MARCUS
VINICIUS DE AZEVEDO
BRAGA
acervobraga@gmail.com
Guará II, Distrito
Federal (Brasil)
Um
Natal diferente
No orfanato “Canteiro de
estrelas” inicia-se mais
uma festa de Natal, com
a presença de vários
“Tios” vindo das
associações de moradores
do Bairro que se
acotovelavam entre
abraçar as crianças,
cantar e distribuir
gracejos. No palco
improvisado, entra um
grupo de Tios munidos de
violão, puxando diversas
músicas infantis e
músicas de Natal. As
meninas do orfanato,
todas com a mesma
roupinha, emana um
brilho dos seus olhos
ao ver aquele
espetáculo. Após as
musiquinhas, uma pequena
peça teatral e a
distribuição de lanches
e brinquedos. Bia, uma
pequena mocinha de olhos
negros, ajeita-se entre
as meninas para ver o
show. Após a despedida
final, todos acodem aos
tios e Bia sobe no
palco, perdida em
divagações infantis.
“- Ai, como eu sou
feliz! Adoro quando os
tios vêm aqui. Eles
cantam, brincam e fazem
a maior alegria aqui.
Mas, hoje, eles falaram
do Natal. O que será
isso? Sinto que é uma
coisa boa.”
Entra um Tio na busca
dos atrasados e diz:
“- Bia, minha querida.
Está na hora de você ir
para a cama, pois seu
dia foi muito
cansativo.”
“- Tio, o que é o
Natal?” Pergunta
incisiva.
“- Menina, deixe de papo
e vamos dormir.”
“Só saio daqui quando o
senhor me explicar o que
é o Natal.”
Insiste a pequena.
“ -Tudo bem, sente aí. O
Natal é....”
“- Rui, a Amanda caiu.
Me ajuda aqui.”
Ao ouvir o apelo, o Tio
sai correndo se
desculpando com a Bia.
Inconformada, sai
resmungando
“- Aaaaaaaaai, droga!
Ninguém sabe me dizer o
que é esse Natal.”
Uma voz ao fundo manda
Bia correndo ir para a
cama e escovar os
dentes. A tia Margareth,
senhora austera, porém
bondosa, lhe pergunta:
“- Bia, já fez sua
higiene pessoal?”
“- Sim, senhora.”
“- E a sua oração?”
“- Farei agora, tia.”
“- Então, boa noite.”
Insatisfeita, bem
verdade, Bia se vira
para dormir cantarolando
na sua mente as cantigas
dos tios.
*
Bia se levanta, em um
salto da cama, e quando
vê está sobre o palco do
orfanato. Estranhando
aquilo tudo, se vê
surpreendida por um
menino de branco:
“- Bom dia, Bia.”
“- Quem é você?”
Pergunta Bia,
ressabiada.
“-Sou seu amigo”.
Replica o menino
mansamente.
“- Mas eu não sou sua
amiga!”
Reage Bia
violentamente. “Minha
tia Margareth me disse
para não conversar com
pessoas estranhas.”
“- Mas, se eu não sou
seu amigo, eu quero ser
agora.
Meu nome é Natalino.”
“- E o que você está
fazendo aqui no
orfanato?”
“- Você me chamou.”
“- Eu não chamei ninguém
aqui. Acho que o senhor
é lelé, maluquinho.”
“-Você não queria saber
o que era o Natal?”
“- Como você sabe? Sim,
eu quero saber, mas
duvido que você saiba!”
Desafia Bia
impetuosamente.
“- Bem, vou ter que me
identificar.”
Saca uma carteira do
bolso: “- O meu nome
é Natalino Natalício do
Natal de Belém e fui
contratado para explicar
às crianças o
significado do Natal”.
“- Então você pode mesmo
me dizer o que é o
Natal.”
Confirma Bia esticando o
olho para verificar a
carteira.
“- Bia, o Natal é uma
festa...”
Inicia a explicação
Natalino.
“- Oba! festa. Sabia que
era uma coisa boa. Deve
ter bolo, pudim,
manjar.”
Interrompe Bia, que
fica olhando para o alto
contando os dedos.
“- Mas, o Natal é muito
mais do que isso, Bia.”
Bia corta Natalino
novamente:
“- Vamos, Tio, vamos
para essa festa.”
“- Que seja feita a sua
vontade, Bia. Vamos ver
como as pessoas fazem a
festa de Natal.”.
Natalino põe a mão sobre
a testa de Bia e tudo à
sua volta se transforma.
De repente, Bia se vê em
uma loja de roupas, onde
uma turba de pessoas se
digladiam pela disputa
de shorts, camisas e
bermudas em uma promoção
relâmpago. Bia, meio que
decepcionada, pergunta:
“- Essa é que é a
festa?”
“- Não, esses são só os
preparativos.”
Responde Natalino.
Uma blusa voa da
confusão e cai no rosto
de uma moça, que passa a
discutir com a outra,
disputando a peça de
roupa.
“- Agora vamos ver como
as pessoas vivem a festa
de Natal.”
Arremata Natalino. Mais
uma vez, com a mão sobre
a fronte, o ambiente se
altera, e Natalino leva
Bia para uma casa
grande, luxuosa, com
altos muros e dentro em
uma extensa mesa se
exibe uma farta ceia
Natalina. Bia já ameaça
pegar uma rabanada,
quando Natalino faz uma
advertência:
“- Tenha paciência,
minha amiga. Aguarde os
convidados.”
Entra um menino pela
sala cantarolando:
“-Jingle Bell, Jingle
Bell, Pudim, manjar e
mel. Não faz mal, não
faz mal, bolinho de
bacalhau. Oba, eu adoro
o Natal. A gente espera,
espera até meia-noite
para dar bastante fome e
depois se empanturra de
comida e só acorda
para lá do meio dia.
Humm, falando nisso, vou
beliscar uma rabanada.”
De repente, entre gritos
e discussões, entra um
casal de namorados
brigando:
“- Não, não e não. Por
que você tem que passar
o Natal com a sua mãe?
Eu não quero ficar nessa
casa chata sozinha !”
Esbraveja a moça.
E, concomitantemente,
entra o chefe da casa
ostentando uma garrafa
de “Doze anos”,
visivelmente embriagado.
Um barulhão acomete o
ambiente e todos correm
para a janela para ver o
acidente que ocorreu na
esquina.
Bia começa a bater em
Natalino, em prantos:
“- Seu mentiroso. Você
falou que ia me levar a
uma festa. Essa é a
festa de Natal? É assim
que as pessoas passam o
Natal?”
Natalino acalma Bia
alisando a sua fronte:
“- Eu não sou mentiroso.
É assim que as pessoas
passam o Natal nos dias
de hoje.”
“- Então me leva para o
orfanato. Esse Natal é
ruim. Não quero mais ver
Natal nenhum!”
Tenta Bia puxar o braço
de Natalino, mas esse,
fazendo uma singela
oposição, diz;
“- Já que esse Natal é
ruim, vamos tentar
construir um Natal
diferente.”
“- Um Natal diferente?“
“- Sim, um Natal bom, um
Natal com Nosso Senhor
Jesus Cristo.”
“- E como é que nós
vamos mudar o Natal?”
“- Eu tenho uma idéia.
Vamos até uma pessoa que
pode nos ajudar a mudar
o Natal.”
“- E quem é essa
pessoa?”
“- É o criador do
Natal.”
Mais uma vez a realidade
de Bia se altera e surge
à sua frente uma
multidão no cume de uma
elevação onde um homem
falava a todos:
“- Amai-vos uns aos
outros. Meus discípulos
serão reconhecidos por
muito se amarem.”
A multidão permanecia
extasiada pelo
magnetismo das palavras
daquele homem. Bia
pergunta espantada a
Natalino:
“- Quem é esse barbudo
aí?”
“- Respeito, Bia. Esse é
Nosso Senhor Jesus
Cristo. No Natal, nós
comemoramos o seu
aniversário. Se ele não
existisse, o Natal não
existiria.”
“- E ele pode mudar o
Natal?”
“- Claro, venha, vamos
falar com ele.”
Natalino se aproxima de
Nosso Senhor, que o
brinda com um abraço.
Natalino não se faz de
rogado:
“- Muita paz, Senhor.
Esta é Bia e ela está
muito decepcionada com o
Natal.”
Bia, apressadamente,
completa:
“- Pois é, Senhor. O
senhor inventou este tal
de Natal e agora ele
está muito ruim.”
Nosso Senhor, com um
sorriso de mansuetude,
volta-se para Bia em tom
carinhoso:
“- Minha amiguinha, o
Natal é a coroação da
vitória da paz e do amor
no planeta Terra.”
“- Não é não! Eu vi
bebida, acidentes,
comilança e muita briga
neste
tal Natal. Ou o
senhor faz um Natal
diferente ou acaba logo
com esse Natal.”
Responde de pronto Bia,
já invocada.
“- Amiguinha, volto a
dizer que o Natal é amor
nos corações. Venha
Natalino, venha Bia. Vou
mostrar-lhes o Natal
diferente que vocês
tanto buscam.”
E colocando a mão sobre
a fronte dos dois, um
turbilhão de energia
envolve os três, que
aparecem em uma casa com
uma ceia simples sobre a
mesa de uma sala. Entra
uma senhora calmamente
folheando um livro.
Quando ela se senta,
dois jovens entram para
lhe dar um grande
abraço.
“- Mãezona, que bom que
você veio. Tá mais
corada, né. Como está a
Tia Marta?”
Perguntam os dois em
meio de abraços
calorosos.
Os netinhos também
abraçam a vó, que lhes
entrega pequenas
lembranças e lhes diz:
“- Meus netinhos, só deu
para comprar esses
presentes, pois como
vocês sabem, a vovó
ajuda na Campanha da
roupinha de Natal.”
Nosso Senhor toca o
ombro de Bia e diz:
“-Veja, Bia, para eles o
Natal é bom.”
“- É, mas é meio paradão.”
Retruca a menina.
Natalino arremata sem
perda de tempo.
“- Mas veja, Bia, a
alegria real estampada
nos seus rostos.”
Os jovens, enquanto
arrumam a mesa, ouvem a
porta bater e era uma
franzina mulher com uma
criança no colo. Ao ver
que a mesma pedia
alimento, eles não
titubearam em
oferecer-lhe pousada e
abrigo, convidando-a
para a ceia de Natal. De
mãos dadas, a mãe lê a
passagem do evangelho
que retrata o nascimento
de Jesus, em meio de uma
manjedoura simples,
cercado pelos animais.
Inicia uma cantiga de
Natal, cantada por todos
e logo Bia acompanha,
lembrando-se dos tios
que haviam lhe ensinado
aquela música no
orfanato.
A cantoria envolve a
todos com vibrações de
Fraternidade e, quando
Bia abre os olhos, está
no seu quarto no
orfanato. Ela se levanta
rapidamente e sai pelos
corredores do orfanato
cantando a canção de
Natal aprendida e
entrando em cada quarto,
abraçando a todos.
Bia havia descoberto o
Natal.