MARCUS VINICIUS
DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Guará II,
Distrito Federal
(Brasil)
Crônicas de Natal
Cem anos de perdão?
Para a surpresa de
toda aquela
população que reside
nas praças e
marquises do centro
da metrópole, ainda
existem algumas
pessoas que na noite
de Natal largam suas
abastadas mesas e
saem com seus
veículos para
entregar um lanche,
uma sopa, um
brinquedinho, uma
palavra para aqueles
que jazem nas ruas.
Aqueles carros e
aquelas pessoas tão
bem arrumadas (pelo
menos para as
pessoas da rua),
indo ali abraçá-las
na sua imundície,
levando aquelas
lembranças, é motivo
de muita alegria.
Nilson, que desde os
seis cheira cola, já
furtou, já esteve em
reformatório,
recebeu das mãos da
bela Mariana um
lindo carro. Não se
furtou a pedir um
abraço daquela moça
que mais parecia um
anjo, mas o que lhe
fascinou foi aquele
lindo brinquedo,
réplica perfeita dos
que ele via nos
desenhos animados
pelas lojas de TV.
Saindo de perto da
turba à espera de
presentes, amarrou
um barbante velho do
chão no seu carro e
saiu pelas calçadas
levando seu carrinho
, que lhe custou a
garrafa de água
mineral cheia de
cola de sapateiro
que cheirava no
momento que a
caravana chegou.
Nilson era só
felicidade
arrastando aquele
carrinho por entre o
lixo e os postes.
Perdendo a noção de
tempo, ele caminhou
e caminhou fazendo
com a sua boca um
vrum vrum
automobilístico e
sonhando cada vez
mais alto.
Quando viu, Nilson
estava cercado por
outros meninos,
visivelmente
alterados pela ação
dos entorpecentes.
Em uma enxurrada de
palavrões e ofensas,
Nilson é derrubado e
agredido, e ao verem
o carro novo que ele
arrastava,
perguntaram em tom
de zombaria onde ele
havia roubado aquele
brinquedo. O menino
só fazia chorar de
dor e, levando o
brinquedo, os
meninos saíram
correndo gritando o
velho ditado “Ladrão
que rouba
ladrão...”.
O vento sibilava
entre as ruas da
metrópole vazia, e
Nilson, ferido,
chorava a dor física
e a dor do presente
que lhe havia dado
tanta alegria.
Caminhar pelas ruas
era o que lhe
restava agora...
Pelas ruas ouvia-se
o barulho dos
carros. Talvez
fossem bêbados ou
quem sabe grupos de
extermínio de
menores que dariam
cabo de vez de sua
vida naquele Natal.
Os faróis do carro
miram sobre ele e
sai Mariana de um
dos carros e,
vendo-o ferido e
cabisbaixo, chama os
outros da caravana,
que levam Nilson a
um hospital para o
atendimento
primário.
Por sugestão da
própria Mariana,
Nilson foi convidado
a passar o resto da
noite com eles,
distribuindo os
presentes que ainda
faltavam.
Recuperado, Nilson
virou o “xodó” da
caravana. Na última
entrega, onde o
lanche já era pouco
e faltavam
presentes, ajudou a
acordar um grupo de
garotos que dormiam
envoltos em jornais,
ensaiando o seu
primeiro “boa noite,
irmão”, quando se
viu quase tropeçando
no carro que outrora
foi seu, no meio dos
pertences dos
meninos.