MARCUS
VINICIUS DE AZEVEDO
BRAGA
acervobraga@gmail.com
Guará II, Distrito
Federal (Brasil)
Crônicas
de Natal
Presente
No meio daquela turba
que se acotovelava entre
a rua e a calçada,
seo Francisco
caminhava meio que
perdido, atônito naquele
rio de gente.
Importados, brinquedos
associados a programas
de TV, brinquedos
orientais construídos
com mão-de-obra quase
escrava. Aquele Natal
estava povoado de
novidades
eletroeletrônicas a
fascinar as crianças e
já era dia 24 e todos
deixavam para última
hora ou para a última
moeda a compra dos
presentes.
Seguia seu Francisco na
busca do presente para
seu filho Marcelo, 10
anos, garoto estudioso
que merecia naquele
Natal, de Papai Noel (se
bem que ele já não
acreditava mais nisso!),
um grande presente.
Aliando as parcas
possibilidades às largas
passadas, Francisco
olhava algumas lojas,
consultava alguns
folhetos, abordava os
ambulantes. Quando já
terminava a rua onde se
concentrava a maioria
das lojas, ele parou
para tomar um mate
(ninguém é de ferro!),
quando vislumbrou o que
tanto buscava. Um
caminhão “Super-força”
igualzinho ao do seriado
da TV que seu filho
acompanhava tão
assiduamente. Deixando
pela metade o seu
açucarado mate,
Francisco invade a loja
e compra a última
unidade do estoque.
Desprovido de grandes
habilidades manuais,
Francisco pede que o
caminhão seja embrulhado
para presente. Após esse
périplo, ele enfrenta um
ônibus com o “caminhão”
embaixo do braço. Lá
pelo meio da viagem,
Francisco consegue um
lugar e cai em um
profundo cochilo, se
escorando no recém
adquirido presente. Ao
chegar em casa, aquela
entrada estratégica para
esconder no alto do
armário o enorme
presente.
*
Manhã de Natal...
A árvore já está
carregada de presentes
colocados na madrugadas
pelos “Papais Noéis”. As
crianças da casa -
primos , sobrinhos -
acordam todos e correm
em polvorosa para a
árvore a fim de ver o
que lhes reserva aquele
ano. Marcelo, aquele do
caminhão “Super-força”,
emite um olhar de
confiança para seo
Francisco e sai pela
montanha de presentes à
procura daquele que tem
seu nome estampado. Ao
encontrar pacote tão
volumoso, seu sorriso é
invejável. Avidamente
abre o pacote e quando
vê a caixa e identifica
o caminhão “Super-força”
dá um grito de alegria e
sai correndo para
abraçar Francisco. Este
insiste que o menino
abra logo a caixa e vá
curtir seu presente.
Mas, quando Marcelo abre
a caixa defronta-se com
uma surpresa. O que era
uma caminhão, frágil
(como todas as coisas
fabricadas hoje em dia),
era apenas um conjunto
de partes quebradas.
Pensando que o caminhão
carecia de montagem, o
pai tentou consolar o
menino. Mas, ao se
defrontar com o conteúdo
da caixa, nota que seu
cochilo no ônibus e a
“delicadeza” dos
passageiros na descida
geraram aquele chassi
separado das rodas,
separado da carroceria
que estava em três
pedaços misturados com o
eixo.
Marcelo, em um misto de
decepção e revolta,
começa a esbravejar com
o pai, declarando a sua
ineficiência em dar um
presente e como ele era
um péssimo pai, que não
amava seu filho.
Palavras, ainda que
copiadas de clichês
televisivos, agridem
fundo a quem as ouve.
Como se não bastasse,
jogou o brinquedo no
chão e saiu correndo
para o quarto enquanto
seus pequenos parentes
se deleitavam com seus
novos presentes.
Seo
Francisco, homem
fortalecido pelas
batalhas da vida, vai ao
quarto de Marcelo,
repleto de brinquedos,
onde o menino se
encastelava em sua cama.
Sabendo que seu filho o
ouvia, apesar de não
demonstrar, fala com
muito amor no coração:
“Filho, esse presente
teve falhas... Mas eu,
seu pai, estive sempre
presente na tua vida,
nos teus momentos mais
difíceis e nos mais
felizes, te dando o
presente do meu exemplo
e do meu carinho. Esse
presente, filho, não se
quebra, não se
destrói...”
Marcelo resmungou tortas
palavras e continuou
trancado no quarto e
emburrado alguns dias.
Mas, com o tempo, a vida
lhe mostrou como seu pai
estava certo, quando da
sua presença ele se viu
privado por diversos
natais.