“Jesus não veio
destruir a lei,
veio cumpri-la,
desenvolvê-la,
dar-lhe o
verdadeiro
sentido e
adaptá-la ao
grau de
adiantamento dos
homens” (O
Evangelho
segundo o
Espiritismo,
capítulo I,
p.55).
Alceu era um
jovem de
espírito
apaixonado e
vibrante. Não
fazia nada pela
metade, nem
entrava em
qualquer
empreitada sem
estar plenamente
convicto. Também
não empurrava
com a barriga,
ou era ou não.
Assim foi que
Alceu viveu toda
a sua juventude
sem optar por
essa ou aquela
religião, a
única coisa que
sabia era que
católico não
queria ser.
– Missa, padre,
confessar meus
pecados? Ah,
não! – pensava
para consigo.
A mãe, católica
devotada, o
tentava chamar
para a beleza do
apostolado do
Cristo, mas
quê!
– Rosário?
Ressurreição da
carne? Os
bilhões de
humanos que
habitaram a
Terra desde o
início um dia
vão voltar? Onde
vai caber todo
esse povo?
Não que Alceu
fosse de coração
ruim, muito pelo
contrário: era
extremamente
emotivo, tratava
os humildes com
simpatia e
carinho, idem
para com os
familiares. E,
entre beijos e
mordidelas na
bochecha fofa da
tia Mercedes,
que tanto olhara
por ele na
infância, ouvia
sem dar atenção
aos seus apelos
evangélicos:
– Vamos ao culto
com a tia, fio.
O pastor tem uma
oração muito
forte!
Em caridade e
respeito à tia,
recusava
educadamente.
Mas, em seu
interior, nada
mudava seu
conceito.
– Eles pensam
que Deus é
surdo? Tô fora!
Na faculdade,
uma amiga
oriental
comentou com ele
que frequentava
a Igreja
Messiânica, mas
com uma
filosofia
oriental baseada
no equilíbrio
entre o corpo e
o espírito.
– Mas a reunião
é em japonês?
Como é que eu
posso ter fé se
eu não entendo o
que está sendo
dito? Tô fora!
O tempo passou e
as dificuldades
naturais da vida
adulta pegaram
Alceu sozinho,
sem fé. O
emprego que não
vinha, depois o
cargo e o
salário bom que
não vinham, a
paixão que não
passava de três
meses, a solidão
jovem. Até que
um dia caiu-lhe
nas mãos um
exemplar de O
Evangelho
segundo o
Espiritismo.
Não que se
interessasse,
mas Kardec era
um nome
respeitado,
ouvira várias
referências
positivas a ele
entre os colegas
de faculdades,
embora
mantivesse
sempre sua
postura ‘fora’
de qualquer
escolha. Optara
por ler e qual
não foi a sua
surpresa com a
lucidez das
explicações de
Kardec sobre as
tão prolixas
passagens
evangélicas.
Mais: sentiu-se
envolvido em
estranha
compreensão a
respeito das
pessoas, e
julgou ter
entendido
finalmente a
mensagem do
Cristo. Passou a
frequentar o
Centro, estudou
O Livro dos
Espíritos,
fez o Curso de
Orientação
Espírita e
Mediúnica.
Quando a
espiritualidade
veio buscar sua
querida tia
Mercedes,
encontrou um
Alceu
entristecido,
mas
absolutamente
consolado.
Finalmente,
encontrava-se
‘dentro’ de uma
doutrina com a
qual concordava,
mas também se
mostrava,
justamente, o
ponto frágil de
seu espírito:
algo de soberbo
crescia dentro
de si ao
dizer-se
‘espírita’.
– Agora
compreendo o
sentido das
coisas, ao
contrário dos
católicos que
rezam
mecanicamente,
dos evangélicos
que acham que
tudo é coisa do
demônio e de
tantas seitas
dogmáticas que
existem por aí!
– pensava, com a
justa caridade
de não proferir
tal opinião em
público.
Assim viveu
Alceu até o dia
em que seu
mentor,
preocupado com a
rigidez dos
preconceitos do
seu tutelado,
resolveu que
seria um bom
momento para
darem um
passeio, durante
o desprendimento
do corpo
proporcionado
pelo sono.
– Aonde vamos,
amigo? –
questionou o
recém-desperto
Espírito de
Alceu.
– Vamos à
Igreja! –
convidou o
mentor,
simpaticamente.
– Ah, não, tô...
– Dentro, caro
Alceu. Hoje você
vai conhecer uma
missa por
dentro, como
nunca você viu
antes.
Em instantes,
encontravam-se
adentrando o
salão principal
de uma Igreja do
bairro, que,
naquela hora da
noite,
encontrava-se já
na penumbra, no
plano físico. No
plano
espiritual, no
entanto, qual
não foi a
surpresa ao
deparar-se com
inúmeras
entidades de
socorro
trabalhando como
enfermeiros e
médicos a uma
multidão de
Espíritos
sofredores que
ali procuravam
auxílio. A
movimentação
dentro da Igreja
era pelo menos
três a quatro
vezes maior de
desencarnados do
que os
encarnados que
iam à missa.
Viu, em uma
fila, pessoas
passando por um
“atendimento
fraterno”, no
qual desabafavam
suas dores e
recebiam
orientações do
irmão atendente;
em outro canto,
grupos de
Espíritos
aplicavam, pela
imposição de
mãos, passes
magnéticos.
– Sabe quem é
aquele ali, que
atende os
Espíritos
sofredores com
tanta atenção?
– Não senhor.
– É o padre.
Enquanto seu
corpo descansa,
seu espírito
trabalha.
Alceu estava
boquiaberto.
Como havia sido
injusto!
No dia seguinte,
sentiu uma
sonolência fora
do comum ao
chegar do seu
expediente, e
resolveu tirar
um cochilo,
antes da janta.
Seu mentor não
havia se dado
por satisfeito:
– Alceu, hoje
vamos ao culto
evangélico.
– Ah... tá bom –
aquiesceu desta
vez,
envergonhado de
sua ignorância.
Chegaram a uma
casa de oração
no horário em
que o culto
estava
começando, com
seus louvores
cantados a
plenos pulmões.
Alceu não pôde
deixar de
observar que as
pessoas que
louvavam ali
estavam
extremamente
concentradas, em
uma experiência
de fé tão
profunda como
jamais tinha
presenciado.
Observou ainda
que, conforme
iam cantando,
jorros de luz
azulada e
cristalina
desciam do céu,
banhando os
presentes em
renovada energia
espiritual. Mais
que isso,
percebeu que uma
nuvem viscosa e
escura saía da
boca de alguns
dos presentes,
conforme
cantavam, e
aquela energia
densa se
dissolvia em
contato com os
feixes
cristalinos.
Entendeu que o
cantar fazia com
que eles
mudassem seu
padrão
vibratório,
promovendo
verdadeira
limpeza
espiritual.
Quando o pastor
iniciou o culto,
havia mais
Espíritos
desencarnados
ouvindo a
palestra do que
o número de
encarnados, e
todos refletiam
sobre as
palavras daquele
homem, que
pregava o
ensinamento de
Jesus
apaixonadamente.
Imensa luz o
envolvia e
Alceu, com a
ajuda do mentor,
pôde perceber
que ele estava
mediunizado.
Junto de si,
Espíritos de
elevada
envergadura
moral o
secundavam no
discurso
inflamado.
– Vamos – disse
o mentor –,
tenho mais a lhe
mostrar.
– Já sei –
arriscou,
envergonhado –,
vamos à Igreja
Messiânica.
– Não, vamos
mais alto.
O mentor então
pegou Alceu pelo
braço e subiram,
volitando, a uma
altura que ele
podia ver quase
a cidade toda.
Olhou com
firmeza e pôde
ver, meio às
luzes da cidade
naquela noite
cálida, que
algumas casas
brilhavam
intensamente.
– Vê aquele
brilho ali? É
uma igreja
católica. Vê
aquele outro? É
um Centro
Espírita. Vê
aquele de lá? É
uma igreja
evangélica. Vê
aquele outro?
São Seicho-no-ie.
Quantos focos de
brilho intenso
consegue contar,
caro Alceu?
– Mais de
duzentos, eu
acho, caro
amigo.
– E aqueles
pontos menores,
vês? São pessoas
em oração.
Ninguém sabe
quais são suas
religiões, mas
elas são ouvidas
pela
espiritualidade,
que enxergam sua
fé –
complementou o
mentor.
Alceu voltou do
cochilo sem
lembrar-se
exatamente de
todo o passeio.
Intimamente,
porém, passou a
considerar com
muito mais
respeito a
importância de
cada religião,
ainda que o
Espiritismo
fosse aquela que
mais oferecesse
em entendimento,
àqueles que têm
fome de
entendimento.