ÂNGELA MORAES
anjeramoraes@hotmail.com
Bauru, São Paulo
(Brasil)
A
instabilidade
financeira
(Conto espírita)
“Tende cuidado
de preservar-vos
de toda avareza,
porquanto, seja
qual for a
abundância em
que o homem se
encontre, sua
vida não depende
dos bens que ele
possua”
(S.Lucas, cap.
XII, vv.13 a
15).
Carlos sempre
fora dedicado
funcionário,
daqueles que não
têm preguiça e
não escolhem
serviço.
Começara cedo,
desde o
colegial, a
fazer uns bicos
aqui e ali, de
forma que
pudesse comprar
sozinho sua
própria roupa do
final de semana,
ou pagar o
refrigerante da
namorada. Entrou
na faculdade com
planos
brilhantes e uma
forte cobrança
interior: eu vou
vencer antes dos
trinta! Antes
mesmo do término
do curso, já
havia se
engajado em
diversos
serviços aqui e
ali que lhe
ofereciam boas
referências para
quando se
formasse. Em um
desses bicos, no
entanto,
conheceu o
Alcântara, dono
de uma
imobiliária
classe A, rara
nesse segmento.
Encantado com a
desenvoltura de
Carlos,
convidou-o ao
trabalho com
boas chances de
comissão e, se
ele fosse bem,
providenciaria o
Creci para
regularizar-lhe
a situação. Não
era a área para
a qual estudava,
mas a ideia de
‘fazer seu
próprio salário’
sorriu ao
pensamento do
jovem, que, de
ego valorizado,
ousou acreditar
no seu próprio
taco, como
aconselharia
qualquer pessoa,
não fosse sua
mãezinha:
– Termine os
estudos, filho.
Depois você
escolhe!
Mas não teve
jeito, Carlos
estava decidido.
Trancou a
matrícula da
faculdade e,
seis meses
depois, sem
vender um só
imóvel, começou
a desanimar.
Alcântara era
bom motivador e
alimentava seus
sonhos de
opulência, por
esse motivo não
havia ainda
desistido, mas a
sensação de que
a vitória estava
a um palmo de
sua mão estava
começando a soar
com ilusão. “Se
eu vender só um
daqueles
apartamentos de
ricaço, estou
feito por cinco
anos!”, pensava.
Mas as
negociações eram
bem mais
complexas do que
imaginava. Viu
que gente rica
não tem pressa,
e havia muita
politicagem que
ele,
inexperiente e
ingênuo, ficava
de fora. Além
disso, não era
homem de viver
tão sem
dinheiro, estava
melhor fazendo
seus bicos do
que naquela
busca frenética
pelo alto
faturamento.
Embalado nesse
pensamento mais
humilde, achou
por bem retomar
os estudos e
formar-se, ao
que teve todo o
apoio dos pais
no complicado
recomeço.
Surpreendeu-se,
no entanto,
quando voltou à
faculdade: os
contatos que
tinha dois anos
antes haviam se
perdido no
mundo,
deparou-se com
colegas que
pareciam muito
mais novos que
ele, os bicos
que antes fazia
agora não
rendiam mais.
Formou-se com
dureza,
sentindo-se algo
culpado por ter
perdido tempo de
sua vida em uma
ilusão, e agora
estava atrasado
em seu objetivo
de vencer antes
dos trinta, como
almejara. Como
não conseguira
estagiar no
último ano,
correra de
empresa em
empresa levando
currículo,
enquanto seu
espírito
inquieto
arquitetava
maneiras
empreendedoras
de se virar na
vida. Pesquisara
um pouco e
achara por bem
tentar um
negócio próprio,
com a sociedade
do amigo de
infância,
Aurélio, que
reencontrara em
um boteco, um
final de semana
antes. Por que
não?, deixou seu
espírito
apaixonado pelo
risco levá-lo
novamente. “Não
tenho nada a
perder e, se
ganhar, posso
virar o
empresário do
século antes dos
trinta”, sorriu
seu espírito
vaidoso. A ideia
do amigo era de
montar um
pequeno negócio
para fabricar
camisetas
estampadas com
exclusividade, o
investimento era
de baixo valor
em maquinaria e
eles iriam
dispensar
funcionários a
princípio,
fazendo eles
mesmos todo o
trabalho. Assim,
Carlos fez um
pequeno
empréstimo
bancário
juntamente com o
sócio,
montaram a
estamparia no
fundo do quintal
de sua mãe, e
botaram a mão na
massa. Começaram
desembolsando o
custo dos
tecidos e tintas
iniciais,
precisavam
primeiro mostrar
seu produto pra
depois
adquirirem mais
clientes.
Dedicaram-se a
estruturar a
produção, os
desenhos,
acertar as
máquinas, na
qualidade ideal
de tinta, no
melhor tempo de
secagem, enfim,
os dois
trabalhavam de
sol a sol, e as
vendas começaram
timidamente.
Depois de quase
um ano, sentia
em si plena
satisfação sobre
um trabalho
excelentemente
executado: as
camisetas eram
lindas,
diferentes e
criativas. Só
tinha um
problema: não
conseguiam preço
competitivo no
mercado, e os
gastos e juros
bancários
aumentavam mês a
mês. Depois de
mais um ano de
tentativa, os
amigos choraram
juntos o
fechamento de
seu negócio,
embora tivesse
na alma o dever
cumprido. Com a
venda das
máquinas e do
estoque a preço
de custo,
conseguiram
quitar a maior
parte das
dívidas e Carlos
via-se, então,
aos 27 anos, de
novo na estaca
zero.
Convidado por um
dos clientes a
trabalhar em sua
área de criação,
Carlos
finalmente
entrou em uma
“empresa
grande”, que
poderia lhe
render a tão
sonhada
estabilidade
financeira – mas
não antes dos
trinta.
Conformara-se.
Começou
aprendendo sobre
a cultura da
empresa,
percebeu que
havia uma
hierarquia e
fortes políticas
pra subir, mas
não se fez de
rogado. Não
escolheu
serviço,
atirou-se ao
trabalho,
aprendeu tudo o
que pôde e,
mesmo não
conseguindo a
promoção antes
do quinto ano
dentro da
empresa, foi
administrando o
salário,
comprara seu
carro próprio e
estava dando
entrada em um
apartamento, que
pagaria com
empréstimo da
Caixa. Quando
promovido, viu
que a diferença
salarial não era
tanta, e o
caminho ainda
era longo. Aos
35 anos, olhou
pra sua
trajetória e
algo de revolta
amargou dentro
de si: sempre
trabalhara
direito, com
dedicação e
motivação, nunca
faltara com a
ética nem pisara
em ninguém. Por
que era tão
difícil
conseguir vencer
na vida? Por
que, a caminho
dos quarenta
anos, não tinha
conseguido um
quarto do
patrimônio que
colocara a si
como meta até os
trinta? Que
amarração seria
aquela na vida,
teriam feito
algum ‘trabalho’
pra ele? Ou será
que a vida era
injusta e mimada
mesmo, dando do
bom e do melhor
sem nenhum
critério?
Lembrou-se dos
colegas
favorecidos por
promoções que
julgava
imerecidas;
lembrou-se de
gente que ganhou
na loteria;
lembrou-se dos
sortudos que
saem na capa da
Exame ou da Você
SA, ostentando
altos cargos e
salários com
vinte e poucos
anos. E ele?
Uma luz clareou
seu pensamento.
Intuitivamente,
se deu conta de
que nunca
saberia a
resposta e
resignou-se. Foi
quando, pela
primeira vez,
conseguiu ouvir
a voz de seu
mentor: “é só
trabalho,
Carlos”.
Resolveu olhar
em torno de si.
Encontrou toda
uma seção com
gente como ele,
que lutava como
ele, e estava
ali como ele.
Realmente, nem
todo mundo vira
estrela, e se
era o destino
dele ou não,
deixou de se
importar. Até
porque, olhando
para os demais,
finalmente viu
Cíntia, que lhe
retribuía o
olhar. Era a
primeira vez que
a notava, apesar
dos vários anos
que dividiam a
repartição. Em
dois anos,
casaram-se. Em
mais alguns,
Carlos recebeu
sua pequena
Clarice. Quando
percebeu,
beirava os
cinquenta, mas
sentia-se
plenamente
realizado. Ainda
pagava o
apartamento para
onde se mudara
ao casar, ainda
tinha um carro
velho, e não
saíra na capa da
Exame. Mas tinha
exatamente tudo
de que
precisava.