JORGE
HESSEN
jorgehessen@gmail.com
Brasília,
Distrito
Federal
(Brasil)
Não somos joguetes da
casualidade biogenética
A reportagem publicada
na revista científica
New Scientist
consigna que o "gene"
causador do mau
comportamento foi
identificado. Segundo o
resultado da pesquisa,
os adolescentes podem
ser mais propensos a
cometer crimes violentos
se tiverem uma versão
menos ativa de um "gene"
que controla a agressão.
O estudo foi realizado
pelo Instituto de
Psiquiatria de Londres,
onde pesquisadores
analisaram e registraram
a presença da enzima MAO-A, que regula, no
cérebro, a quantidade de serotonina, molécula que
tem um papel importante
no controle da
agressividade. O mau
comportamento é, segundo
se acredita, apenas um
reflexo da forma pouco
ativa da MAO-A.
Sobre o assunto, não
desconhecemos que a
genética, através de
seus princípios, teve
grande importância no
esclarecimento dos
mecanismos de
aparecimento e
desenvolvimento das
espécies, mas fatos que
não estavam tão claros
na obra revolucionária
de Charles Darwin de
1859, com o
desenvolvimento
posterior da teoria
darwinista, dinamizada
pela genética, deram
origem a diversas
especulações em torno da
natureza do homem. Nesse
sentido, nasceu a ideia
de que os genes seriam
responsáveis não só
pelos caracteres
morfológicos de um ser
vivo, porém também de
toda sua bagagem
comportamental. É
importante ressaltar de
imediato que há
diferenças fundamentais
entre a gênese orgânica
e a gênese espiritual. A
primeira, em sentido
puramente material, pois
que se trata
exclusivamente do ponto
de vista corpóreo. A
segunda é uma verdade
axiomática: se não há
efeito sem causa, não há
efeito inteligente sem
causa inteligente. Não
podemos atribuir
pensamento à matéria,
mas concluir que ela se
move mediante um comando
inteligente, e que dela
se serve para se
manifestar e evoluir.
É bem verdade que é o
próprio Espírito que
modela o seu envoltório,
molda-o de acordo com a
sua inteligência e
necessidades, mas daí a
dizer que os genes
seriam responsáveis por
toda uma bagagem
comportamental vai uma
grande distância, pois
assim não estaríamos
estabelecendo distinção
entre habitação e
habitante.
Aplicada ao homem, essa
forma radical de
interpretação
biogenética adquiriu
enorme força na forma do
"darwinismo social". A
rigor, o escopo da
proposição seria a lei
de perpetuação de certo
gene como delimitador de
uma determinada
característica - seja
morfológica ou
comportamental -, mas,
sobretudo esta última,
quando representasse
vantagens nitidamente
desejáveis a toda
espécie. A mantença do
gene favoreceria
diretamente a
permanência da própria
espécie.
Como resultante desse
princípio, que é
consubstanciado para os
caracteres morfológicos,
seria possível modificar
o comportamento dos
indivíduos pela
manipulação genética.
Essa tese admite que os
genes contenham todo o
código que descreve o
indivíduo, mesmo em sua
mais íntima psicologia,
a saber: sobre como ele
se posiciona diante de
determinadas
circunstâncias, de suas
tendências inatas, na
inteligência, na
afetividade, no
relacionamento social. É
óbvio que esse princípio
está em total
discordância com os
preceitos da Doutrina
Espírita.
Será que somos apenas um
repositório para a
sobrevivência dos genes
que carregam para a
eternidade nossos
sentimentos e modos de
ser? Ilustremos o
assunto evocando a
doutrina da eugenia.
Segundo ela, seria
possível ao Estado gerar
uma elite genética pelo
controle rigoroso da
reprodução humana,
favorecendo a
perpetuação dos
indivíduos com
caracteres de
comportamento desejáveis
e proscrevendo os
indesejáveis. A
historiografia registra
que alguns Estados
totalitários do século
passado chegaram a
namorar a eugenia como
programa de
desenvolvimento social
com trágicas
consequências.
Muitas concepções de
livre-arbítrio
Nosso objetivo aqui é
chamar a atenção para os
fundamentos que
diferenciam a posição
espírita das
especulações advindas
principalmente da
genética. O principal
ponto que agride
diretamente com essas
recentes propostas é a
concepção de
livre-arbítrio. Algumas
teses expostas acima,
mormente da reportagem
da New Scientist,
como ranço do darwinismo
social, aplicada à
natureza humana, parecem
fortemente limitar uma
das mais misteriosas
propriedades do homem: o
livre-arbítrio(1).
Apesar das muitas
interpretações
filosóficas do
livre-arbítrio, em que a
teologia alega que a
doutrina da onisciência
divina está em conflito,
pois se Deus sabe
exatamente o que
ocorrerá, incluindo cada
escolha feita por
pessoa, o status das
escolhas como livres
está em questão. Muitos
cristãos não-calvinistas
tentam uma reconciliação
dos conceitos duais de
predestinação e
livre-arbítrio.
Estudiosos de vieses
vaticanistas aceitam a
ideia de livre-arbítrio
universalmente, mas
geralmente não veem o
livre-arbítrio como
existindo separadamente
ou em contradição com a
graça divina.
Santo Agostinho e São
Tomás de Aquino
escreveram bastante
sobre o livre-arbítrio.
Agostinho foca no
livre-arbítrio nas suas
respostas aos maniqueus,
e nas limitações de um
conceito de
livre-arbítrio como
negação da graça divina.
A rigor, a ênfase da
Igreja de Roma no
livre-arbítrio e na
graça divina,
frequentemente, é
contrastada com a
predestinação no
cristianismo
protestante,
especialmente após a
contrarreforma.
Para o Espiritismo o
livre-arbítrio significa
liberdade moral do
homem, faculdade que ele
tem de se guiar pela sua
vontade na realização de
seus atos. Os Espíritos
ensinam que a alteração
das faculdades mentais,
por uma causa acidental
ou natural, é o único
caso em que o homem fica
privado de seu
livre-arbítrio. Fora
disso, é sempre senhor
de fazer ou de não
fazer.
Sem o livre-arbítrio os
Espíritos não passariam
de meros androides
Não estamos
desconsiderando a
importância da genética
como ciência bem
estabelecida, mas
discordamos das
interpretações absurdas
nascidas de
extrapolações com base
profundamente
materialistas. A
genética tem sido
responsável por uma
enorme variedade de
contribuições práticas
em vários campos da
ciência, tornando
possível a cura de
muitas doenças e a
produção de substâncias
que melhoram
consideravelmente o
desempenho fisiológico
de muitos seres vivos.
Não desconhecemos que a
Ciência tem contribuído,
no limite de seu
recurso, para síntese de
substâncias que exercem
funções
neurotransmissoras - a
fim de assegurar o
controle e equilíbrio
neuropsicofísico dos
portadores de algumas
síndromes
psicopatológicas. Porém,
no que diz respeito às
tendências da
individualidade humana,
é óbvio que elas não
podem ser fixadas,
inexoravelmente, ou
pré-programadas,
geneticamente, desde a
hora de nosso
nascimento. Isto
equivale afirmar que a
decisão de qual caminho
tomar diante das
influências externas
(incluindo aqui o
processo de produção da
enzima MAO-A, que
regula, no cérebro, a
quantidade de
serotonina), pertence
somente ao Espírito,
durante sua jornada
evolutiva, uma vez que
as qualidades morais que
caracterizam a índole do
ser humano têm
inexoravelmente origem
em seu Espírito.
Kardec indagou aos
Espíritos: "Por que é
que alguns Espíritos
seguiram o caminho do
bem e outros o do mal?
Não têm eles o
livre-arbítrio?" Os
Benfeitores responderam:
"Deus não os criou maus;
criou-os simples e
ignorantes, isto é,
tendo tanta aptidão para
o bem quanto para o mal.
Os que são maus, assim
se tornam por vontade
própria."
2
Sem o livre-arbítrio os
Espíritos não passariam
de meros androides
previamente programados.
O ínclito mestre de Lyon
redarguiu aos
Mensageiros maiores:
"Como podem os
Espíritos, em sua
origem, quando ainda não
têm consciência de si
mesmos, gozar da
liberdade de escolha
entre o bem e o mal? Há
neles algum princípio,
qualquer tendência que
os encaminhe para uma
senda de preferência a
outra?" A resposta foi
simples: "O
livre-arbítrio se
desenvolve à medida que
o Espírito adquire a
consciência de si mesmo.
Já não haveria
liberdade, desde que a
escolha fosse
determinada por uma
causa independente da
vontade do Espírito. A
causa não está nele,
está fora dele, nas
influências a que cede
em virtude de sua livre
vontade. É o que contém
a grande figura
emblemática da queda do
homem e do pecado
original; uns cederam à
tentação, outros
resistiram."
3
Por isso mesmo, não
seria possível que as
predisposições
instintivas fossem
determinadas
geneticamente. A
Doutrina Espírita,
abertamente, faz a
asserção de que as
predisposições
instintivas, a bagagem
ou herança espiritual
criada e carregada por
ele mesmo através dos
séculos são patrimônios
do Espírito. Essa
conclusão,
magistralmente integrada
ao conteúdo de
princípios da Terceira
Revelação, é a única
capaz de explicar o ser
humano ou de, ao menos,
trazer a sensação
consoladora de que não
somos joguetes da
casualidade biogenética.
Referências:
1
Capacidade do ser
decidir entre duas
alternativas ou entre um
conjunto de opções por
uma introspecção
interna. O
livre-arbítrio prende-se
logicamente à razão de
ser da personalidade
humana, diz-se que a
criatura humana age de
acordo com suas
pendências pessoais, e
toma a decisão segundo
seus interesses e
inclinações quando o
livre-arbítrio tem papel
preponderante.
2 Kardec,
Allan, O Livro dos
Espíritos, Rio de
Janeiro: Ed. Feb , 2001,
parte 2 do capítulo 1,
questão 121.
3 Idem,
pergunta 122.