ANSELMO FERREIRA
VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)
Auto-observação: dever
cívico e espiritual
De maneira incisiva,
Jesus Cristo nos
recomendou destruir em
nós todas as causas de
escândalo, isto é, todo
o mal. Ou seja: “Se
tua mão direita te serve
de causa de escândalo,
corta-a e lança-a fora
de ti; porque melhor te
é que se perca um de
teus membros, do que
todo o teu corpo ir para
o inferno” (Mateus,
5: 30).
E uma maneira eficaz de
descobrirmos o mal que
ainda há em nós é
através da atenta
observação do nosso
comportamento cotidiano.
Nesse sentido, o
inolvidável médium
Francisco C. Xavier, no
livro O Evangelho de
Chico Xavier,
ponderou que o mal que
está presente na
criatura humana decorre
de suas próprias
tentações. Na essência,
“Ninguém nos tenta: nós
é que somos tentados por
nós mesmos...”.
O pensamento de Chico
Xavier estava
absolutamente
identificado com o do
apóstolo Tiago, quando
este asseverou que
“... cada um é tentado,
quando atraído e
engodado pela sua
própria concupiscência”
(1: 14). Grosso
modo, concupiscência
denota grande desejo por
gozos ou coisas de
natureza material e que
sempre nos afastam das
do espírito. Posto isto,
o Espírito Ermance
Dufaux, no livro
Receitas para a Alma,
nos conclama a
examinarmos
periodicamente nosso
desempenho no que
concerne à iluminação da
nossa consciência.
No mesmo diapasão, o
Espírito Emmanuel, na
obra Pão Nosso,
acrescenta que “Há um
esforço iluminativo para
o interior, sem o qual
homem algum penetrará o
santuário da Verdade
Divina”. Portanto,
os desafios que nos
competem, nesse
particular, são os de
compreendermos e de nos
adaptarmos às verdades
celestiais. Afinal,
tendemos ao péssimo
hábito de amoldar a
verdade às nossas
conveniências.
Considerando que o nosso
comportamento é o
espelho da nossa alma, o
que irradiamos do nosso
interior? Segundo o
Espírito Lancellin, na
obra Cirurgia Moral,
em vez de despendermos
tempo propagando
maledicências, por que
não empregá-lo na
auto-observação a fim de
melhorarmos nossas
emissões espirituais?
Assim, se temos
dificuldades por onde
começar, por que, então,
não analisarmos o nosso
comportamento à luz dos
chamados sete pecados
capitais, a saber:
avareza, gula, ira,
inveja, luxúria,
preguiça e vaidade.
Ao que nos consta, muito
poucos Espíritos
presentemente encarnados
podem afirmar que já
superaram tais
deficiências da alma.
Para Lancellin, “Todos
temos uma conduta.
Entretanto, isto não
basta, sendo necessário
que tenhamos uma vida
reta”. Assim sendo,
algumas indagações devem
ser formuladas e
respondidas com toda a
sinceridade que
possuímos. Por exemplo,
cumpro meu papel
como cidadão
(aliás, cabe frisar que
o conceito de cidadania
abrange importante
conquista humana,
inclusive espiritual)?
No ranking da
corrupção de 2009,
produzido pela ONG
Transparência
Internacional, ocupamos
a 75ª posição com nota
3,7 numa lista de 180
países (A Nova Zelândia
é o menos corrupto, com
nota 9,4). Como sabemos,
a existência de
corrupção provoca graves
deficiências no
funcionamento da
sociedade e substancial
atraso na marcha do
Espírito. Outra pesquisa
recentemente realizada
pelo instituto Datafolha
trouxe a lume resultados
deveras decepcionantes
quanto ao tópico sob
apreço. Ou seja, 13% dos
ouvidos pelo instituto
admitem ter trocado o
voto por emprego,
dinheiro ou presente.
Isso significa
aproximadamente um
contingente de 17
milhões de pessoas num
universo de 132 milhões
de eleitores.
Além disso, 33% dos
brasileiros concordam
com a ideia de que não
se faz política sem
um pouco de corrupção.
Tal percepção revela que
uma boa parte da
população tem uma
bússola moral, no
mínimo, desajustada.
Outros resultados são de
causar apreensão: para
92%, há corrupção no
Congresso e nos partidos
políticos, e para 88% –
pasmem –, na Presidência
da República e nos
ministérios. Ora, como a
nação pode progredir se
se vota em políticos com
ficha ética tão
maculada? Como se pode
avançar no campo
legislativo se
escolhemos gente desse
jaez? Por outro lado,
31% já colaram em provas
ou concursos e 68% já
compraram produtos
piratas. No geral,
portanto, a necessidade
de auto-observação é
fundamental.
Mas outras questões do
nosso comportamento
cotidiano merecem
igualmente reflexão,
tais como: sou educado
no trato com os outros?
Afinal, hoje em dia é
notória a generalizada
falta de cordialidade.
Sou desprendido?
Lembremos da avareza e
do fato de que não
levaremos nada de
material para a vida
espiritual. Só busco o
meu interesse
particular? A chamada
Lei de Gerson é um
fenômeno cultural
nacional. Honro meu pai
e minha mãe? Muitos só
lembram dos pais quando
necessitam de algo. Ouço
meus filhos e me
interesso pelos seus
problemas? Como abundam
os sinais de perigo na
atualidade, talvez nunca
tenha sido tão crítico o
papel dos pais na
história da humanidade.
Ermance Dufaux, por sua
vez, sugere questões
muito pertinentes, tais
como: “Alguém tem
algo a se queixar de
mim?” Ou ainda, no
mesmo padrão, “Que
posso fazer para ser
mais útil?” De modo
geral, tendemos a nos
concentrar em nossas
necessidades esquecendo
as dos outros. A
referida mentora propõe
também analisarmos o
seguinte: “Estou
zelando pelo meu corpo
físico?” Hoje
sabemos perfeitamente o
que devemos e o que não
devemos fazer. Mas uma
questão merece especial
atenção: “Como
estaria na vida
espiritual se a morte me
visitasse hoje?”
Chegaremos lá em que
condição? Em suma, meu
comportamento está
sintonizado com o que se
espera de um cristão?
Lancellin nos recorda
que o hábito da prece
nos dará forças
para corrigirmos as
nossas faltas, “sejam
elas quais forem”.
Mas pedimos a Deus que
nos ilumine quanto aos
nossos erros? Afinal,
não adianta só pedir
ajuda e assistência para
as coisas do cotidiano.
Por fim, Lancellin nos
conclama a acertarmos a
nossa vida com a vida do
Mestre, para que se
façam as correções
necessárias.
Ao pensarmos sobre o
dever da
auto-observação,
imediatamente nos
recordamos da história
do leproso Tanalli,
narrada pelo Espírito
Miramez, no livro
Francisco de Assis.
Em poucas palavras, o
autor espiritual relata
que em Rivotorto havia
um impressionante
hospital de leprosos. E
em certa ocasião, Frei
Pedro e Paulo foram para
lá a pedido de Francisco
de Assis. Mas um dos
pacientes, cujo nome era
Tanalli, começou a
blasfemar contra Deus e
Cristo, bem como a
lançar toda a sorte de
impropérios contra os
solidários visitantes e
o próprio Francisco.
Como paciência tem
limite, em dado momento,
Frei Pedro, sem o
consentimento do doente,
colocou-o nos ombros e
levou-o onde se
encontrava Pai
Francisco. Ao vê-los, a
primeira reação de
Francisco foi de
desaprovação. Mas como
as almas de escol têm
uma capacidade de
autocrítica
elevadíssima, Francisco,
caindo em si, rogou o
perdão de todos. Em
seguida, “... tomado
de amor pelo leproso e
com profunda humildade,
beijou-lhe o rosto como
se fosse de sua própria
mãe”. Não bastasse
isto, revelando o mais
acendrado amor por um
semelhante, despiu
Tanalli e beijou-lhe as
chagas pustulentas como
se fizesse a um ente
muito querido.
Francisco ainda
falou-lhe com um
profundo sentimento de
compaixão e orou ao Pai.
Sob aquele clima de
fraternidade ambos
choram. Pediu aos
companheiros que
trouxessem uma gamela
com água morna e três
rosas e solicitou-lhes
que rezassem. Logo
sentiu que alguém lhe
tomou as mãos dizendo: “Francisco,
cuida destas minhas
ovelhas, elas são filhas
do Calvário, agredidas
pelos seus próprios
destinos”. Posto
isto, “Francisco foi
passando as suas mãos no
corpo do leproso e todas
as feridas foram se
fechando como por
encanto”.
Tanalli passou a ser
chamado de Frei Aprígio.
Passou muito tempo
pregando o Evangelho com
Pai Francisco. Mas no
ano de 1250 ele sentia
que a sua alma ainda
precisava de reparos.
Embora tivesse adquirido
o hábito de rezar,
percebia que “... o
animal violento e
orgulhoso ainda vivia”.
Num dos maiores
exemplos de
auto-observação que
tivemos notícias, certa
noite, perto de Lecce,
pediu a Deus que se as
chagas da lepra
retornassem, ele seria o
homem mais feliz da
Terra porque somente ela
poderia arrancar do seu
coração o orgulho e a
violência que ele
carregava de priscas
eras.
No dia seguinte, quando
acordou, Frei Aprígio
voltava a ser Tanalli, o
leproso de Rivotorto.
Seis anos depois morreu,
agradecendo a Deus e a
Cristo pela bênção da
lepra, que o fizera
expurgar do imo da alma
o orgulho e a violência.
Concluindo com Lancellin,
“... é justo que
façamos uma cirurgia
moral em nós mesmos, em
nosso comportamento...”