– Um fato bem peculiar
em grande parte dos
Estados Unidos e da
Europa é a existência de
grupos espíritas
fundados e mantidos por
brasileiros, cujos
trabalhadores e
frequentadores são em
sua maioria brasileiros.
Poucos grupos
conseguiram despertar
nos nativos a vontade de
aprender a Doutrina
Espírita. O que é
possível fazer para
reverter esse quadro?
Raul Teixeira:
Será sempre de muito bom
proveito para o
exercício da nossa
humildade o fato de não
atribuirmos aos
brasileiros, que vivem
no exterior, qualquer
missão messiânica. É
muito importante não
introjetarmos na alma
nenhuma vaidade
relativamente a nossa
postura diante de outros
povos ou de outros
países, se quisermos ser
bem aproveitados pelo
Mundo Espiritual
Superior em qualquer
labor feliz ao que nos
queira vincular. Não
deveremos perder de
vista que nesses países,
para onde vão viver
muitos brasileiros,
existe uma ou mais
culturas que lhes são
próprias, tanto quanto
existe a sua religião
predominante. Imaginar
que poderemos chegar em
algum deles e fazer como
fizeram no descobrimento
do Brasil os religiosos
portugueses, ou seja,
montar o nosso altar
(nossa mesa) e
celebrarmos nossa
primeira missa (nosso
primeiro culto, sessão
etc.), à revelia dos
seus filhos naturais,
dos seus hábitos ou de
suas crenças, tendo
todos à nossa volta nos
adorando e nos
aplaudindo, seria uma
ingenuidade, para dizer
o mínimo.
É bem real que muitos
brasileiros que eram
espíritas no Brasil,
sentindo falta dos seus
ambientes de atividade
espírita daqui, tenham
criado uma pequena
célula de estudos,
muitas vezes tendo
início em suas
residências, numa
garagem etc., e mais
comum ainda é que
acorram outros
compatriotas que, seja
pelo sentimento de
isolamento em que se
veem, seja por sua
necessidade afetiva ou,
de fato, pela sede de
voltar a sorver em grupo
as bênçãos dos estudos
espíritas, desejam estar
juntos. A mim me parece
que a proposta mais
coerente será a de bem
vivenciar, onde quer que
estejam os brasileiros
espíritas, de tal modo
os princípios espíritas,
que os nativos passem a
ver neles, nas relações
sociais que mantenham,
pessoas com hábitos
muito diferentes, com
posições muito
equilibradas e justas,
em meio a uma vida
relacional de muito
respeito, harmonia e
lucidez. Isso, sem
dúvida, arrastaria muita
gente em virtude da
curiosidade em saber em
que fontes esses
estrangeiros recolhem
tanta clareza, tanto bom
senso e tanta firmeza de
propósitos do bem para
viver, mesmo diante das
adversidades que são
comuns para quem vive
num país estranho ao
seu.
Vemos, nada obstante,
que os grandes problemas
de aproximação com os
nativos nas células
espíritas que se formam
começam pelo fato de não
haver o domínio da
língua do país para um
relacionamento
equilibrado ou capaz de
entretecer os
necessários diálogos
explicativos; por outro
lado, outro impedimento
é encontrado na situação
documental de incontável
número de brasileiros,
uma vez que se acham na
ilegalidade nesses
países. Como conviver
com quem poderá tomar
contato com essa
situação e possivelmente
denunciá-los às
autoridades? Como
tornar-se “missionário”
declarado, de fronte
erguida e sem temores,
quando se está
ilegalmente em terras
alheias?
Temos, ainda, outros
elementos que pesam
nessa relação de
brasileiros com
nacionais de outros
países. É que muitos que
são espíritas lá fora,
não o eram desde o
Brasil. Conheceram o
Espiritismo no exterior.
Assim, para muitos,
faltam as habilidades de
como administrar uma
casa espírita, realizar
as sessões, os estudos e
as demais atividades,
passando a ouvir e
copiar as informações de
visitantes, nem sempre
amadurecidos para
dar-lhes a orientação
precisa. É assim que
encontramos grupos
espíritas de brasileiros
no exterior que seguem a
“linha” de alguém,
conhecido seu, do Sul ou
do Norte brasileiros; em
outros grupamentos, os
lidadores seguem a
“linha” do Nordeste ou
do Sudeste, e muitos
mais ainda não seguem
somente indicações de
federativas brasileiras,
mas, o que quase sempre
é mais complicado,
ligam-se a maneirismos
dessa ou daquela
instituição do nosso
país ou desse ou daquele
médium, e os problemas
se vão avolumando como
se pode ver.
Assim, não se trata de
reverter o quadro da
ausência de nativos de
outras nações em células
espíritas de brasileiros
em seus países, trata-se
de os próprios
brasileiros terem a
clareza indispensável a
respeito do que é o
Espiritismo, da
seriedade dos seus
princípios e evitarem a
“colagem” dos modos de
fazer trabalhos
espíritas no nosso país,
e passem a prestar mais
atenção na cultura do
país onde estão,
procurando melhor
entendimento da mesma, a
fim de melhor se
aproximar dos seus
nacionais.
É comum encontrarmos no
exterior as células
espíritas fundadas por
brasileiros com nomes
dos Guias conhecidos no
Brasil que, por mais
respeitados ou amados
por nós, aqui, nada
informam ou significam
para o povo do país.
Nenhum cuidado de
identificar os vultos
espíritas do país onde
estão, a fim de que, a
partir do nome – caso
desejem dar nomes de
pessoas – possam
instigar a simpatia de
quem dessas instituições
queira se aproximar.
Quantos nobres
espíritas,
espiritualistas
importantes ou
pesquisadores destacados
conhecemos na Espanha,
na França, na Bélgica,
na Itália, na
Inglaterra, na Alemanha
ou nos Estados Unidos?
Nomes espanhóis como os
de Amália Domingo y
Soler, José Fernandez
Colavida (conhecido como
o Kardec espanhol),
Francisco Ballester
Galés, Angel Aguarod;
franceses como os de
Léon Denis, Gabriel
Delanne, Alexandre
Delanne, Albert De
Rochas, Paul Leymarie,
Camille Flammarion, Jean
Meyer; italianos como os
de Eusápia Paladino,
Ernesto Bozzano, César
Lombroso; ingleses como
os de Arthur Conan
Doyle, Alfred Russel
Wallace, Stainton Moses,
William Crookes,
Florence Cook; alemães
como os de Johann
Fredrich Zöllner, Gustav
Fechner, Wilhelm Weber;
americanos como os de
Henry Slade, Cora Scott
Hatch, Edgard Cayce,
Harriet Beecher Stowe
(médium que psicografou
o famoso livro ‘A Cabana
do Pai Thomas’), Abraham
Lincoln, Horace Hambling,
Frank Carpenter, Charles
Schockle, Joseph Banks
Rhine, dentre
incontáveis outros
nomes, mais ou menos
famosos, médiuns,
pesquisadores,
escritores,
trabalhadores diversos
que em seus países
estenderam luminosa
ponte entre o território
do materialismo e dos
problemas humanos aos
campos do Espírito
imortal, donde procedem
as inspiradas soluções
para os problemas
planetários.
Dessa forma, creio que o
amadurecimento das
comunidades brasileiras,
que vão aprendendo a
viver nos países dos
outros, procurando
acurar os estudos das
línguas bem como um
maior e melhor
conhecimento das
culturas desses países,
sem o anseio perturbador
e sem sentido de
construir onde estejam
uma “minirrepública
brasileira”, em sinal de
respeito a quem lhes
abriu as portas ou que
os suporta, mesmo sob a
incômoda lona da
ilegalidade, alcançarão,
com o tempo, a simpatia
e a aproximação de
muitos corações que
passarão a interessar-se
pelo Espiritismo. Por
agora, e durante um bom
tempo, precisarão os
espíritas brasileiros no
exterior levar a sério
não apenas o
Espiritismo, mas, e
fundamentalmente, a
realidade de que estão
em alheias terras diante
do dever de estudar, de
trabalhar, de servir e,
como propôs a nobre
pensadora italiana,
Chiara Lubich, aprender
a florir onde Deus os
plantou...
Extraído de entrevista
publicada pelo jornal
O Imortal em
março de 2009.