DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
Um belo
exemplo
de piedade
Só a Alma superior volta
toda a sua atenção para
o que é fundamental: a
piedade e humildade
segundo padrões
fraternais apresentados
por Jesus Cristo,
corroborados pelo
Espiritismo — um
sentimento predisposto a
desejar o bem de outrem
sem condicionante, algo
fora do comum no mais
alto grau.
O verdadeiro amor
referido por Jesus e
ratificado pela Doutrina
Espírita resume-se no
sentimento por
excelência do ser
racional, dotado de
livre-arbítrio, ou seja,
a faculdade de tornar
efetivo ou não o que foi
determinado ou
prescrito, ou o que nos
obrigamos perante nós
mesmos pela ação e
vontade. Quem ama possui
a quietude do espírito
sensato, corajoso e
inconfundível, ao
prosseguir firme na
ventura ou desventura
como uma bússola em
plena tempestade. Oh!
bendito sentimento que
move ao bem do próximo,
ainda que em dadas
circunstâncias
aparentemente
contraditórias!
Pode-se exercer o amor à
feição da caridade moral
em quaisquer ocasiões, a
que os espíritas
sinceros tão bem
conhecem. O momento
máximo do amor ao
próximo por amor a Deus,
às vezes, nos surpreende
mediante curiosos
aspectos particulares.
Eis, a seguir, um belo
exemplo de comiseração
humana.
Tudo ocorreu há cento e
cinquenta anos na
Península da Crimeia,
Rússia. Ingleses e
russos enfrentaram-se
ferozmente por causa de
impetuoso motivo: ambos
desejavam obter
matéria-prima para suas
indústrias e compradores
para seus produtos
manufaturados. A Rússia
queria uma saída para o
mar e, nesse caso, a
França uniu-se à
Inglaterra para conter o
avanço das tropas do
Czar Nicolau I, pelo
Oriente, através dos
estreitos de Bósforo e
Dardanelos, região
pertencente ao Império
Otomano. Portanto,
estava decretada a
Guerra da Crimeia.
Data: 21 de outubro de
1854... Um certo combate
da história dessa guerra
começou. Contam que
desprendida e corajosa
enfermeira de 34 anos de
idade, chamada Florence
Nightingale, decidiu
partir da Inglaterra
para a Crimeia, ela e
mais algumas
voluntárias, com o
propósito de ajudar
feridos que morriam à
míngua por falta de bons
hospitais. Em que pese o
exército britânico
possuir fuzis modernos e
precisos, navios e trens
velozes para transporte
de tropas, alimentos e
remédios, estava
desatualizado quanto à
mão-de-obra médica. Por
causa disso, a valorosa
Florence empenhou-se por
remitir o sofrimento dos
semelhantes, fossem
estes ingleses ou não
fossem.
Notícias e mais notícias
de funestas ocorrências
eram divulgadas pela
imprensa inglesa, muitos
feridos acabavam
morrendo em hospitais
militares. Se da parte
britânica e seus aliados
franceses, turcos e
sardenhos, havia
organização e melhores
condições, da parte
russa, só carência e
falta de recursos. No
entanto, havia quarenta
anos, o exército inglês
não dava sequer um tiro
em inimigos, e o número
de baixas por morte ou
ferimento aumentava,
apesar das vantagens.
E um certo jovem soldado
inglês teve a felicidade
de permanecer sob o
amparo da célebre e
bondosa enfermeira e sua
valorosa equipe. O
soldado sofrera profundo
ferimento no pescoço,
causado por golpe de
baioneta em pleno
combate corpo-a-corpo,
numa batalha campal em
Inkerman, onde o número
de mortos e feridos foi
impressionante. Enquanto
convalescia no hospital
militar de Scutari, o
jovem aprendeu a
produzir belíssimas
bolsas de contas;
descobriu um meio de
combater a tristeza, a
inércia.
Certo dia, alguém veio
ver os feridos e doou um
saco de contas coloridas
ao moço, tinha sabido
antes que o
convalescente possuía
habilidades manuais,
vocação para artesanato.
Desde algum tempo, o
soldado recobrava a
saúde naquele hospital;
conseguira sobreviver ao
grave ferimento nas duas
cordas inferiores, as
verdadeiras cordas
vocais por ser as que
mais influem na fonação.
A impossibilidade de
falar representava-lhe
às vezes um verdadeiro
inferno, por isso ele
sentia profunda
angústia. Mas o soldado
não se rendia ao
sofrimento. Embora tudo
lhe fosse sombrio, o
moço procurava manter-se
confiante, ainda que
suportasse a falta de
higiene, a miséria, o
mau cheiro (isto, antes
da chegada de Florence
Nightingale).
Algum tempo depois, uma
visitante se sentiu
atraída por uma das
bolsas confeccionadas
por ele. Além de elogiar
o produto de seu
trabalho, perguntou
quanto custava e o
comprou. Imensa alegria
o moço sentiu, precisava
se expandir, de modo que
chamou a atenção de uma
enfermeira —
afinal, era a primeira
vez que a fisionomia
mudou desde que fora
internado.
“Nossa!”,
observou a voluntária. A
enfermeira admirou-se
por vê-lo tão contente e
se sentiu dominada por
intensa curiosidade. A
colega da notável
enfermeira-chefe, a que
inspirou o suíço Henry
Dunant a criar a Cruz
Vermelha Internacional,
quis logo saber o motivo
de tanta euforia, assim
que atendeu a um outro
ferido recém-chegado do
campo de batalha.
“Veja,
enfermeira, que sorte a
minha”, o rapaz
esforçava-se por falar,
“aquela dama comprou uma
bolsa!”, podendo-se
apenas ouvir sons
guturais, emitidos de um
jeito horroroso,
ininteligível. A
voluntária, porém, se
alegrou por ele; fitou-o
enternecidamente, mas,
ao mesmo tempo, sentiu
um aperto; no fundo, ela
desejava poder-lhe
contar algo... Faltou
coragem.
Ato contínuo, de seus
olhos, sentida lágrima
rolou e ela se inclinou
para acariciar a dourada
cabeleira do soldado:
“Sinto-me feliz por
você, mas não compreendi
uma só palavra do que
disse... sou surda...
por que não escreve?”,
propôs isto e lhe
ofereceu papel, pena e
tinteiro. A fisionomia
do rapaz indicou
profundo sentimento de
lástima, daí escrever:
“Como pode alguém ter
tanto ânimo, tanto amor,
padecendo de tão grande
aflição?”
Nota do Autor:
Este texto foi criado
sob inspiração de
diminuto conto de um
autor desconhecido, que
consta da série:
Antologia da Literatura
Mundial, tomo 1.o,
adaptado segundo
fatos da biografia de
Florence Nightingale
(1820/1910) e da
história da Guerra da
Crimeia (1854/1855).
O autor é
jornalista,
presidente-fundador da
Fraternidade Espírita
Aurora da Paz (Feap) (www.feap.udesp.org.br),
e membro da União dos
Delegados de Polícia
Espíritas do Estado de
São Paulo (www.udesp.org.br).