CHRISTINA NUNES
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Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
Crônicas da vida
invisível
(3)
Aconteceu esta
semana de chegar
cedo demais no
centro da cidade
para o trabalho
diário na
Justiça e, como
de costume
nestas ocasiões,
decidi passar o
tempo me
deliciando com
aquilo que mais
me apetece
nessas
oportunidades:
as livrarias.
Assim, me dirigi
a uma onde há
tempos compro
habitualmente
muitas de minhas
obras espíritas.
Entrei e,
despreocupada da
hora, que me
favorecia com
largueza para
explorar o local
até onde me
satisfizesse,
passei a folhear
detidamente
volumes vários
de autores tanto
conhecidos
quanto
desconhecidos.
Nesta ocupação
prazerosa,
concentrei-me
especialmente
nas obras de
Herculano Pires
que ainda não
havia lido, e
numa particular
que
repentinamente
me captou a
atenção pelo
título, metida
num sem contar
de centenas de
outros livros
enfileirados nas
prateleiras meio
poeirentas:
No Mundo dos
Espíritos,
de José de Leal.
Um livro
antiquíssimo, a
julgar pelo seu
aspecto e
encadernação,
embora estivesse
bem conservado
no invólucro
plastificado que
a livraria tem
por hábito usar
para preservação
das obras tanto
novas quanto
antigas que
expõe à venda.
Meio incerta
quanto a pegar
ou não o volume
para examiná-lo,
todavia, vi-me
francamente
atraída pelo
título sugestivo
de um conteúdo
possivelmente
rico quanto
interessante, e
acabei vencendo
a relutância que
o aspecto um
tanto decrépito
da obra em
princípio me
provocava.
Peguei-o da
prateleira e
indaguei do
livreiro se
podia tirar o
envoltório de
plástico a fim
de verificar do
que se tratava,
pois que estava
interessada em
levá-lo.
O livreiro, de
seu lado, não
fez caso disso e
começou a
retirar a
embalagem,
enquanto
reparava em dois
detalhes
interessantes:
havia duas
etiquetinhas no
canto direito
superior da capa
posterior
dizendo assim:
"obra preciosa";
"aqui é o meu
lugar, não me
leve"... Ou algo
bem próximo
disso. Todavia,
embora
pitoresco, tal
pormenor não me
causou tanta
espécie num
primeiro
momento, em que
me detive,
francamente
admirada, no
interior do
livro
propriamente
dito: uma
verdadeira
relíquia!
Publicação de
1925 de A
Noite (acho
que era este o
nome da
gráfica), com um
português tão
arcaico que,
para os dias de
hoje, sugeriria
antes um outro
dialeto ou
idioma! "Cs"
dobrados,
ortografia
antiquíssima...
Um assombro! E o
conteúdo também
me pareceu
interessante, o
que me levou a
afinal me
decidir por
comprá-lo, junto
com um outro
livro de
Herculano Pires.
Bem... À noite,
como de costume,
cheguei a casa
com meus filhos
sobraçando os
volumes
preciosos, e,
após um exame
ligeiro neste
Mundo dos
Espíritos,
veio-me uma
primeira
constatação de
que na verdade
se tratava de
uma obra sobre
Umbanda – creio
que talvez a
primeira
publicação no
Brasil do
gênero, a julgar
pelo valor que a
despeito de tudo
paguei por ela,
50 reais.
Deixei-os sobre
a minha cômoda e
fui cuidar da
vida: tomar
banho, jantar,
cuidar das
crianças etc.
Mal acabei o
banho, alguma
coisa...,
melhor dizendo:
alguém!
Uma presença
súbita mas
inconfundível,
que não podia
detectar com os
olhos físicos,
mas com bastante
clareza com a
visão interna,
"encostou" e
disse: "Você
deve levar este
livro de volta
para lá! É por
isso que está
escrito aquilo
na capa –
Aqui é o meu
lugar!...
Este é um livro
dirigido aos
filhos das
falanges da
Umbanda...!
Confesso nos
primeiros
momentos ter
ficado meio
estatelada, sem
saber o que
pensar do que
ocorria! Era
diverso de tudo
que tem me
acontecido
durante todos
estes anos no
terreno
mediúnico,
todavia, se
ocorria, e no
ambiente da
minha casa,
ficava evidente
que se dava com
a autorização
dos meus
mentores, talvez
como uma espécie
de ensinamento
ao meu
discernimento.
Mantive-me,
assim,
imobilizada
durante vários
instantes,
avaliando a
situação; mas
ainda assim a
presença
insistia: "Por
favor, devolva
este livro ao
lugar de onde o
tirou!"
Então,
subitamente
comecei a
recordar
acontecimentos
mediúnicos
relatados,
exemplificados e
explicados pelos
Espíritos da
Codificação e
por outros
mentores
respeitáveis da
vida invisível,
envolvendo o
apego de
determinada
classe de
Espíritos
desencarnados
para com coisas
deixadas para
trás na
materialidade -
coisas essas
que, mesmo do
outro lado da
vida, todavia,
prosseguem
considerando
como "suas"!
E alguma luz
sobre o impasse
começou a se me
instalar no
íntimo, quiçá
via inspiração
superior,
aclarando-me a
compreensão.
Em consequência
do que, de um só
impulso,
decidi-me a não
manusear mais o
volume; a
devolvê-lo
imediatamente,
no dia
posterior, à
mesma livraria
onde o comprara,
embora sem saber
ainda o que
diria exatamente
ao livreiro.
E assim o fiz:
no dia imediato,
cedo, antes de
me dirigir ao
trabalho diário,
voltei com o
livro
cuidadosamente
envolto na mesma
embalagem
plástica –
inclusive
conservando as
etiquetinhas com
os dizeres
misteriosos. E
fui franca com o
livreiro, usando
com habilidade
das palavras:
disse que alguém
do ramo
espiritista
havia-me
explicado que
melhor seria
fosse a obra
adquirida no
tempo certo por
alguém ligado às
falanges
umbandistas,
liberada assim,
oportunamente,
por quem zelava
do invisível
pelo livro
daquele jeito...
Não me estendi
em mais
explicações, o
livreiro
aquiesceu. E
preferi que um
mero instrumento
a mais das
letras que matam
– não somente do
Espírito que
vivifica,
presente no
conteúdo não
apenas daquele,
mas, no final
das contas, nos
de tantos
exemplares
espiritistas
dignos
espalhados
noutros lugares
– não viesse a
ser o estopim de
uma silenciosa
dissensão,
ademais
desnecessária e
improdutiva,
entre a minha
pessoa e algum
irmão da
invisibilidade.
Cada coisa a seu
tempo na
trajetória
evolutiva da
cada um de nós,
rumo a Deus...