JOANA ABRANCHES
joanaabranches@gmail.com
Vitória, Espírito Santo
(Brasil)
Quem tem medo do
Papai
Noel?
É Natal.
Na Evangelização, tudo
pronto para a festinha
de fim de ano.
Brinquedos, roupas e
guloseimas serão
distribuídos à criançada
em clima de muita
animação. Poesias,
teatrinhos e cânticos,
tudo planejado pra
celebrar o nascimento do
menino Jesus.
Mas na hora de concluir
a programação, alguém
sugere que um Papai
Noel, caracterizado por
algum companheiro de
boa-vontade, faça uma
entrada surpresa e passe
uma mensagem de estímulo
ao bem, distribuindo
depois os presentes.
A sugestão cai feito uma
bomba! Imediatamente o
espírito natalino sai de
cena e começa a
brigalhada. Que
ousadia!... Como
permitir que o símbolo
capitalista do
consumismo selvagem
adentre o recinto
“sagrado” da Casa
Espírita e “substitua” o
aniversariante, que deve
ser o centro das
atenções?!?...
E quem falou em
substituição? E quem
falou que criança fica
elucubrando sobre os
porquês ideológicos
desta ou daquela
personagem? Criança
gosta de cor, movimento,
carinho e fantasia; da
energia gostosa do
sentimento de amor,
facilmente detectada
pelo coraçãozinho
infantil.
Quem pensa que é fácil
conquistar uma criança
para que vá à Casa
Espírita por prazer, e
não por obrigação, está
muito enganado. Para que
isto aconteça é
necessário estimular,
entre outras coisas, a
fantasia e a imaginação.
Usar todos os elementos
disponíveis a nosso
favor. E aqueles que
insistem em sustentar a
velha metodologia
insossa e monótona, e
que acham não haver
problema algum em os
pequenos irem, hoje
obrigados, porque
amanhã, ao amadurecer,
serão espíritas
militantes e agradecidos
pela “evangelização”
forçada que receberam,
esqueçam. As mocidades
espíritas (termo, aliás,
ultrapassado, que já
deveria ter sido
substituído há muito
tempo) estão vazias. Na
pré-adolescência a turma
já começa a se evadir, e
não tem “santo
espíritólico” que dê
jeito.
Mas voltemos ao Bom
Velhinho. Não é segredo
a ninguém que, assim
como o Dia das Mães –
criado com nobres
objetivos - foi
deturpado e explorado
comercialmente, deu-se o
mesmo com outras datas e
também com o velho Noel,
originado da sensível
iniciativa de um homem,
em determinada região
europeia, que resolveu
homenagear Jesus
proporcionando alegria
às crianças das
redondezas, por meio da
distribuição de
presentes na noite de
Natal. Virou lenda e,
como quase tudo na
sociedade pós-moderna,
foi transformado em mais
um “garoto propaganda”
pelo capitalismo de
plantão.
A solução é expulsá-lo
da Casa Espírita? É
negá-lo, quando lá fora,
queiramos ou não, neste
período ele se torna
parte integrante do
universo infantil? É
discursar sobre a sua
promiscuidade consumista
a crianças cujos
olhinhos brilham quando
veem a sua figura
estampada ou
caracterizada em todos
os lugares aonde vão?
Não seria mais
inteligente utilizá-lo
como mais um recurso
pedagógico, para que as
crianças percebam o
espírito de generosidade
que os ensinamentos do
Mestre despertam nas
pessoas? Ao condená-lo,
estamos condenando a
generosidade. Ao
resgatá-lo em sua
essência, valendo-nos
dele como elemento
motivador, revertemos a
lógica materialista do
presente, por si só,
para a lógica do
sentimento de amor que
inspira a doação em
todos os sentidos. Aí
estaremos a viver no
mundo, com a pureza que
possa “santificar” os
nossos atos de cada dia,
ou seja, fazendo a
diferença dentro do que
já existe, como nos
recomenda O Evangelho
segundo o Espiritismo,
na página “O Homem no
Mundo”.
Mas, se o negócio é
abolir o fantasioso, por
que não abolimos também
a Branca de Neve, a
Cinderela, o Visconde de
Sabugosa, a Emília?...
Se o negócio é
transformar a criança em
um miniadulto, mãos à
obra! Façamos serviço
completo. Roubemos-lhe o
direito ao imaginário,
ao lúdico, à esperança,
abrindo mão da ternura
que acolhe e atrai em
nome de um radicalismo
duro e frio que só
afasta. Mas amanhã, não
nos lamentemos pela
falta de trabalhadores
amorosos e fraternos em
nossas fileiras.
Sejamos coerentes.
Excluímos o gorducho e
bonachão velhinho, mas
não nos incomoda manter
adereços simbólicos,
como o pinheiro, as
luzes e outros; nem a
tradição dos presentes
distribuídos sem nenhuma
culpa.
E nada mais natural!...
Afinal, estamos
encarnados. Já abolimos
os exageros, a
comemoração material
pura e simples; mas além
da comemoração
espiritual a que já nos
propomos, o convencional
ainda faz parte da nossa
forma humana de
comemorar. Por que não
admitir que ainda nos
faz bem enfeitar e
iluminar os nossos lares
para homenagear aquele
que nos veio trazer o
presente maior... a luz?
E dizem os Espíritos que
nesse período até “o
outro lado” fica mais
bonito... Só que
adornado pelas nossas
vibrações mentais, que
se tornam mais leves e
fraternas. A cada plano,
pois, a decoração
condizente.
Afinal, de que temos
medo, se o que fazemos
durante o ano inteiro,
como educadores
espíritas, é mostrar a
importância maior dos
bens espirituais em
detrimento dos bens
materiais? Ao que me
consta, faz parte das
nossas reflexões junto
às crianças a
valorização do ser e não
do ter; a
exemplificação, no lar e
na Instituição, de que
embora os presentes
sejam uma demonstração
de carinho, não são mais
importantes que os
sentimentos ou do que a
forma como tratamos as
pessoas diariamente.
Temos trabalhado o Natal
de Jesus da forma
correta? Refletido junto
aos nossos pequenos
sobre a necessidade do
seu nascimento cotidiano
dentro dos nossos
corações, através da
simplicidade dos
hábitos, do cultivo das
virtudes e do
desprendimento dos bens
terrenos? Temos
demonstrado, pela forma
de viver, que os
Shoppings podem ser
visitados e curtidos de
vez em quando, mas que
não é essencial para a
nossa felicidade “nos
mudar” pra lá e consumir
todos os objetos que as
vitrines oferecem? Temos
criado filhos
conscientes da sua
realidade de Espíritos
imortais com direito a
um patrimônio muito
maior que uma roupa de
marca? Temos levado,
sobretudo aos mais
carentes, a consciência
plena de que a pobreza é
transitória, que
autoestima independe de
poder aquisitivo e
dignidade nada tem a ver
com classe social? Em
nosso núcleo espírita a
evangelização é uma só,
em horário único,
integrando os nossos
filhos e os filhos das
famílias assistidas pelo
departamento
assistencial, sem nenhum
traço discriminatório?
Há um ditado popular que
diz: “Angu de um dia não
engorda cachorro...” Se
no dia a dia procuramos
cumprir bem o nosso
papel de educadores do
espírito, não será a
presença de mera
personagem de ficção, em
uma determinada data
especial, que irá abalar
as convicções
espirituais de nossas
crianças. Só quem não se
garante em termos de
conteúdo doutrinário e
exemplos cotidianos é
que tem motivos para
temer a presença do
“famigerado” Papai Noel
na festinha de Natal do
Grupo Espírita.
Ah, companheiros,
reflitamos!... Pra que
temer algo tão banal?...
Nossos medos bem que
poderiam e deveriam ser
outros... Medo de perder
a sensibilidade, a
capacidade de amar, de
demonstrar afeto... Medo
de perder a alegria
de levar alegria.
Talvez assim nos
libertássemos, de vez,
da mais insana das
temeridades... O medo
maior de ser feliz pelo
simples fato de - sem
nos importar com
“embalagens” -
distribuir felicidade em
nome de Jesus!