Em uma cultura
guiada,
sobretudo, pelo
exterior, o
acesso ao
interior
torna-se
difícil,
obstruído,
causando
diversos
desequilíbrios à
existência
humana. Sim,
pois a maior
parte de nós
vive o
imediatismo e as
preocupações
inerentes ao
inquieto campo
da necessidade,
diariamente
reinventado.
E, sem escuta,
múltiplas vozes
rejeitadas,
viventes no
interior,
mobilizam
atenção sob a
forma sintomas
ou de feridas
vivas, que se
manifestam no
exterior – no
indivíduo
particular, na
família, nas
instituições
públicas, nas
deformações
diversas que
causam tumulto
na vida social.
Mas quando nos
abrimos ao
interior (reino
da psique),
mudamos nossos
valores e a
dimensão do Eu
profundo (Self)
passa a ser
prioridade. Há
espaço, então,
para o vínculo
com a finalidade
aceitável do ser
humano,
cadenciada por
uma
subjetividade
que enriqueça,
de modo
contínuo, sua
relação com o
Si-mesmo e com o
mundo.
A tarefa
essencial é o
ato da vida
arriscando a si
mesmo, opondo-se
a uma agenda
narcisista,
guiada pela fuga
da realidade e
pelo desejo de
conforto. Vida é
mais...
Como o cuidado
com a aparência
pode camuflar a
supressão da
vida no aparente
gesto de cultivo
da vida (mas sem
vivê-la), penso
na menina que
nega seu
feminino e se
identifica em
demasia com as
energias
masculinas. Essa
menina irá
crescer e poderá
variar de uma
eterna mimada a
uma profissional
tomada pela
carreira, que
não dá
felicidade nem
para si mesma,
nem para sua
equipe de
trabalho. E ela
preferirá os
homens, pois se
reconhece como
um deles, a
explorar sua
natureza
feminina,
reduzida que é
ao papel
profissional
(cristalizada
pela
identificação
com o
masculino).
Muita da riqueza
humana é perdida
na regressão à
infância idílica
ou nas fugas das
complexidades da
vida adulta –
nos seus
inúmeros
afazeres,
seguidos pelos
vazios do
não-sentir e do
querer mais.
O ego é preso ao
relógio e o
racionalista,
condenado à
finitude da
matéria, poderá
cair na
nostalgia
(passado) ou
sofrer, caso
seja sensível,
pelas
especulações
mentais que não
encontram saídas
além das
molduras mentais
(o girar em
círculos).
Um argumento a
favor de uma
existência
distinta da
mecanicista
apenas implica
um fato: nós não
sabemos aquilo
que não sabemos.
Dito de outro
modo: não
estamos
conscientes
daquilo que
estamos
inconscientes.
Então,
essencialmente,
bastaria que
aceitássemos,
como Sócrates,
que a vida
permanece,
sempre, uma
curiosidade e um
mistério.
Talvez seja
preciso mais
poesia. Um poema
pode ensinar que
bastaria
encarnar os
versos em uma
apreensão
consciente, mas
que mobiliza a
aliança
razão-sentimento,
senão a parceria
entre sujeito e
poema não é
empreendida,
resulta em
fracasso, pois
não estabelece o
elo poema-Eu
profundo. Sim,
não nos
enganemos. A
arte de poetar é
sempre tecida no
mistério,
simultaneamente
fonte e
matéria-prima
própria à
criatividade dos
poetas.
Com uma ardente
paciência e uma
confiança
serena, devemos
desenvolver
nossos dons e
nos manter
abertos ao
mistério que nos
faz curiosos e
criativos. Do
contrário,
podemos nos
tornar “uma
pobre alma
condenada a
carregar um
cadáver” (Epicteto).