
pensamento;
uma só meta para
todas. Pouco,
por conseguinte,
importa qual
seja o caminho,
uma vez que
conduza a essa
meta. Nenhuma
deve impor-se
por meio do
constrangimento
material ou
moral e em
caminho falso
estaria
unicamente
aquela que
lançasse anátema
sobre outra,
porque então
procederia
evidentemente
sob a influência
de maus
Espíritos.
O argumento
supremo deve ser
a razão. A
moderação
garantirá melhor
a vitória da
verdade do que
as diatribes
envenenadas pela
inveja e pelo
ciúme. Os bons
Espíritos só
pregam a união e
o amor ao
próximo, e nunca
um pensamento
malévolo ou
contrário à
caridade pode
provir de fonte
pura”.
(Nossos os
grifos.)