Manuel Portasio:
“O Espiritismo é
a minha
fortaleza
inquebrantável”
O estudioso e
palestrante
espírita
paulista, que
mora desde 2005
em Londres, fala
sobre o
movimento
espírita inglês
e
outras
questões
doutrinárias
|
Na edição desta
semana temos a
alegria de
apresentar a
entrevista com o
caro confrade
Manuel de
Oliveira
Portasio Filho
(foto).
Trabalhador
incansável na
seara espírita,
Manuel é também
sinônimo de
simpatia e
dedicação, o que
é reconhecido
por aqueles que
o conhecem. Dono
de uma voz mansa
e de uma
capacidade
incrível de
repassar os
ensinamentos
espíritas, é
trabalhador do
Solidarity
Spiritist Group,
de Londres, onde
vive há cinco
anos. Nesta
entrevista ele
nos fala, entre
outros assuntos,
sobre suas
preferências
literárias,
sobre seu ponto
de vista sobre
questões
relevantes da
Doutrina
Espírita e
declara seu amor
pela
|
obra
Paulo e Estêvão.
O Consolador:
Onde você
nasceu?
Em São Paulo,
Capital, ao
tempo em que
ainda era a “São
Paulo da garoa”,
nos idos de
agosto de 1951.
|
O Consolador:
Onde reside
atualmente?
No Norte de
Londres, a
capital do Reino
Unido.
O Consolador:
Que fato o levou
a mudar-se para
Londres?
Estive em
Londres de
janeiro a
fevereiro de
2004, para
algumas
palestras. Vim,
vi e gostei...
Fiz amigos,
senti que havia
um lindo campo
de trabalho.
Apaixonei-me
pela cidade e
voltei para
ficar, em março
de 2005.
O Consolador:
Qual é sua
formação
escolar?
Sou advogado,
formado pela
Universidade de
São Paulo, e
atuei durante 30
anos como
profissional
liberal, a maior
parte desse
tempo na área do
Direito de
Família.
O Consolador:
Que cargos você
já exerceu no
Movimento
Espírita?
Comecei minhas
atividades
espíritas na
Federação
Espírita do
Estado de São
Paulo (Feesp),
onde concluí o
curso de
Expositor no ano
de 1988. Em
1989, já comecei
a expor na Área
de Ensino da
própria Feesp.
Desde então,
atuei em todas
as áreas da
Feesp e em
várias funções,
mas
primordialmente
na Área de
Ensino, onde fui
Diretor de
Cursos e
Expositor. Nos
últimos 12 anos,
até vir para
Londres, fui
expositor do
curso de
Filosofia
Espírita e atuei
na Área de
Assistência
Espiritual, onde
era passista.
Além disso, fiz
palestras em
vários Centros
Espíritas da
Capital, em
algumas cidades
do Interior do
Estado e em
alguns Estados
do Brasil.
O Consolador:
Atualmente, qual
é sua atividade?
Atualmente sou
um modesto
trabalhador do
Solidarity
Spiritist Group,
onde ocupo a
função de
Assistente do
Depto. de
Ensino,
expositor,
palestrante e
passista. Além
disso, tenho
feito palestras
nos outros
Grupos Espíritas
de Londres.
O Consolador:
Quando você teve
seu primeiro
contato com o
Espiritismo?
Meu primeiro
contato com o
Espiritismo
deu-se ao tempo
em que fazia o
curso de Direito
no Largo de São
Francisco, no
Centro de São
Paulo. Quando
saía do curso
para um
escritório de
advocacia que
ficava
exatamente atrás
do prédio da
faculdade,
passava em
frente a uma
banquinha de
livros usados
que estava
colocada junto à
parede lateral
do edifício da
grande academia
de direito e,
sempre
interessado por
livros, parava
para examinar o
que havia ali
para venda.
Então, me
deparava com
obras de Allan
Kardec na sua
prateleira mais
alta e ficava
encantado com
aquele nome
impresso em
dourado na capa
dos livros.
O Consolador:
Houve
algum fato ou
circunstância
especial que
haja propiciado
esse contato?
No caso que
referi, penso
que foi uma
simples
coincidência,
mas que me ligou
ao nome de Allan
Kardec, desde o
primeiro
momento. Depois,
em 1975, conheci
uma advogada que
era espírita de
berço e
comentava sobre
coisas que lia
nos livros
espíritas. Em
1982, numa
excursão a Foz
do Iguaçu,
conheci uma
senhora que
trabalhava num
centro espírita
no Rio de
Janeiro e me
enviou os
primeiros livros
espíritas para
minha leitura,
entre eles, O
Livro dos
Espíritos,
pelo qual senti
amor à primeira
vista. Em 1987,
entrei nos
cursos da Feesp
e, em 1989,
comecei a minha
tarefa na seara
do Mestre, muito
timidamente,
diga-se de
passagem.
O Consolador:
Qual foi a
reação de sua
família?
Minha família
somente tomou
conhecimento de
minha adesão
definitiva ao
Espiritismo
quando passei a
trabalhar na
Feesp. Minha mãe
ficou surpresa,
e perguntou-me
quanto me
pagavam para dar
aulas naquela
casa. E mais
surpresa ficou
quando eu disse
que era um
trabalho
voluntário,
gratuito. Ela
hoje, porém,
apoia totalmente
o meu trabalho.
O Consolador: Dos
três aspectos do
Espiritismo -
ciência,
filosofia e
religião - qual
o que mais o
atrai?
Gosto da
Doutrina
Espírita como um
todo
indissociável,
mas tenho uma
ligeira
inclinação para
o aspecto
filosófico, pois
ele penetra
todas as áreas
do conhecimento
humano.
O Consolador:
Que autores
espíritas mais
lhe agradam?
Para mim, Kardec
está em
primeiríssimo
lugar. Depois
dele, gosto
muito de Léon
Denis, Herculano
Pires e Hermínio
Miranda. Dos
autores de obras
mediúnicas,
destaco, sem
sombra de
dúvida, Chico
Xavier, mas
também aprecio
muito Yvonne
Pereira e
Divaldo Franco.
O Consolador:
Que livros
espíritas que
tenha lido você
considera
indispensáveis
ao confrade
iniciante?
O Livro dos
Espíritos
e O Evangelho
segundo o
Espiritismo,
antes de
quaisquer
outros; O que
é o Espiritismo,
O problema do
ser, do destino
e da dor (a
depender do
nível cultural
do iniciante) e
Paulo e
Estêvão.
O Consolador:
Há algum
livro espírita
em especial que
você considera,
digamos, o seu
preferido? Por
quê?
Paulo e Estêvão,
por toda a
exemplificação
de que ele é
portador,
mormente a
partir do
despertar de
Saulo, às portas
de Damasco. É
uma história
tocante, dotada
de ensinamentos
profundos e
encorajadores,
para os momentos
mais críticos da
nossa
existência.
O Consolador:
Como trabalhador
atuante e
dedicado a
proferir
palestras e dar
cursos, qual é
sua apreciação
sobre a
importância do
estudo da
Doutrina?
O próprio
Espírito da
Verdade, no cap.
VI de O
Evangelho
segundo o
Espiritismo,
encareceu a sua
necessidade, ao
dizer:
“Espíritas:
amai-vos, eis o
primeiro
ensinamento; e
instruí-vos, eis
o segundo”. O
estudo é
essencial; sem
ele, jamais
seremos
verdadeiros
espíritas, nem
nos
transformaremos
no “homem novo”
preconizado por
Jesus.
O Consolador:
As
divergências
doutrinárias em
nosso meio
reduzem-se a
poucos assuntos.
Um deles diz
respeito ao
chamado
Espiritismo
laico. Para
você, o
Espiritismo é
uma religião?
Não é uma
religião, no
sentido comum da
palavra, desde
que inteiramente
desprovido de
rituais,
sacramentos,
casta sacerdotal
e suas
hierarquias,
cerimônias e
privilégios... O
próprio Kardec,
na Revista
Espírita de
1868, mês de
dezembro,
afirmou que o
Espiritismo é
uma religião,
sem sombra de
dúvida, e
complementou:
“no sentido
filosófico, o
Espiritismo é
uma religião, e
nós nos
glorificamos por
isto...”. Isso
significa que o
Espiritismo é
uma religião no
sentido
interior, sem as
práticas
exteriores das
religiões
tradicionais.
Prevalece nele
mais o
sentimento de
religiosidade,
atributo do
espírito, do que
o sentido formal
de religião.
O Consolador:
Certa vez, em
uma de suas
palestras, você
disse que muitas
pessoas ainda
vão ao centro
espírita como se
fossem à missa
no domingo de
manhã. Você pode
explicar melhor
o que disse?
É verdade,
porque muitos de
nós ainda
trazemos hábitos
muito fortes,
ligados às
nossas práticas
religiosas do
passado, com
todo o seu
dogmatismo, e
para adentrar a
Doutrina
Espírita, que é
puramente
racional e nos
estimula a
repensar os
nossos
comportamentos
atávicos, alguns
ainda precisam
passar pelo
processo de
desvinculação
gradual, que é
um tanto
complexo.
O Consolador: Outro
tema em que a
prática espírita
às vezes diverge
está relacionado
com os chamados
passes
padronizados,
propostos na
obra de Edgard
Armond. Embora
saibamos que o
mais comum seja
a imposição de
mãos, tal como
recomenda
Herculano Pires,
qual a sua
opinião e como é
o passe aplicado
na casa espírita
em que você
trabalha?
De fato, o
próprio
Herculano Pires
era contra o
passe
padronizado.
Afirma ele que o
passe espírita é
simplesmente a
imposição de
mãos, como o
fazia Jesus. Com
todo o respeito,
penso que a
padronização se
aplica aos
componentes de
um trabalho de
assistência
espiritual e não
às casas
espíritas, que a
rigor não estão
sujeitas aos
ditames de um
órgão regulador.
Num grupo de
trabalho, todos
devem aplicar o
passe de uma
mesma forma,
para que nenhum
tarefeiro se
diferencie do
outro, nem seja
o preferido, ou
preterido, dos
assistidos da
casa espírita em
que milita.
Aqui em Londres,
nos grupos que
já visitei, o
passe aplicado é
a imposição de
mãos, inclusive
no Solidarity
Spiritist Group,
casa onde
trabalho. Devido
às limitações de
espaço e de
tempo, as casas
espíritas
londrinas
trabalham todas
de forma
semelhante. Se
amanhã, ou
depois, as
coisas se
modificarem e
for preciso
criar outros
tipos de passes,
penso que o
espírito de
padronização
deve sempre
nortear a
formação dos
novos grupos. No
frigir
dos ovos, é a
direção da casa
espírita que
deve orientar os
seus
trabalhadores.
O Consolador:
Como você vê a
discussão em
torno do aborto
e o papel do
Movimento
Espírita quanto
a esse assunto?
Penso que a
tarefa do
Espiritismo está
dirigida à
consciência
daqueles que
buscam a
Doutrina, nas
casas espíritas
e em seus
cursos. Fora
desse âmbito,
representantes
do Espiritismo
têm sido
chamados a
opinar numa
questão ou
noutra, a expor
um ou outro
tema, inclusive
esse a que você
se refere, pelo
respeito que a
Doutrina
Espírita
alcançou, graças
aos exemplos
edificantes de
Chico Xavier e
outros. Com
isso, os
espíritas têm
atuado em várias
frentes
ultimamente e
acho que isso já
é um grande
avanço. Ademais,
têm surgido
canais de
televisão e
emissoras de
rádio espíritas
que atingem um
grande público
fora do meio
espírita, onde a
questão tem sido
tratada mais
abertamente.
Além disso,
livros e artigos
de jornais têm
exposto o
ensinamento
doutrinário a
respeito desse
tema e até nos
meios políticos
tem havido a
atuação de
entidades
espíritas,
levando a
posição
doutrinária
sobre essa
temática. Então
penso que isso
já está de muito
bom tamanho.
Aqui no Reino
Unido, já está
difícil
regularizar as
casas espíritas,
devido ao rigor
das leis que
regem a questão.
Imagine então
pensar na
atuação dos
espíritas junto
às autoridades
governamentais
para debater
esse assunto...
Ademais,
trata-se de uma
sociedade
extremamente
liberal,
mormente no caso
do aborto, na
qual o próprio
sistema de saúde
favorece a
prática,
fornecendo
medicamentos
para que a
mulher pratique
o ato por si
mesma, em sua
própria casa,
correndo por
conta e risco
dela,
exclusivamente,
todas as
consequências
advindas dessa
prática
condenável.
O Consolador:
Você
tem contato com
o movimento
espírita
brasileiro?
Considera-o
atuante, ou
falta nele algo
que favoreça uma
melhor
divulgação da
doutrina?
Considero o
movimento
espírita
brasileiro como
o mais atuante
em todo o
planeta. Ele tem
penetrado nas
mais variadas
camadas da
sociedade
brasileira,
principalmente
nas mais cultas,
nas
universidades e
nos órgãos de
classe dos mais
diversos
profissionais
liberais, e ali
tem feito
escola. Acho que
nada falta,
absolutamente,
no sentido da
mais ampla
divulgação
doutrinária e os
meios de
comunicação de
massa têm
ajudado muito
nesse movimento
de atuação
social intensa.
O Consolador:
Quando e como se
originou o
movimento
espírita na
Inglaterra?
Pelo que sei,
após a
desencarnação de
Sir Arthur Conan
Doyle, no ano de
1930, o
Espiritismo
ficou esquecido
aqui no Reino
Unido. Mas, já
ao tempo de
Kardec e mesmo
após a sua
desencarnação,
apareceram aqui
grandes médiuns
e pesquisadores
que ficaram
conhecidos por
lidarem com o
fenômeno
espírita. No
final da década
de 1980 - há
mais ou menos
vinte, portanto
- o Espiritismo
ressurgiu aqui,
graças ao
pioneirismo da
Sra. Janet
Duncan e ao seu
grande amor pela
Doutrina. Na
década de 1990,
foi a vez de os
brasileiros e
portugueses aqui
residentes
criarem novos
grupos, que
continuam se
multiplicando
nos dias de
hoje. Penso que
o momento ainda
é de preparação
do terreno para
o futuro e
estudo da
Doutrina em mais
larga escala,
como nunca
antes.
Atualmente,
existem somente
em Londres cerca
de 8 grupos
espíritas
atuantes e
alguns ainda em
fase de
formação.
O Consolador:
Como é a
aceitação dos
ingleses em
relação à
Doutrina?
Sinto que a
aceitação da
Doutrina nos
dias de hoje,
mormente entre
as pessoas
jovens, é muito
grande. A cada
semana vemos
surgir novos
frequentadores
no Solidarity, e
alguns já vêm
com vontade de
colaborar na
casa, estudar e
participar
fraternalmente
de tudo.
O Consolador:
Como você vê o
nível de
criminalidade e
violência que
parece aumentar
em todo o mundo,
e como nós,
espíritas,
podemos cooperar
para que essa
situação seja
revertida?
Penso sempre que
Deus está no
comando de tudo,
através de suas
leis e desígnios
sábios e
abrangentes. A
criminalidade de
hoje é a
consequência de
nossas ações no
passado. Para os
envolvidos com
ela, há sempre
uma razão para
que seja assim.
São as nossas
tendências, por
um lado, contra
as nossas
dívidas
cármicas, por
outro, a
transformação do
mundo, que será,
porém,
consequência da
transformação
moral de cada um
de nós. Ao
Espiritismo cabe
conscientizar
cada um sobre
seus deveres e
responsabilidades,
através da
prática dos
ensinos de
Jesus. Sem isso,
continuaremos a
vivenciar a
situação
calamitosa de
hoje por mais um
longo tempo.
O Consolador: A
preparação do
advento do mundo
de regeneração
em nosso planeta
já deu, como
sabemos, seus
primeiros
passos. Daqui a
quantos anos
você acredita
que a Terra
deixará de ser
um mundo de
expiação e de
provas, passando
plenamente à
condição de
mundo de
regeneração, em
que, segundo
Santo Agostinho,
a palavra amor
estará escrita
em todas as
frontes e uma
equidade
perfeita
regulará as
relações
sociais?
Pelo que
sabemos, a
espiritualidade
não trabalha com
limitações de
tempo, de modo
que não se pode
precisar o
número de anos
em que isso
ocorrerá. Só
para o homem o
tempo é
importante,
mas não para o
Espírito. Kardec
já dizia que o
processo de
transformação do
mundo já havia
começado no
século anterior
ao do advento do
Espiritismo.
Portanto, a fase
de transição de
um estado a
outro já está no
seu terceiro
século de
duração. Quanto
tempo mais isso
demandará,
depende de cada
um de nós, do
nosso esforço
para nos
melhorarmos
efetivamente.
O Consolador: Em
face dos
problemas que a
sociedade
terrena está
enfrentando,
qual deve ser a
prioridade
máxima dos que
dirigem
atualmente o
movimento
espírita no
mundo?
Para eles, os
que dirigem, e
também para
todos nós, sem
exceção, a
prioridade deve
ser: esforçar-se
cada qual ainda
mais por sua
própria
melhoria;
estudar mais a
doutrina e agir
mais no sentido
apontado por
Jesus Cristo;
destacar-se na
defesa da pureza
doutrinária e
aplicar os
princípios
doutrinários em
todas as suas
atividades.
O Consolador: O
que o
Espiritismo
significa para
você? E qual a
importância que
ele tem em sua
vida?
O Espiritismo é,
para mim,
principalmente
vivência. É bem
verdade que
ainda somos
muito
imperfeitos, mas
devemos sempre
fazer o melhor
ao nosso
alcance, em
todas as
situações em que
estivermos
empenhados. O
Espiritismo é
motivo de grande
felicidade para
mim. Ele deu
sentido à minha
vida e ainda me
possibilitou
trabalhar mais
perto do Cristo,
assim como
conquistar
muitos amigos.
Sei que, se
tenho saúde, é
para nunca me
ausentar do
trabalho na casa
espírita, a não
ser em casos de
força maior;
alegria, para
incutir nos meus
irmãos de
caminhada o amor
pelo estudo da
doutrina; e
confiança no
futuro, pela
certeza quanto à
continuidade do
nosso
desenvolvimento
em outros
planos. Devo
muito disso ao
Espiritismo, que
é o meu
verdadeiro
sustento e a
minha fortaleza
inquebrantável.