Após a famosa
apresentação de
Jesus aos
doutores do
Templo de
Jerusalém, Maria
recebeu a visita
de Isabel e de
seu filho, em
sua casinha
pobre de Nazaré.
Depois das
saudações
habituais, do
desdobramento
dos assuntos
familiares, as
duas primas
entraram a falar
de ambas as
crianças, cujo
nascimento fora
antecipado por
acontecimentos
singulares e
cercado de
estranhas
circunstâncias.
Enquanto o
patriarca José
atendia às
últimas
necessidades
diárias de sua
oficina humilde,
entretinham-se
as duas em
curiosa
palestra,
trocando
carinhosamente
as mais ternas
confidências
maternais.
O
que me espanta –
dizia Isabel com
caricioso
sorriso – é o
temperamento de
João, dado às
mais fundas
meditações,
apesar da sua
pouca idade. Não
raro, procuro-o
inutilmente em
casa, para
encontrá-lo,
quase sempre,
entre as
figueiras
bravas, ou
caminhando ao
longo das
estradas
adustas, como se
a pequena fronte
estivesse
dominada por
graves
pensamentos.
Essas crianças,
a meu ver –
respondeu-lhe
Maria,
intensificando o
brilho suave de
seus olhos –,
trazem para a
Humanidade a luz
divina de um
caminho novo.
Meu filho também
é assim,
envolvendo-me o
coração numa
atmosfera de
incessantes
cuidados. Por
vezes, vou
encontrá-lo a
sós, junto das
águas, e, de
outras, em
conversação
profunda com os
viajantes que
demandam a
Samaria ou as
aldeias mais
distantes, nas
adjacências do
lago. Quase
sempre,
surpreendo-lhe a
palavra caridosa
que dirige às
lavadeiras, aos
transeuntes, aos
mendigos
sofredores...
Fala de sua
comunhão com
Deus com uma
eloquência que
nunca encontrei
nas observações
dos nossos
doutores e,
contentemente,
ando a cismar,
em relação ao
seu destino.
Apesar de todos
os valores da
crença –
murmurou Isabel,
convicta –, nós,
as mães, temos
sempre o
espírito abalado
por
injustificáveis
receios.
Como se se
deixasse
empolgar por
amorosos
temores, Maria
continuou: –
Ainda há alguns
dias, estivemos
em Jerusalém,
nas comemorações
costumeiras, e a
facilidade de
argumentação com
que Jesus
elucidava os
problemas, que
lhe eram
apresentados
pelos
orientadores do
templo, nos
deixou a todos
receosos e
perplexos. Sua
ciência não pode
ser deste mundo:
vem de Deus, que
certamente se
manifesta por
seus lábios
amigos de
pureza.
Notando-lhe as
respostas,
Eleazar chamou a
José, em
particular, e o
advertiu de que
o menino parece
haver nascido
para a perdição
de muitos
poderosos em
Israel.
Com a prima a
lhe escutar
atentamente a
palavra, Maria
prosseguiu, de
olhos úmidos,
após ligeira
pausa: – Ciente
desse aviso,
procurei Eleazar,
a fim de
interceder por
Jesus, junto de
suas valiosas
relações com as
autoridades do
templo. Pensei
na sua infância
desprotegida e
receio pelo seu
futuro. Eleazar
prometeu
interessar-se
pela sua sorte;
todavia, de
regresso a
Nazaré,
experimentei
singular
multiplicação
dos meus
temores.
Conversei com
José, mais
detidamente,
acerca do
pequeno,
preocupada com o
seu preparo
conveniente para
a vida!...
Entretanto, no
dia que se
seguiu às nossas
íntimas
confabulações,
Jesus se
aproximou de
mim, pela manhã,
e me interpelou:
“Mãe, que queres
tu de mim? Acaso
não tenho
testemunhado a
minha comunhão
com o Pai que
está no Céu!”
Altamente
surpreendida com
a sua pergunta,
respondi-lhe,
hesitante: Tenho
cuidado por ti,
meu filho!
Reconheço que
necessitas de um
preparo melhor
para a vida...
Mas, como se
estivesse em
pleno
conhecimento do
que se passava
em meu íntimo,
ponderou ele:
“Mãe, toda
preparação útil
e generosa no
mundo é
preciosa;
entretanto, eu
já estou com
Deus. Meu Pai,
porém, deseja de
nós toda a
exemplificação
que seja boa e
eu escolherei,
desse modo, a
escola melhor”.
No mesmo dia,
embora soubesse
das belas
promessas que os
doutores do
templo fizeram
na sua presença
a seu respeito,
Jesus
aproximou-se de
José e lhe
pediu, com
humildade, o
admitisse em
seus trabalhos.
Desde então,
como se nos
quisesse ensinar
que a melhor
escola para Deus
é a do lar e a
do esforço
próprio –
concluiu a
palavra materna
com singeleza —,
ele aperfeiçoa
as madeiras da
oficina, empunha
o martelo e a
enxó, enchendo a
casa de ânimo,
com a sua doce
alegria!
Isabel lhe
escutava atenta
a narrativa, e,
depois de outras
pequenas
considerações
materiais, ambas
observaram que
as primeiras
sombras da noite
desciam na
paisagem,
acinzentando o
céu sem nuvens.
A carpintaria já
estava fechada e
José buscava a
serenidade do
interior
doméstico para o
repouso.
As duas mães se
entreolharam,
inquietas, e
perguntavam a si
próprias para
onde teriam ido
as duas
crianças.
*
Nazaré, com a
sua paisagem,
das mais belas
de toda a
Galileia, é
talvez o mais
formoso recanto
da Palestina.
Suas ruas
humildes e
pedregosas, suas
casas
pequeninas, suas
lojas singulares
se agrupam numa
ampla
concavidade em
cima das
montanhas, ao
norte do
Esdrelon. Seus
horizontes são
estreitos e sem
interesse;
contudo, os que
subam um pouco
além, até onde
se localizam as
casinholas mais
elevadas,
encontrarão para
o olhar
assombrado as
mais formosas
perspectivas. O
céu parece
alongar-se,
cobrindo o
conjunto
maravilhoso,
numa dilatação
infinita.
Maria e Isabel
avistaram seus
filhos, lado a
lado, sobre uma
eminência
banhada pelos
derradeiros
raios
vespertinos. De
longe,
afigurou-se-lhes
que os cabelos
de Jesus
esvoaçavam ao
sopro caricioso
das brisas do
alto. Seu
pequeno
indicador
mostrava a João
as paisagens que
se multiplicavam
a distância,
como um grande
general que
desse a conhecer
as minudências
dos seus planos
a um soldado de
confiança. Ante
seus olhos
surgiam as
montanhas de
Samaria, o cume
de Magedo, as
eminências de
Gelboé, a figura
esbelta do
Tabor, onde,
mais tarde,
ficaria
inesquecível o
instante da
Transfiguração,
o vale do rio
sagrado do
Cristianismo, os
cumes de Safed,
o golfo de
Khalfa, o
elevado cenário
do Pereu, num
soberbo conjunto
de montes e
vales, ao lado
das águas
cristalinas.
Quem poderia
saber qual a
conversação
solitária que se
travara entre
ambos?
Distanciados no
tempo, devemos
presumir que
fosse, na Terra,
a primeira
combinação entre
o amor e a
verdade, para a
conquista do
mundo. Sabemos,
porém, que, na
manhã imediata,
em partindo o
precursor na
carinhosa
companhia de sua
mãe, perguntou
Isabel a Jesus,
com gracioso
interesse: – Não
queres vir
conosco? Ao que
o pequeno
carpinteiro de
Nazaré
respondeu,
profeticamente,
com inflexão de
profunda
bondade: “João
partirá
primeiro”.
Transcorridos
alguns anos,
vamos encontrar
o Batista na sua
gloriosa tarefa
de preparação do
caminho à
verdade,
precedendo o
trabalho divino
do amor, que o
mundo conheceria
em Jesus-Cristo.
João, de fato,
partiu primeiro,
a fim de
executar as
operações
iniciais para
grandiosa
conquista.
Vestido de peles
e alimentando-se
de mel selvagem,
esclarecendo com
energia e
deixando-se
degolar em
testemunho à
Verdade, ele
precedeu a lição
da misericórdia
e da bondade.
O
Mestre dos
mestres quis
colocar a figura
franca e áspera
do seu profeta
no limiar de
seus gloriosos
ensinos e, por
isso,
encontramos em
João Batista um
dos mais belos
de todos os
símbolos
imortais do
Cristianismo.
Salomé
representa a
futilidade do
mundo, Herodes e
sua mulher o
convencionalismo
político e o
interesse
particular. João
era a verdade, e
a verdade, na
sua tarefa de
aperfeiçoamento,
dilacera e
magoa,
deixando-se
levar aos
sacrifícios
extremos.
Como a dor que
precede as
poderosas
manifestações da
luz no íntimo
dos corações,
ela recebe o
bloco de mármore
bruto e lhe
trabalha as
asperezas para
que a obra do
amor surja, em
sua pureza
divina. João
Batista foi a
voz clamante do
deserto.
Operário da
primeira hora, é
ele o símbolo
rude da verdade
que arranca as
mais fortes
raízes do mundo,
para que o reino
de Deus
prevaleça nos
corações.
Exprimindo a
austera
disciplina que
antecede a
espontaneidade
do amor, a luta
para que se
desfaçam as
sombras do
caminho, João é
o primeiro sinal
do cristão
ativo, em guerra
com as próprias
imperfeições do
seu mundo
interior, a fim
de estabelecer
em si mesmo o
santuário de sua
realização com o
Cristo. Foi por
essa razão que
dele disse
Jesus: “Dos
nascidos de
mulher, João
Batista é o
maior de todos”.
Do cap. 2 do
livro Boa
Nova, do
Espírito de
Humberto de
Campos, obra
psicografada
pelo médium
Chico Xavier.
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