MILTON R.
MEDRAN MOREIRA
medran@via-rs.net
Porto Alegre,
Rio Grande do
Sul (Brasil)
Lugo, o divino e
o humano
Lugo não se
escondeu. E
mais: não
escondeu sua
condição humana,
quando, acossado
pelas tantas
notícias de
paternidade a
ele atribuídas
no pleno
exercício do
episcopado,
declarou
publicamente:
Sou humano e
nada do que é
humano me é
estranho.
Repetiu, assim,
embora sem citar
a autoria,
famosa sentença
do dramaturgo e
poeta romano
Terêncio: Homo
sum, humani nil
a me alienum
puto.
Nenhum reparo,
pois, à atitude
do político e
administrador
Fernando Lugo.
Comportou-se
como ser humano,
detentor de
virtudes e
defeitos, capaz
do cometimento
de acertos e
erros. E, acima
de tudo, uma vez
assumidos estes
últimos, de
repará-los, como
já o fez, ao
reconhecer a
paternidade de
uma das crianças
cuja mãe
trouxera a
público a
denúncia.
Se, entretanto,
não cabem
censuras ao
cidadão Fernando
Lugo, talvez o
mesmo não se
possa dizer com
relação ao padre
Lugo, membro,
quando dos
episódios a ele
atribuídos, de
uma ordem
religiosa que
impõe aos seus
integrantes, e
estes aceitam e
professam, votos
de pobreza,
obediência e
castidade. Mais
incompreensíveis
se tornarão
ainda os fatos
considerando-se-os
protagonizados
por dom Lugo,
representante
direto e
autoridade
máxima, em sua
diocese, de uma
organização
religiosa que
impõe ao seu
clero, por ele
ali chefiado, a
abstinência
total do sexo e
a própria
renúncia ao
casamento.
Poder-se-á, no
entanto, em
defesa do
ex-padre e do
ex-bispo, alegar
que, no momento
em que renunciou
àqueles títulos,
fê-lo por haver
chegado,
intimamente, à
descrença da
validade
axiológica das
regras a que
estivera, até
então, jungido.
Por haver
percebido que
não há uma moral
para o clérigo e
outra para o
secular, teria
concluído, em um
determinado
momento, que a
prática do sexo
não é condenável
e que, antes, é
um direito e uma
saudável
necessidade do
ser humano. Mas
não parece que
assim pense ele.
Tanto que,
publicamente,
roga perdão e se
reserva, ainda,
o acerto de
contas com seus
confessores, em
quem, pois,
segue
reconhecendo o
divino dom de
reintegrá-lo no
perdido estado
de graça.
Claramente,
pois, o “homo
sum” de Terêncio
vale para o
cidadão, mas não
é aplicável ao
clérigo. Este,
por uma
misteriosa
abstração
teológica, mais
do que renunciar
ao sexo e até ao
casamento,
renuncia à sua
própria
humanidade.
Está aí a grande
contradição da
religião que a
faz
intrinsecamente
irreconciliável
com o nosso
tempo: essa
arbitrária
divisão da vida
entre o sagrado
e o profano,
entre o divino e
o humano. Até
onde vai o
divino e onde
começa o humano?
Em que segmentos
da vida e da
morte incidem os
mistérios
divinos e em
quais outros se
pode aplicar os
avanços, sempre
crescentes, do
conhecimento e
da ética
desenvolvidos
pela fantástica
experiência do
espírito humano?
Não parece mais
ajustado
buscarem-se as
razões divinas
na mais
fascinante obra
que conhecemos:
a consciência?
Nela não estarão
refletidas, de
forma diáfana e
universal, todas
as leis contidas
da natureza?
Terêncio, mais
de cem anos
antes de Cristo,
já percebera o
que os
humanistas
viriam a
proclamar na
modernidade
ocidental: que o
homem é a medida
de todas as
coisas. Ou seja,
que sem
compreender o
humano, jamais
teremos a
consciência do
divino. E que,
pois, é um
equívoco querer
separar um do
outro, já que
tudo é
consciência e
tudo é vida.