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Crônicas e Artigos
Ano 3 - N° 142 - 24 de Janeiro de 2010

FRANCISCO REBOUÇAS
costareboucas@ig.com.br
Niterói, Rio de Janeiro (Brasil)

 

A interpretação espírita


Foi, através do Espiritismo, que aprendemos a amar a Deus e não mais a temê-lo como tememos hoje os grandes malfeitores inimigos da ordem e da paz, que insistem por pura ignorância na causa do mal, infringindo as Leis e provocando perturbações à sociedade. 

Esclarece-nos nossa abençoada doutrina que, estando acima de tudo, Deus é infinito em suas perfeições, e, sendo assim, é impossível que tenha qualquer traço de maldade, de ira ou intolerância para com qualquer de seus filhos, e mais, ainda nos apresenta como sendo nosso Pai, de infinito amor, bondade, sabedoria e justiça. 

O Deus, que hoje conhecemos e amamos, é inteiramente diferente de tudo quanto já nos haviam apresentado antes nas diversas correntes religiosas em que estagiamos em tempos passados. Sendo Deus o eixo de todas as crenças religiosas e o objetivo de todos os cultos, o caráter de todas as religiões é dado conforme a interpretação daqueles que a professam e ensinam.  

Há religiões que fazem de Deus um ser vingativo e cruel, julgam honrá-lo com atos de crueldade, com fogueiras e torturas; as que têm um Deus parcial e cioso são intolerantes e mais ou menos meticulosas na forma, por crerem-no mais ou menos contaminado das fraquezas e ninharias humanas. 

O Espiritismo, ignorado e combatido, por ser desconhecido em sua essência da grande maioria dos seus detratores, ensina-nos a amar e compreender a tantos quanto nos acusam de feitiçaria, magia-negra, e outros adjetivos menos dignos de um cristão, e nos impulsiona para frente e para o alto, na certeza de que cedo ou tarde sua filosofia de vida será adotada por todos quantos queiram seguir o Mestre de Nazaré.  

Não nos arvoramos em anunciar que somos os únicos certos na interpretação das mensagens do Cristo, pois compreendemos que a todos facultou Deus a bênção da inteligência para meditar, analisar e discernir tanto quanto nós espíritas, e, por conseguinte, sabemos perfeitamente respeitar todas as interpretações dos nossos irmãos de outras correntes religiosas, embora nem sempre concordemos com tais interpretações, mesmo daqueles que não nos dão o direito de raciocinarmos por nós mesmos, e tentem incutir em nós suas visões das mensagens cristãs, como se não fôssemos capazes de tirar nossas próprias conclusões dos ensinos contidos nos evangelhos. 

Agem sob o véu do pseudoconhecimento das escrituras, e não reconhecem em mais ninguém a capacidade de entender as narrativas evangélicas; nem por isso temos o direito de agir da mesma forma, pois, se assim procedêssemos, não estaríamos seguindo as diretrizes espíritas fundamentadas no Evangelho de Jesus, que nos resumiu as Leis e os profetas em apenas dois mandamentos: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”, e ninguém ama a seu próximo, sem respeitá-lo em seu mais sagrado direito que é o de pensar livremente. 

Segue um pequeno trecho contido na Gênese, capítulo I, item 29, sobre esse assunto:  

29. “Mas, quem toma a liberdade de interpretar as Escrituras Sagradas? Quem tem esse direito? Quem possui as necessárias luzes, senão os teólogos? Quem o ousa? Primeiro, a Ciência, que a ninguém pede permissão para dar a conhecer as leis da Natureza e que salta sobre os erros e os preconceitos. Quem tem esse direito? Neste século de emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame pertence a todos e as Escrituras não são mais a arca santa na qual ninguém se atreveria a tocar com a ponta do dedo, sem correr o risco de ser fulminado. Quanto às luzes especiais, necessárias, sem contestar as dos teólogos, por mais esclarecidos que fossem os da Idade Média, e, em particular, os Pais da Igreja, eles, contudo, não o eram bastante para não condenarem como heresia o movimento da Terra e a crença nos antípodas. Mesmo sem ir tão longe, os teólogos dos nossos dias não lançaram anátema à teoria dos períodos de formação da Terra? 

Os homens só puderam explicar as Escrituras com o auxílio do que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da Natureza, mais tarde reveladas pela Ciência. Eis por que os próprios teólogos, de muita boa-fé, se enganaram sobre o sentido de certas palavras e fatos do Evangelho. Querendo a todo custo encontrar nele a confirmação de uma ideia preconcebida, giraram sempre no mesmo círculo, sem abandonar o seu ponto de vista, de modo que só viam o que queriam ver. Por muito instruídos que fossem, eles não podiam compreender causas dependentes de leis que lhes eram desconhecidas. 

Mas quem julgará das interpretações diversas e muitas vezes contraditórias, fora do campo da teologia? O futuro, a lógica e o bom senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos, à medida que novos fatos e novas leis se forem revelando, saberão separar da realidade os sistemas utópicos. Ora, as ciências tornam conhecidas algumas leis; o Espiritismo revela outras; todas são indispensáveis à inteligência dos Textos Sagrados de todas as religiões, desde Confúcio e Buda até o Cristianismo. Quanto à teologia, essa não poderá judiciosamente alegar contradições da Ciência, visto como também ela nem sempre está de acordo consigo mesma.” (1)  

Por tudo isso, que a Doutrina Espírita nos ensina, sigamos a mensagem Cristã, na ótica do Espiritismo, pois não cremos que Jesus seja conivente com a falta de respeito e caridade com nosso irmão em crença, simplesmente por exercer seu direito de interpretar seus ensinos de forma diferente da que interpretamos, e que se realmente quisermos mostrar que o estamos seguindo, amemo-nos cada vez mais conforme suas afirmações de que “seus discípulos seriam reconhecidos por muito se amarem”.

 

Referência:

(1)  A Gênese – cap. I, item 29.


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita