JOSÉ CARLOS
MONTEIRO DE
MOURA
jcarlosmoura@terra.com.br
Belo Horizonte,
Minas Gerais
(Brasil)
Recados do além
“Muitas comunicações há,
de tal modo absurdas,
que, embora assinadas
com os mais respeitáveis
nomes, o senso comum
basta para lhes tornar
patente a falsidade”.
(Allan Kardec. O Livro
dos Médiuns,
capítulo
XXXI, Comunicações
apócrifas, p. 477.)
Ainda se encontra
vigente, entre alguns
adeptos da Doutrina, e
que lamentavelmente não
são poucos, o condenável
costume de se atribuir
aos Espíritos ideias,
opiniões ou pretensões
que lhes são próprias, e
que desejam implantar ou
fazer prevalecer nas
instituições que dirigem
ou de que participam.
Usam as reuniões
mediúnicas,
principalmente aquelas
em que dispõem de um
maior ascendente sobre
os participantes, como
um ponto de apoio para
os seus posicionamentos
e acabam por
transformá-las em
autênticas “Caixas
Postais” da
Espiritualidade. Via de
regra, as comunicações
nelas obtidas, sempre
oriundas de médiuns que
lhes são muito chegados,
prestam-se, segundo suas
apaixonadas
interpretações, a
confirmar, estimular ou
ratificar suas atitudes
ou pontos de vista
eminentemente pessoais,
dando-lhes um cunho de
maior autoridade e
credibilidade. Tal
entendimento é ainda
consequência da velha
mania brasileira de se
transformar o Espírito
num ser superdotado de
conhecimentos, e capaz
de solucionar qualquer
problema humano, não
obstante tenha sido,
quando encarnado,
inteiramente ignorante
e, às vezes, até
analfabeto. Isso, quando
não lhe atribuem, de
contrapeso, a auréola de
santo milagreiro.
Via de regra, continuam
achando que o Espírito
vale pelo nome com que
se apresenta, razão por
que costumam
classificá-los conforme
a sua reputação terrena,
que pode ser de âmbito
nacional, estadual ou
mesmo doméstica. Nesta
última hipótese, estão
antigos trabalhadores da
Casa ou da região,
muitas vezes guindados à
condição de seus
mentores, guias ou
conselheiros. É comum
vê-los assumir (eles, ou
os seus médiuns?), para
gáudio dos que se
utilizam de suas
mensagens,
posicionamentos
conflitantes com aqueles
pelos quais se bateram e
pelos quais deram os
seus melhores esforços
durante a sua romagem
terrestre. E, por
inusitada coincidência,
suas novas ideias e
posturas se identificam
com as que se pretende
implantar no Centro ou
nas Instituições
Espíritas...
Já é
rotineira a imputação
dos maiores absurdos e
dos mais indisfarçáveis
disparates a Bezerra,
Emmanuel, Joanna,
Eurípides, André Luiz e
outros, o que implica,
quando nada, um
excessivo entusiasmo e
uma acentuada leviandade
da parte de muitos
médiuns e dirigentes. Os
responsáveis pela
divulgação dessas
comunicações não admitem
quaisquer
questionamentos a seu
respeito, quando não
pretendem impô-las
coercitivamente a todos
os trabalhadores e
frequentadores das
organizações a que
pertencem. Muitos chegam
a publicá-las em livros
ditos psicografados,
colocando em risco a
própria respeitabilidade
da Doutrina. Isso revela
um comportamento
inteiramente
incompatível com o bom
senso, a prudência e o
comedimento recomendados
por Allan Kardec, embora
os que enveredam por
esse caminho se afirmem
discípulos do mestre
lionês, e o invoquem
invariavelmente para
justificarem seus
despautérios.
Esse comportamento
demonstra o despreparo
daqueles que o adotam,
seja no que se refere à
falta de conhecimentos
doutrinários, seja
quanto a uma falsa
concepção e entendimento
do que eles realmente
significam. Se é certo
que os Espíritos
influenciam sobremodo as
ações e pensamentos dos
encarnados (Questão 459
de O Livro dos
Espíritos), não é menos
certo também que eles
respeitam e acatam as
suas determinações, em
face do livre-arbítrio
de cada um.
Constitui ponto pacífico
da doutrina que a
Espiritualidade não
interfere diretamente
nos problemas humanos,
ainda que estejam
relacionados com a
administração e
funcionamento das
Instituições Espíritas,
uma vez que, nelas, o
ônus e a
responsabilidade das
resoluções são da esfera
exclusiva dos
encarnados. Seus
conselhos, ensinamentos
ou intuições - a sua
influência acima
lembrada - obedecem
sempre a uma diretriz
eminentemente
descompromissada com
interesses ou opiniões
pessoais. Cabe aos
homens aceitá-los, ou
não. Destinam-se, antes
de tudo, a propiciar as
condições favoráveis à
assimilação e aplicação
dos postulados da ética
evangélica, condição
indispensável à
transformação da
paisagem terrena,
tornando a humanidade
mais solidária e
fraterna. Trata-se de
uma ação que se encontra
subjacente no objetivo
final do Espiritismo,
que se pode traduzir por
aquele consórcio de
todas as opiniões e a
união de todos os homens
“por um único
sentimento: o da
fraternidade, trazendo o
cunho da caridade
cristã”, conforme
preleciona Kardec. (O
Livro dos Médiuns, Cap.
XXIX, nº. 334.)
Isso implica uma
vigilância muito grande
por parte do médium, no
particular aspecto da
natureza e conteúdo da
comunicação. Ademais, é
de extrema importância
que se tenha sempre em
mente o perigo
representado pelos
falsos profetas e
Espíritos inferiores,
nos termos da
advertência de João (I.
4:1): “Amados, não
creiais em todo
Espírito, mas provai se
os Espíritos são de
Deus, porque já muitos
falsos profetas se têm
levantado no mundo”.
Por muito maior razão
essa vigilância não
exclui de seu círculo de
ação os destinatários
das comunicações.
O Codificador, no
discurso que pronunciou
em Lyon, a 19 de
setembro de 1860, em
agradecimento à
homenagem que seus
conterrâneos lhe
prestaram por ocasião de
sua visita à cidade
natal, deixou, como
advertência sempre atual
para todos quantos se
acham comprometidos com
o trabalho mediúnico, a
seguinte lição: “É
preciso, pois, não se
deixar levar pelas
aparências, tanto da
parte dos Espíritos
quanto dos homens. Ora,
confesso, esta é uma das
maiores dificuldades.
Mas, também, nunca se
disse que o Espiritismo
fosse uma ciência fácil.
Ele tem seus escolhos,
que só pela experiência
podem ser evitados. Para
não cair na cilada, é
necessário, de
princípio, guardar-se
contra o entusiasmo que
cega, o orgulho que leva
certos médiuns a se
julgarem os únicos
intérpretes da verdade.
É preciso tudo examinar
friamente, tudo pesar
maduramente, tudo
controlar; e, se se
desconfia do próprio
julgamento, o que por
vezes é mais prudente, é
preciso relatar a
outros, seguindo o
provérbio de que quatro
olhos veem mais do que
dois” .(Revista
Espírita, outubro de
1860, Edicel, SP ps. 318
e 319.)
Tais considerações nos
relembram um episódio
que nos foi contado por
velho companheiro de
lutas e de ideal, em uma
das nossas incontáveis
andanças pelo interior
do Estado de Minas
Gerais. O principal
dirigente de um Centro
Espírita resolveu erguer
mais um andar no imóvel
em que ele funcionava.
Um engenheiro,
consultado a respeito,
opinou negativamente,
pois se tratava de uma
construção muito antiga,
cujas fundações não
suportavam o peso da
obra. A ideia somente
poderia ser concretizada
mediante a edificação de
um novo prédio, a
começar por suas bases,
fato que se revelava
impossível por absoluta
falta de recursos
materiais e financeiros.
O dirigente, contudo,
não se deu por vencido.
Naquele instante,
julgava-se o porta-voz
da Espiritualidade, em
face de sua própria
condição na Diretoria da
Casa. Convocou os
médiuns de sua
confiança,
recomendou-lhes todo o
cuidado contra a ação
dos inimigos dos
trabalhos e deu início à
reunião mediúnica
especialmente dirigida a
afastar os empecilhos
espirituais para a
construção do segundo
andar do Centro. Finda a
sessão, três mensagens
psicografadas davam
conta de que o
engenheiro estava errado
e que os Espíritos
queriam a realização da
obra. Ele, o dirigente,
era apenas o
destinatário desse
desejo e agia sob os
seus mais iluminados e
radiosos influxos. Os
demais, inclusive o
engenheiro, estavam sob
a pressão dos Espíritos
inferiores!
Foi quanto bastou para
que o sonhado segundo
andar começasse a ser
levantado, apoiado em
inquebrantáveis
alicerces espirituais.
Certa noite, após a
reunião pública a que
compareceu considerável
número de pessoas, as
velhas e carcomidas
fundações não aguentaram
o peso da laje e ela
desabou, destruindo
praticamente todo o
Centro. Por sorte, a
casa já se achava vazia
e as consequências não
ultrapassaram os limites
dos danos materiais.
Diante disso, só resta
perguntar: Qual dos dois
“recados do além” estava
certo? O primeiro, em
forma de comunicação
encomendada, ou o
segundo, em forma de uma
ação resultante da
inexorável lei de causa
e efeito, que o
dirigente insistiu em
desconhecer e da qual
não se foge, “no Céu
como na Terra”,
parafraseando Allan
Kardec em O Céu e o
Inferno (Cap. VII, nº.
33)?