DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
Língua, centelha divina
do verbo!
Um homem resolvera ir a
um Centro. De há muito,
tinha ele persistente
curiosidade, grande
vontade de dirimir certa
questão: “O
Diabo seria mesmo
espírita?”, inquiria de
si para si mesmo.
Tomando coragem,
resoluto, entrou no
centro de terço na mão.
Cheio de dúvidas
acompanhadas de enorme
temor, rezou por entre
os dentes a
salve-rainha, o
padre-nosso, o credo e
seguiu em frente.
Trêmulo, discretamente
ele fez o sinal-da-cruz
antes de preencher uma
ficha na entrada.
Voluntários amorosos,
fraternos, submeteram-no
à entrevista e o
encaminharam à câmara de
passes; enfim, ele fez
tudo de acordo com a
rotina da casa. Em
seguida, o homem de
meia-idade entrou na
sala de palestras,
espaço silencioso,
simples, aconchegante,
onde apenas se ouvia
baixinho a trilha sonora
de grandes compositores
da música clássica
universal. Ficou
muitíssimo surpreso com
tudo, ainda mais quando
fizeram comovida prece a
Deus e a Jesus antes das
considerações a respeito
do tema que versava
sobre reforma íntima.
1 O
orador, nessa
oportunidade, concluiu a
sua palestra dizendo que
só havia uma maneira de
se identificar o
verdadeiro espírita, ou
verdadeiro cristão: pela
sua transformação moral.
Na semana seguinte, o
homem voltou ao centro
todo entusiasmado. Dessa
vez, trouxe uma gaiola
coberta com uma capa:
foi o primeiro a entrar
no recinto de palestras
e a sentar-se bem em
frente da tribuna, na
primeira fileira de
cadeiras. Isso se tornou
um mistério que se
repetia
até que, numa noite, no
fim dos trabalhos, um
frequentador da casa
indagou-lhe:
—
Desculpe. O que o senhor
traz sempre dentro dessa
gaiola? Algum pássaro?.
—
Ah, sim, doutor, pois
não! O Olegário...
Com todo o cuidado, o
homem abriu bem
devagarzinho o zíper da
capa da gaiola. Pronto.
Mistério desvendado.
Dentro da clausura de
arame tinha de fato algo
revestido de penas, só
que um belo exemplar de
uma ave pertencente a
diversas espécies de
psitaciformes,
psitacídeos, em especial
do gênero Amazona:
um papagaio!!!
—
O Olegário fala cada
nome feio! É um tremendo
boca... boca, não, digo,
bico sujo. Saiba o
senhor que, certo dia,
eu...
—
Perdão, eu ainda não
entendi...
De sorriso contrafeito,
interrompeu o
interlocutor. Sem que
percebessem,
cercaram-nos alguns
outros curiosos.
—
Tenho vindo aqui com o
Olegário, doutor, na
esperança de que ele
pare de uma vez por
todas de falar palavrões
e faça a tal da reforma
íntima — explicou
o homem.
Mediante essa
ocorrência, principiamos
a dizer, referente a
repertório vocabular,
que toda frase que
emitirmos sempre
indicará o nosso grau de
espiritualidade. O
caráter de nossas
palavras, mola
realizadora, testifica o
valor da tendência dos
nossos pensamentos e
sentimentos. Por isso,
disse Mestre Jesus: “O
que sai da boca é do que
está cheio o coração”.
2 Quer
dizer, o que sai do
coração humano, sede dos
sentimentos, das
emoções, da consciência,
são os sons articulados
pelas cordas que
produzem a voz humana,
formando palavras
movidas pela vontade de
exprimir ideias ligadas
ao conjunto das
qualidades morais
de cada indivíduo.
Os discípulos do
Evangelho são os que
mais deveriam ter
cuidado com a
aplicabilidade das
palavras. Quem abraçou
a causa do Mestre não
pode descurar também das
expressões. Neste passo,
o Espírito Emmanuel
declarou que a língua é
detentora da centelha
divina do verbo.
3
O problema está em não
sabermos utilizá-la como
se deve, em não lhe
darmos proveito
edificante.
Não estamos, porém,
dizendo respeito a
espetáculo vernacular
nem a exibicionismo
ostentoso de erudição
afetada e livresca, ao
falarmos de uso
proveitoso do verbo.
Assuntos positivos, tom
de voz brando, críticas
construtivas e
advertência sem levar as
coisas para o campo
pessoal fazem parte do
contexto digno de um
genuíno seguidor de
Cristo. No entanto, há
um tremendo
contrassenso: o
palavreado chulo, a
gíria e até as
expressões ácidas entre
os que se valem do nome
de Jesus, quando estes
teriam que ter uma
linguagem de boa
qualidade, e não
ordinária, típica dos
sujeitos mal-educados.
Evitemos, pois, o
emprego de certas gírias
e interjeições
grosseiras à guisa de
pretensa modernidade
para se ser mais
simpático,
principalmente aos
jovens. É indispensável
o aprimoramento, a
iluminação e o
enobrecimento da palavra
onde
quer que estejamos. A
reforma íntima
propõe-nos resistência
aos vícios,
imprescindível
retificação do nosso
caráter no corretismo de
combate aos defeitos
morais. Corrijamos os
pequenos vícios como os
do modo inadequado de
nos exprimirmos. Se não
conseguimos vencer os
vícios mais fáceis de
dar combate, como
poderemos conseguir
vitória sobre os mais
difíceis?!
Em regra geral,
carecemos todos de
medidas retificadoras, e
a reforma íntima,
portanto, deve começar
pelo que sai da boca. O
homem ficou sabendo que
o mencionado coadjuvante
da catequese igrejeira
nada tem a ver com o
Espiritismo além de
fazer-se ciente do que é
um centro espírita. Ele
entendeu que as casas
realmente espíritas são
lugares de gente séria,
caridosa; ali, ele só
viu disciplina, respeito
e amor ao próximo.
Sentindo-se tão bem,
achou que, num lugar
como aquele, poderia
resolver o seu
“problema”. É claro que
o louro, enquanto ser
vivente empenado e
imitador da voz humana,
jamais entenderia o
sentido de reforma
íntima... Não
afirmam ser o indivíduo
produto do meio? Neste
caso, podemos também
dizer que a ave em
apreço era produto do
seu meio, ou seja, o
ambiente da residência
de quem o acolheu.
Notas:
1) O tema
da palestra foi baseado
nas seguintes obras:
O Evangelho segundo o
Espiritismo, cap.
17, it. 3 e 4, 7 e 8;
O Livro dos Médiuns
— parte primeira —, cap.
3, it. 26
a 28; e O Espírito
de Verdade, tema 76,
84 e 92.
2) Lucas,
capítulo 6, versículo 45.
3)
XAVIER, Francisco C.
Pão Nosso (Espírito
Emmanuel). 10. ed. Rio
de Janeiro: Federação
Espírita Brasileira
(FEB), 1984. Tema 170,
p. 351.