MILTON R.
MEDRAN MOREIRA
medran@via-rs.net
Porto Alegre,
Rio Grande do
Sul (Brasil)
O
Estado
teocrático
por
vias transversas
Muito tem-se
falado no
crescimento da
Igreja Universal
do Reino de
Deus, exportada
do Brasil para
praticamente
todos os países
da América
Latina e com
forte influência
também nos
Estados Unidos.
Pois, então,
imaginemos esta
hipótese: o
bispo Edir
Macedo recebe do
governo
americano uma
área em pleno
coração de Miami
e lá instala o
Estado da IURD.
Reconhecida a
soberania do
novo estado pela
ONU, Macedo, seu
chefe vitalício,
estaria
habilitado a
fazer tratados
com os demais
países do mundo.
Absurdo? Claro.
Impensável nos
tempos de hoje.
Seria o estado
teocrático,
regido por leis
religiosas, a se
valer das
prerrogativas
conquistadas
pela sociedade
laica e civil e,
por aí, se
imiscuindo, via
direito
internacional,
no ordenamento
jurídico de
outras nações.
Cada vez que um
acordo ou
tratado
internacional é
celebrado entre
um país
democrático e o
Estado do
Vaticano é mais
ou menos isso
que acontece.
Desde 1929, como
resultado do
Tratado de
Latrão,
celebrado entre
Mussolini e Pio
XI, um
território de
pouco mais de um
quilômetro
quadrado,
incrustado no
coração de Roma,
sede
administrativa
da Igreja
Católica,
constituiu-se em
nação
independente,
reconhecendo-se
no chefe daquela
Igreja poderes
políticos antes
exercidos sobre
os diversos
Estados
Pontifícios,
espalhados pela
atual Itália.
Se, naquele
momento, o
confinamento do
poder temporal
do Papa ao
minúsculo
território, era
um avanço no
processo de
laicização da
lei e do poder,
hoje, a simples
presença de um
estado
teocrático no
contexto do
direito
internacional
representa uma
incômoda
ingerência da
religião sobre a
política dos
povos. Um estado
teocrático,
embora
politicamente
institucionalizado,
é sempre um
estado
religioso,
regido não pelo
consenso dos
valores humanos,
mas por dogmas
imutáveis
impostos pela
fé.
Só às vésperas
de sua
apreciação pela
Câmara Federal é
que a opinião
pública teve a
atenção voltada
para o chamado
Estatuto
Jurídico da
Igreja Católica
no Brasil, um
acordo celebrado
entre Lula e
Bento XVI em
novembro do ano
passado. Por
meio dessa
concordata,
consagram-se
alguns
privilégios à
Igreja de Roma,
no campo do
ensino religioso
em escolas
públicas, no
reconhecimento
do casamento
religioso e sua
anulabilidade a
partir das leis
canônicas, na
isenção de
tributos a
ministros
religiosos e na
proteção pública
de bens da
Igreja.
Um tratado
internacional
celebrado entre
dois chefes de
Estado não pode
ser modificado
pelo
Legislativo. Ou
é aprovado ou
rejeitado
inteiramente. As
demais Igrejas
lideraram um
movimento de
rejeição,
alegando
privilégios a
uma crença em
detrimento das
outras. Para
resolver o
impasse,
criou-se,
ligeirinho, uma
outra lei,
batizada de Lei
Geral das
Religiões. O que
fez esta?
Simplesmente
estendeu a todas
as demais
Igrejas as
prerrogativas
concedidas ao
Estado do
Vaticano.
Dia 27 de agosto
último, em
votação
simbólica,
depois de
brevíssima
discussão, o
tratado
Lula/Bento XVI
foi aprovado na
Câmara. Antes da
votação, um
deputado
evangélico,
autor do projeto
de lei que
estende o acordo
às demais
Igrejas,
esfregava as
mãos, dizendo:
“Está tudo
acertado. Nós
aprovamos o
projeto deles e
eles aprovam o
nosso” (O Globo,
on-line – 27/8).
Quer dizer,
agora é assim:
privilégios
concedidos a uma
religião devem
ser dados a
todas as demais.
E como não há
limites e nem
critérios para a
criação de
Igrejas, a fé
volta a reinar
soberana,
ameaçando a
vigência dos
valores
humanistas e
republicanos. Na
prática, Igreja
alguma precisa
instituir um
Estado, como a
Santa Sé, para
garantir sua
presença na
formulação das
leis. É a volta
do Estado
teocrático por
vias
transversas. É
verdade que, uma
vez consolidado
o acórdão na
Câmara, resta a
esperança de que
o Senado o
barre. Uma bela
oportunidade,
aliás, de o
Senado Federal
começar a
resgatar sua
credibilidade
perante a
opinião pública
nacional.