DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
Perante
os hipócritas
Será que devemos nos
omitir ante o erro da
hipocrisia? Será que
neste mundo, por não ser
perfeito, o homem não
pode se queixar de
alguém? O que dizem os
Espíritos a esse
respeito, à luz da sua
Doutrina, sabedores de
que Jesus recomendara o
“não julgueis a fim de
que não sejais julgados”?
Disse ainda aos escribas
e fariseus: “Aquele que
não tiver pecado, que
atire a primeira pedra”,
quando do episódio da
mulher adúltera (João,
8:3-11). (1)
Graças aos Espíritos,
podemos entender o que
quis dizer Jesus nas
mencionadas frases, do
seguinte modo: ao nos
queixarmos do próximo,
ao difundir suas falhas,
impomos a nós próprios o
dever de nos mostrarmos
e nos mantermos
condignos do mérito que
julgamos possuir. Quem
aponta os defeitos de
alguém tem de
necessariamente possuir
mais virtudes que ele,
embora neste mundo seja
difícil alguém possuir
todas as qualidades
morais no mais alto grau
da escala de valores
espirituais.
É claro! Nosso planeta,
como todo espírita sabe,
não passa de um sítio de
provas e expiações que,
segundo o Amigo
Espiritual, Irmão
Tupinambá, um dos
Mentores da nossa Casa,
a Feap (Fraternidade
Espírita
Aurora da Paz),
“é um imenso hospital
onde um enfermo costuma
criticar a doença do
outro”... Entendam-se
aqui por enfermos
os doentes da
alma. Doentes não
são só aqueles que
sofrem dos males do
corpo físico, e uma das
maiores doenças daqui é
a de não só ver as
falhas alheias,
mas a de torná-las
públicas pelo simples
prazer de divulgá-las; é
a conhecida fofocagem,
ou intriga, ou
bisbilhotice que costuma
denegrir reputações.
Um grande defeito
No décimo capítulo de
O Evangelho segundo o
Espiritismo, item
10, lê-se: “Um dos
defeitos da Humanidade é
ver o mal de outrem
antes de vê-lo em nós”.
“Para julgar-se a si
mesmo, seria preciso
poder olhar-se num
espelho, transportar-se
de alguma forma, para
fora de si, e se
considerar como uma
outra pessoa,
perguntando-se: Que
pensaria eu se visse
alguém fazer o que faço?”,
comentou Allan Kardec.
É... Mas, às vezes,
temos mesmo obrigação de
apontar a falta alheia.
Consultando ainda este
guia seguro, O
Evangelho,
encontramos uma outra
mensagem, a do
Espírito São Luís, no
mesmo capítulo, item 19.
Diz S. Luís que todos
temos o direito de
repreender o próximo,
uma vez que cada um deve
trabalhar para o
progresso coletivo; no
entanto, afirma:
“Repreender com
moderação, com um fim
útil, e não como se faz,
geralmente, pelo gosto
de denegrir”. Conforme o
Mentor de Kardec,
deve-se corrigir o mal
no próximo, mas com
bastante prudência,
objetivando ajudar para
não acarretar prejuízos
a terceiros. Devemos
repreender, mas com
moderação, de acordo com
o Mentor.
Então é um dever
desmascarar o hipócrita
antes que possa causar
danos a muitos? Sim! O
espírita sincero jamais
contemporizará com a
manifestação das falsas
virtudes, exercendo ele
próprio o decoro em
quaisquer momentos da
sua vida, honrando
compromissos com os seus
irmãos e,
principalmente, com
aqueles mais próximos,
consoante ensinamentos
de Jesus.
O Mestre não transigiu
em tempo algum com a
hipocrisia. A prova é
tanta que usou de todo o
rigor com os escribas e
fariseus,
considerando-os modelo
de hipócritas. (2)
Apesar disso,
Jesus foi indulgente com
as “pessoas de má vida”,
com o “bom ladrão”,
especialmente com
aqueles que O
insultaram, condenaram
na cruz, dando a
entender que ser
hipócrita é pior que ser
criminoso, que ser
adúltero.
Somente para os outros
Hipócritas mostram-se,
em geral, afáveis, com
voz macia, parecendo
evoluídos, capazes de
transmitir grandes
ensinamentos de púlpito
para os seus iludidos
circunstantes. São
adeptos daquele
conhecido princípio:
“Faze o que eu mando,
mas não faças o que eu
faço”,
quer dizer, perdão,
fraternidade, igualdade,
caridade, humildade e
decência são somente
para outros... Sim, suas
pretensões os enceguecem
de uma forma tal que, no
momento em que levantam
a voz, transformam-se em
talentosos atores ou
atrizes, a ponto de
representarem um
personagem imaculado, de
uma impressionante e
comovente dramaticidade.
Dividamos agora os
hipócritas em duas
categorias. Dividamo-los
em duas categorias
distintas: (a)
hipócritas-egoístas; (b)
hipócritas-vaidosos. Os
da categoria a,
os egoístas, são
uma espécie de impostor
que “gosta de levar
vantagem em tudo”,
aproveitam-se da sua
farsa para satisfazer
seus egoísticos
interesses mundanos. Os
da categoria b,
isto é, os vaidosos,
são aqueles que desejam
mais, a qualquer custo,
merecer a admiração de
todos, o destaque, o
brilho, tendo todo o
cuidado de aparentar
desinteresse, modéstia.
Não é fácil desmascarar
estes últimos.
Diferentes dos da
categoria a que,
se descobertos, não
dão a mínima para o que
pensem deles, estes
últimos, ocultos atrás
da máscara da
pseudomodéstia, fazem-se
de vítima. Só pessoas de
uma certa maturidade do
senso moral é que têm
mais facilidade de
entender-lhes os
propósitos, de
divisar-lhes a
arrogância maquiada de
simplicidade. Pois é, os
dessa categoria são os
hipócritas dos
hipócritas, os mais
difíceis de acusar o
fundo das intenções. Ao
contrário dos da
categoria a, se
revelados, não poupam
esforços para revertério
de um quadro
desfavorável como se o
destino os tivesse feito
sucumbir a uma grande e
injusta
tragédia. (Esta
categoria, de algum
modo, tem muito a ver
com os antigos escribas
e fariseus, os que
tinham Jesus por
inimigo.)
Vale ressaltar, no
entanto, que tais
qualidades podem até se
resumir em uma ou em
outra categoria, sendo
ambas as espécies de
hipócritas por demais
parecidas. Esforçando-se
por realizar obras
benemerentes, eles têm
boas palavras, frases
que impressionam para
que os outros pensem que
são realmente bonzinhos,
caridosos, justos e
acima de qualquer
suspeita. No íntimo, num
ou noutro caso, eles
sempre ambicionam
algo... Os hipócritas
não passam de pessoas
sem nenhuma seriedade e,
de contínuo, não têm
palavra, é claro, como
todo bom impostor que se
preze. Ainda que ajudem
asilos, hospitais, os
pobres com a cesta
básica, o agasalho, a
cadeira de rodas, o
enxoval de bebê da mãe
solteira etc., no fundo,
vivem de uma impostura.
Concluindo: temos de
combater o mal, sim,
sem, contudo, oprimir,
esmagar quem o pratica,
caso contrário estaremos
automaticamente a
incorrer em contradição.
O bom senso manda
admoestar sem difamar
para não expandir
sentimentos de vingança,
mesmo que alguém tenha
feito por onde.
Hipócritas de qualquer
setor humano, sobretudo
o religioso, podem
iludir os homens;
todavia, jamais a Deus
que tudo vê e sabe o que
se passa no fundo do
coração de cada um de
nós. É pela árvore
que se conhece os frutos...
Notas:
(1) Allan
Kardec,
O
Evangelho
segundo o
Espiritismo,
62. ed. São Paulo, Lake
— Livraria Allan
Kardec Editora, 2001,
capítulo 10ọ,
item 11 a 13.
(2) Do jeito como andam
as coisas no âmbito das
religiões e seitas
ocidentais, é muito
provável que, se Jesus
voltasse mesmo ao mundo
como esperam escribas,
fariseus e saduceus de
hoje que, por ironia do
destino, se intitularam
“cristãos”, com certeza,
Ele seria muito mais
severo.