Dagmar Oliveira Mafei, de
Braço do Norte (SC),
pergunta por que nas orações
feitas pelos espíritas,
sobretudo na chamada Oração
Dominical, é utilizada a
frase “Assim seja”, em vez
de “Amém”.
Em primeiro lugar, é preciso
entender que a frase “assim
seja” é um dos sinônimos da
palavra “amém”.
Informa o dicionário
Aurélio, em sua versão
eletrônica:
“Amém
[Do hebr. amén, 'assim
seja', pelo lat. amen.] -
Interj. 1. Palavra litúrgica
de aclamação, que indica
anuência firme, concordância
perfeita, com um artigo de
fé; assim seja. S. m. 2.
Concordância; aprovação,
consentimento, anuência: 2
[Var. de âmen. Cf. amem, do
v. amar.] Dizer amém a:
Consentir em; aprovar; anuir
a; condescender com.
Assim seja: Amém.”
A palavra amém não
pertence à nossa língua. Ela
foi levada como uma palavra hebraica
para o Novo Testamento grego
e daí para as versões em
outras línguas. Procede
de um termo hebraico que
significa “apoiar” ou “estar
firme”. A partir dessa
ideia inicial, passou a ser
usada no sentido de
“verdadeiro, fiel, ou
certo”, como Paul Earnhart
explica em um interessante
artigo disponível na
internet no site
http://www.estudosdabiblia.net/200246.htm.
No âmbito das religiões
cristãs, a palavra amém
ora é usada seguida de ponto
de exclamação (“Amém!”), ora
seguida de ponto de
interrogação (“Amém?”), como
observa o Rev. André do
Carmo Silvério em um texto
disponível na internet, no
site
http://www.monergismo.com.
No meio espírita, talvez
para evitar o uso de uma
palavra claramente vinculada
à liturgia cristã, o
Codificador do Espiritismo
propôs, em lugar do vocábulo
“Amém”, a frase “Assim
seja”, primeiramente na
edição de agosto de 1864 da
Revista Espírita, quando fez
ali referência à Oração
Dominical. Mais tarde a
proposta apareceria no cap.
XXVIII da versão definitiva
de “O Evangelho segundo o
Espiritismo”.
Eis o que Kardec escreveu na
Revista Espírita:
“Vários de nossos assinantes
nos testemunharam o lamento
de não terem encontrado, em
nossa A Imitação do
Evangelho segundo o
Espiritismo (1),
uma prece especial, para
a manhã e a noite, para o
uso habitual.
Faremos notar que as preces
contidas nessa obra não
constituem um formulário
que, para ser completo,
deveria delas conter um
muito maior número. Elas
fazem parte das comunicações
dadas pelos Espíritos; nós
as juntamos, no capítulo
consagrado ao exame da
prece, como juntamos, a cada
um dos outros capítulos, as
comunicações que poderiam a
eles se relacionar.
Omitindo, de propósito, as
da manhã e da noite,
quisemos evitar de dar, à
nossa obra, um caráter
litúrgico; por isso nos
limitamos às que têm uma
relação direta com o
Espiritismo, cada um podendo
encontrar as outras nas de
seu culto particular.
Todavia, para obtemperar o
desejo que nos foi
manifestado, damos a seguir
a que nos parece melhor
responder ao objetivo que se
propôs. No entanto,
fá-la-emos preceder de
algumas observações para
fazer delas compreender
melhor a importância.
Em A Imitação,
n. 274, fizemos ressaltar a
necessidade das preces
inteligíveis. Aquele que
ora sem compreender o que
diz se habitua a dar mais
valor às palavras do que aos
pensamentos; para ele são as
palavras que são eficazes,
mesmo quando o coração nelas
não está por nada; também
muitos se creem quites
quando recitaram algumas
palavras que os dispensam de
se reformarem. É fazer-se
uma estranha ideia da
Divindade crer que ela se
paga com palavras antes do
que com atos que atestem uma
melhoria moral.
Eis, de resto, sobre este
assunto, a opinião de São
Paulo: ‘Se não entendo o que
significam as palavras,
serei bárbaro para aquele
com quem eu fale, e aquele
que me fale ser-me-á
bárbaro. Se oro numa língua
que não entendo, meu coração
ora, mas minha inteligência
está sem fruto. Se não
louvais a Deus senão do
coração, como um homem entre
aqueles que não entendem
senão a sua própria língua,
responderá Amém, ao
fim de vossa ação de graça,
uma vez que não entende o
que dissestes? - Não é que a
vossa ação de graça não seja
boa, mas os outros não estão
dela edificados.’ (São
Paulo, 1a. Ep. aos
Coríntios, cap. XIV, v. 11,
14, 16, 17.)
É impossível condenar de
maneira mais formal e mais
lógica o uso de preces
ininteligíveis.
Pode-se admirar que seja tão
pouco levada em conta a
autoridade de São Paulo
sobre esse ponto, desde que
ela é tão frequentemente
evocada sobre outros.
Poder-se-ia dizer outro
tanto da maioria dos
escritores sacros
considerados como as luzes
da Igreja, e dos quais todos
os preceitos estão
longe de serem postos em
prática.
Uma condição essencial da
prece é, pois, segundo São
Paulo, de ser inteligível, a
fim de que possa falar ao
nosso espírito; para isto
não basta que seja dita numa
língua compreendida por
aquele que ora; há preces em
linguagem vulgar que não
dizem muito mais ao
pensamento do que se
estivessem em língua
estrangeira, e que, por isso
mesmo, não vão ao coração;
as raras ideias que elas
contêm, frequentemente, são
abafadas sob a
superabundância das palavras
e do misticismo da
linguagem.
A principal qualidade da
prece é ser clara, simples e
concisa, sem fraseologia
inútil, nem luxo de epítetos
que não são senão enfeites
de lantejoulas; cada palavra
deve ter sua importância,
revelar um pensamento,
movimentar uma fibra; em uma
palavra, deve fazer
refletir; só com esta
condição a prece pode
alcançar seu objetivo, de
outro modo não é senão
ruído. Também vedes com que
ar de distração e com que
volubilidade elas são ditas
na maioria do tempo; veem-se
os lábios que se movimentam,
mas, pela expressão da
fisionomia, mesmo ao som da
voz, reconhece-se um ato
maquinal, puramente
exterior, ao qual a alma
permanece indiferente.
O mais perfeito modelo de
concisão com relação à
prece, sem contradita, é a
Oração dominical,
verdadeira obra-prima de
sublimidade em sua
simplicidade; sob a forma
mais restrita ela resume
todos os deveres do homem
para com Deus, para consigo
mesmo e para com o próximo.
No entanto, em razão de sua
própria brevidade, o sentido
profundo, encerrado nas
poucas palavras das quais
ele se compõem, escapa à
maioria; os comentários que
foram dados a esse respeito
não estão sempre presentes
na memória, ou mesmo são
desconhecidos da maioria; é
porque dizem-na, geralmente,
sem dirigir-se o pensamento
sobre as aplicações de cada
uma de suas partes, é dita
como uma fórmula cuja
eficácia é proporcional ao
número de vezes que é
repetida; ora, é quase
sempre um dos números
cabalísticos três, sete
ou nove, tirados da
antiga crença na virtude dos
números, e em uso nas
operações da magia.”
(Revista Espírita de agosto
de 1864.)
Dito isso, Kardec apresentou
o que considerou uma versão
ideal da Oração Dominical,
cujo fecho é o texto abaixo
transcrito:
“VII. Assim seja.
Praza a vós, Senhor, que
nossos desejos se cumpram!
Mas nós nos inclinamos
diante de vossa sabedoria
infinita. Sobre todas as
coisas que não nos é dado
compreender, seja feito
segundo vossa santa vontade,
e não segundo a nossa,
porque não quereis senão
nosso bem, e sabeis melhor
do que nós o que nos é útil.
Nós vos dirigimos esta
prece, ó meu Deus! por nós
mesmos, e por todas as almas
sofredoras, encarnadas e
desencarnadas, por nossos
amigos e nossos inimigos,
por todos aqueles que
reclamam a nossa
assistência. Pedimos sobre
todos a vossa misericórdia e
a vossa bênção.”
Texto idêntico, com a frase
“Assim seja” no lugar de
“Amém”, aparece em “O
Evangelho segundo o
Espiritismo”, cap. XXVIII, o
que responde à pergunta
formulada pelo leitor.
(1)
A Imitação do Evangelho
segundo o Espiritismo
foi o título inicial do
livro “O Evangelho segundo o
Espiritismo”, de Kardec,
publicado em 1864.
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