EUGÊNIA PICKINA
eugeniamva@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
O
que a criança
negligenciada
conta?
A vida com pouca
frequência é
clara e fácil,
mas são as
escolhas que
fazemos que a
tornam válida ou
medíocre. Muitas
vezes somos
tomados por uma
sensação de
futilidade e
falta de
alegria, que se
mistura à rotina
e à cadência de
ações
repetidas.
É fato: quanto
mais instável o
ambiente
familiar
inicial, mais a
pessoa será
levada a
guiar-se ou pelo
script da
“boazinha” ou
“do contra”,
pois seu
aprendizado,
fundado no medo
e na
insegurança,
ensinou-a a
desconfiar de si
mesma e das suas
aptidões. Em
consequência,
passa a
definir-se,
principalmente,
em função ou em
reação ao outro,
seja este
“outro” o padrão
solicitado pela
mãe/pai ou as
instituições
sociais.
Não seria
inadequado
afirmar que
muitos dos
bloqueios
experimentados
pelo indivíduo
em crise se
alimentam da
ausência de um
diálogo com a
sua criança
interior.
E como não temos
uma única
criança
interior, mas
sim uma
pluralidade
delas, ou seja,
há em nós um
verdadeiro
espaço lúdico
que acolhe
várias crianças
- artista,
rebelde,
ciumenta,
raivosa,
palhaça, tímida,
loquaz, curiosa
e até mesmo a
criança
espontânea em
harmonia com o
mundo, seria
expressivo para
nossa saúde
psíquica se
aceitássemos o
convite para
avançar em
direção a todas
elas e, em
consequência,
ver a vida
incircunstancial
que nos espera.
E, sinceramente,
a criança
multifacetada
que temos em nós
raramente é
chamada ao
domínio do
escritório, das
tarefas
domésticas ou do
terreno
barulhento do
mundo exterior.
Somos nós que
devemos caminhar
em direção a ela
e ouvi-la.
Assim, acima de
tudo, se
quisermos
resgatar nosso
potencial
criativo e o
contato com as
regiões
negligenciadas
da alma, teremos
de indagar sobre
o real desejo da
nossa criança
saudável. Ainda,
teremos de lidar
com nossa
criança
narcisista,
ciumenta,
ferida, pois
todas foram
reprimidas ou
silenciadas.
Além disso,
mesmo que
sejamos
recompensados
pela
especialização,
pela profissão,
pelos
relacionamentos
íntimos, pelos
amigos, porém
muitos talentos
e interesses
foram deixados
para trás
durante a
construção da
nossa vida.
E são eles que
reclamam coragem
e disposição
para lidar com o
dilema da aridez
de uma vida
interior, porque
somente desse
modo poderemos
retomar a nossa
trajetória com
ânimo,
criatividade e
esperanças.
Quando
perguntavam a
Joseph Campbell
como deveríamos
viver, ele
insistia em
responder: “Siga
sua
bem-aventurança”.
Ele entendia
como
representamos
papéis que
correspondem
mais as
necessidades dos
nossos pais e da
nossa cultura do
que às
perspectivas que
trazemos em
latência, mas
que foram
deixadas para
trás juntamente
com a nossa
melhor parte.
Um dos
significados da
“bem-aventurança”
está ligado à
descoberta do
nosso talento e
propósito
essencial e, por
isso, gravita ao
redor de tudo
aquilo que nos
ajudaria a
sermos
totalmente nós
mesmos,
impedindo a vida
de ser trivial
ou provisória.
Podemos,
certamente,
cumprir nossos
deveres e
tarefas
externas, mas
podemos dedicar
um instante em
nossas agendas
diárias à
criança
negligenciada.
Ela poderia nos
impelir às aulas
de música,
dança,
escultura... Uma
viagem ao Butão,
o curso de
fotografia
postergado, o
plantio de ipês
amarelos, ou
outra coisa
ridícula ao
olhar de quem
perdeu a
vivacidade.
Pouco importa o
resultado. O
essencial é
somente, ao lado
dessa criança
multifacetada, e
que guarda a
fonte da
inocência, a
redescoberta da
brincadeira e do
chamado
correspondido à
nossa natureza
verdadeira.