CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
As duas faces da
vida
Havia uma
brincadeira
bobinha de
quando éramos
crianças – mas é
dessas coisas
bobinhas que,
muitas vezes, se
extraem grandes
significados.
Uma criança
chegava perto da
outra fazendo
uma cara
trágica, e
começava a
contar uma
história que,
pelo início,
prometia ou uma
piada, ou um
conto de terror,
daqueles bem
tenebrosos:
"Meia-noite...
uma bruxa com a
faca na mão..."
Então a tal
criança dava uma
pausa teatral,
enquanto todas
as outras
olhavam com os
olhos
arregalados e
com cara de
espanto,
esperando o fim
dramático - só
para, no fim, a
outra arrematar,
deixando-as com
caras de bobas:
"... passando
manteiga no
pão... passando
manteiga no
pão..."
Era uma
pegadinha. Mas
um tipo de
pegadinha que
ilustra um pouco
o modo como as
pessoas reagem
aos fatos,
exclusivamente,
em função das
suas
expectativas. E
a expectativa
era o final
sangrento para a
bruxa malvada
com a faca na
mão. Mas, no
fim, a bruxa,
calmamente,
lanchava e
passava manteiga
no seu pão.
Isto me lembra
muito outras
histórias do
cotidiano:
coisas
presenciadas,
sabidas,
contadas... Como
noutro dia,
quando ouvia de
uma amiga do
trabalho ter
ficado revoltada
com a reação que
observou em
alguns turistas
que, ao mesmo
tempo em que
ela, visitavam
Veneza, na
Itália.
Contrariada ao
recordar-se,
contava-nos que,
enquanto todos
imergiam, sem
apelação, no
encanto mágico
que Veneza
provoca, com
suas gôndolas,
com suas
paisagens e seu
povo
indescritíveis e
exóticos, de
beleza única,
romântica, e
toda peculiar,
alguns outros
turistas - e
vindos de bem
longe, diga-se!
–
entretinham-se,
insistentemente,
em prestar
atenção e
reclamar apenas
dos ratos que,
naquele lugar
praticamente
aquático, é
coisa comum e
corriqueira!
Só que é no
mínimo insólito,
um despautério,
sequer pensar
que alguém se
demove de outros
países
longínquos para
conhecer Veneza
e, em lá
chegando,
limitar-se
apenas a
reclamar dos
ratos... Nota-se
aí, portanto, o
efeito-expectativa:
estas pessoas,
certamente, não
foram a Veneza
pretendendo se
distrair e
descontrair,
contemplando os
encantos e as
belezas
disponíveis à
farta pelo
lugar, como
assim se dá em
todos os lugares
do mundo.
Traziam em si a
disposição
antecipada para
verem apenas "a
bruxa com a faca
na mão", pronta
para esquartejar
malvadamente
alguém – com
certeza! Suas
expectativas não
incluíam nada
prazeroso – a
deliciosa
"manteiga no
pão". Viram e
reclamaram o
tempo todo dos
ratos,
horrorizadas.
Para elas, foi a
isso, somente,
que a bela e
doce Veneza se
resumiu!
É típico e certo
– como já
demonstrava
aquele velho
teste
psicológico
onde, num mesmo
desenho, uns só
conseguem ver
uma bruxa velha
e horrenda, e
outros, na mesma
figura, um lindo
e moço rosto de
jovem. É o
funcionamento
projetivo do
subconsciente.
Projetamos para
fora de nós o
que existe
dentro. Então,
não importarão
nunca, jamais,
para alguns
perfis humanos,
as pitorescas
gôndolas de
Veneza
balouçando
languidamente ao
movimento
embalador dos
remos,
conduzindo
várias histórias
de lua-de-mel;
tais olhos
jamais
enxergarão os
campos de
girassóis na
Toscana, ou as
águas azuis e
mágicas dos
mares de Capri,
ou de Fernando
de Noronha, ou
em qualquer
outra parte do
mundo. O efeito
"bruxa com a
faca na mão" os
levará a
carregar os
contratempos e
as paisagens
feias aonde quer
que vão. Verão,
portanto,
somente os ratos
de Veneza, os
buracos nas
trilhas de
Fernando de
Noronha, os
zangões
irritantes entre
as flores da
Toscana, e vai
por aí... Porque
é tudo o que
existe dentro de
uma tal
disposição
mórbida! Não
são, pois, os
ratos de Veneza
que estragam a
bela excursão à
Itália - mas o
negativismo do
próprio
indivíduo, que
não lhe
permitirá
deleitar-se com
nada deste mundo
ou do outro,
apenas e
exclusivamente
devido à sua
propensão a só
enxergar a vida
do prisma da
"bruxa com a
faca na mão"
pronta para
esquartejar
alguém...
É proveitoso,
para o nosso
próprio
benefício, nos
policiarmos
contra esta
distorção de
perspectiva com
a qual
percebemos a
vida ao nosso
redor. Porque se
nos tornamos
eficazes em
encarar coisas,
fatos e
acontecimentos
do lado certo da
moeda – do lado
positivo, belo,
útil,
enriquecedor,
que, para tudo
no mundo,
existe! – nos
sentiremos mais
felizes, leves,
joviais, e
dotados da
capacidade
permanente de
nos
maravilharmos
com os
acontecimentos e
de reagirmos
adequadamente a
eles.
É muito fácil a
distração que
nos induz a
escorregar para
dentro das
impressões
negativas,
insidiosas e
danosas, vendo
apenas os ratos,
e não o resto de
Veneza;
percebendo
somente os
defeitos
alheios, mas
nunca as
qualidades;
distinguindo só
a feiura isolada
onde, muitas
vezes, sobejam
belezas;
criticando o
fracasso na Copa
do Mundo sem
conseguir
lembrar-se das
alegrias
eufóricas do
Penta;
desesperando-se
com o quadro
social difícil
do Brasil de
hoje e
descuidando-se
da única solução
viável, que
reside na força
de cada um para
converter a
passagem do
tempo num quadro
regenerador, por
intermédio da
nossa
contribuição à
vida!
Atentemos, meus
queridos!
Pensemos nisso,
de dentro da
visão correta de
que tudo ao
redor é dotado
de duas faces –
e de que de nós,
apenas, depende
a relevância a
ser dada a cada
uma delas,
transformando o
fim da história,
portanto, em
ânimo ou
desânimo, em
realização ou
frustração, n’algo
que vale a pena
ser vivido, ou
em razões
eternas para o
mau humor e
desgaste inútil
das nossas
preciosas
energias
emocionais.
Eu prefiro a
"bruxa passando,
placidamente, a
manteiga no
pão"... E se
deliciando com
ele, depois!