JOANA ABRANCHES
joanaabranches@gmail.com
Vitória, Espírito Santo
(Brasil)
A cilada das almas
gêmeas
A Doutrina Espírita é
clara no que diz
respeito às almas
gêmeas. Não existem
metades que precisam se
completar para desfrutar
a eterna felicidade.
Cada um de nós é uma
individualidade que
estabelece laços e
afinidades com outras
individualidades,
através dos tempos e das
vivências sucessivas. Se
substituirmos o termo
“gêmeo” por “afim”,
vamos perceber que são
muitas as almas afins
que encontramos e
reencontramos por esse
mundão de meu Deus, e
que todas elas, cada uma
a seu modo, têm seu
espaço e importância em
nossa caminhada. Podemos
dizer então que são
várias as nossas “almas
gêmeas”. Amigos, filhos,
irmãos, pais, mães,
maridos e esposas, entre
outros, formam a imensa
fileira das relações de
afinidade construídas
vidas afora.
Porém, apesar da clareza
dos ensinamentos
espíritas, ainda vemos
muita gente boa, dentro
do nosso movimento, cair
nessa armadilha
emocional, que está mais
pra conto do vigário que
pra conto de fadas, e
que pode gerar graves
consequências, não só na
vida pessoal, como
também no núcleo
espírita em que
trabalham.
Temos presenciado
histórias preocupantes.
Aqui, são aqueles dois
médiuns, ambos casados
com outros parceiros,
que se descobrem “almas
gêmeas”; E aí, tentam se
enganar que estão
“renunciando”...
Mantém-se em seus
casamentos, mas
tornam-se “irmãos
siameses” na Casa
Espírita. Sentam-se lado
a lado nas reuniões, são
vistos juntos em todos
os lugares, dão sempre
um jeitinho de fazer
parte da mesma equipe
(isso quando não
arranjam uma missão que
“a espiritualidade
designou somente aos
dois”) e se isolam pelos
cantos em conversas
particulares sem fim. Só
têm olhos um para o
outro e, em tal enlevo,
não se dão conta que à
sua volta todos sentem o
que está acontecendo,
sobretudo seus maridos e
esposas, humilhados
publicamente no melhor
estilo de adultério por
pensamento e intenção,
embora sob a máscara do
amor fraternal. Sim,
porque o fato de não
partirem para o ato
sexual não os exime do
abandono afetivo e da
traição emocional em
relação aos cônjuges.
Acolá, é aquela irmã
solitária e carente, que
se depara com o
eloquente e carismático
orador. Que palestra!...
Que palestrante!... Que
homem! Ele só tem um
defeito: É casado!... E
logo com aquela
senhorinha já
envelhecida e meio sem
graça... Que
desperdício!... E eis
que de repente ele
também a vê na
plateia... Bonitona,
elegante, jovial e
olhando-o com aquele
olhar de admiração
apaixonada que há muito
ele não percebe na
companheira... Afinal, o
casamento - como todos
após lá seus trinta anos
- já entrou na rotina.
Oh céus! Ali mesmo
cupido dispara a flecha
e zás!... Começam as
justificativas íntimas:
“Como não tinham se
descoberto antes?!...
Por certo eram almas
gêmeas que há muito se
procuravam... O
casamento foi um
equívoco; o reencontro
uma programação para que
pudessem trabalhar
juntos para Jesus”.
Resolvem então assumir o
romance. A mulher dele,
abandonada após anos de
companheirismo e
convivência, entra em
profunda depressão, os
filhos se revoltam, a
família se desestrutura,
os companheiros se
retraem, decepcionados e
temerosos... “Ora, quem
tem suas mulheres e
maridos que se cuide,
pois, se aconteceu com o
fulano, que era um
exemplo, ninguém está
livre”...
Instala-se então o
tititi e a desconfiança.
Daí para o escândalo é
apenas um passo, e para
o afastamento
constrangido dos
próprios envolvidos, sua
família e outros tantos
trabalhadores
desencantados com a
situação, é um pulo.
Sofrimento, deserção e
descredibilidade. Tudo
pelo direito ao “felizes
para sempre” junto à sua
“metade da laranja”...
Mas onde é que está
escrito, no Evangelho,
que é possível construir
felicidade sobre os
escombros da felicidade
alheia ou edificar
relacionamentos
duradouros em alicerces
de leviandade e
egoísmo?
Temos visto estrondosos
equívocos desse tipo
mexer seriamente com
estruturas de famílias e
Casas Espíritas, fazendo
ruir Instituições e
relações que pareciam
extremamente sólidas.
Temos visto companheiros
valorosos das nossas
fileiras, que,
caminhando distraídos de
que “muito se pedirá
àquele que muito tiver
recebido”, de repente
resolvem jogar pro alto
o patrimônio espiritual
de uma vida inteira, em
nome do “amor”. E assim,
cônjuges dedicados e
dignos são descartados
como se não tivessem
alma nem sentimentos, em
detrimento de aventuras
justificadas por
argumentos
inconsistentes, sem
nenhum respaldo
ético/moral ou
espiritual. Isto quando
ainda há um mínimo de
honestidade e se pede a
separação, porque alguns
preferem continuar
comodamente em seus
relacionamentos
“provacionais”, porém,
mantendo na
clandestinidade um
“affair” paralelo com a
tal “metade eterna”, sob
a desculpa esfarrapada
de que a família deve
ser poupada, pois
“família é sagrada!!!”
Logo se faz sentir o
efeito dominó. Lá
adiante, após vários
corações feridos e
muitas quedas morais, a
convivência faz a alma
gêmea virar “alma
algemada”. As desilusões
chegam, inevitáveis, com
todo o peso resultante
das atitudes ditadas
pelas paixões, mas, na
maioria das vezes, já é
tarde pra retomar, ainda
nesta existência, o
percurso abandonado.
Reflitamos. Ninguém
chega atrasado na vida
de ninguém. Se chegou
depois é porque não era
pra ser. E se não era
pra ser há um bom motivo
para isso, visto que as
Leis Divinas são
indiscutivelmente
sábias, justas e
providenciais. Não tem
pra onde fugir: Quando o
teste nos procura, ou
somos aprovados ou
forçosamente teremos que
repetir a lição
futuramente, e em
condições bem mais
adversas...
Podemos reencontrar, no
grupo de trabalho
espírita, grandes amores
e paixões do passado que
nos reacendem
sentimentos e sensações
maravilhosas? Sim.
Podemos olhar para
companheiros de ideal
espírita com outros
olhos que não sejam os
do amor fraternal? Sim.
Nada mais natural. Mas
sabemos, pelo Apóstolo
Paulo, que poder
nem sempre significa
dever... Portanto, o
bom senso nos diz que
investir ou não
afetivamente nessas
pessoas vai depender de
que ambos estejam livres
para fazê-lo.
Alguém haverá de
argumentar que casamento
não é prisão e que
aliança não é corrente;
que ninguém está preso a
ninguém “até que a morte
os separe” e que o
próprio Cristo admitiu a
dissolução do casamento.
Porém, o espírita não
desconhece que, na
maioria dos casos, muito
além dos compromissos
cartoriais existem
profundos compromissos e
dívidas emocionais entre
aqueles que se
escolheram como marido e
mulher nesta vida.
Compromissos muito
sérios para serem
dissolvidos porque o
corpo requer sensações
novas, porque a mulher
envelheceu, perdeu o
brilho ou porque o
marido ficou
rabugento... Como se o
outro estivesse só
quebrando um galho
enquanto a “outra
metade” não chegava...
Todos almejamos
felicidade, e no estágio
evolutivo em que nos
encontramos, isso ainda
tem muito a ver com
realização afetiva. Por
isso mesmo, não devemos
ignorar que só a
quitação de antigos
débitos emocionais é que
nos facultarão essa
conquista. Precisamos
interiorizar, de uma vez
por todas, que os
casamentos por afinidade
ainda são raros neste
momento planetário, e
que se ainda não
conseguimos amar o
parceiro que nos coloca
em cheque ou aquele que
não corresponde aos
nossos anseios, o
conhecimento das leis
morais exige que ao
menos nos conduzamos com
um mínimo de retidão e
tolerância diante deles.
Tal consciência nos
exige também, caso nos
sintamos atraídos por
companheiros já
comprometidos, que nos
recusemos
terminantemente, sob
qualquer pretexto, a
desempenhar o deprimente
e desrespeitoso papel da
terceira pessoa numa
relação, pois não há
conversa fiada de alma
gêmea que dê jeito no
rombo emocional aberto
pela desonestidade
afetiva, nem
justificativa de
carência e solidão que
nos permita desviar da
rota do dever sem que
tenhamos, forçosamente,
que colher amargos
frutos, porque “se o
plantio é livre, a
colheita é obrigatória”.
Não se colhem rosas
plantando espinhos.
Sejamos responsáveis
diante daqueles que
escolhemos e que nos
escolheram para
compartilhar a vida.
Acautelemo-nos contra as
ilusões. Se os nossos
anseios são
irrealizáveis por agora,
respeitemos as
limitações impostas pelo
momento que passa. Por
mais possa doer olhar de
longe um dos muitos
seres amados, que cruza
o nosso caminho nesta
vida, mas que já optou
por outra pessoa, só a
dignidade de nos manter
a distância é que vai
possibilitar, pelas
justas leis da vida, que
conquistemos por mérito,
lá na frente, em outras
circunstâncias, a
alegria do reencontro e
a partilha do afeto
junto àquele que nos é
tão caro, porque
estaremos redimidos dos
ônus afetivos do ontem
através das atitudes
renovadas do hoje.
“Buscai em primeiro
lugar o Reino de Deus e
sua justiça, e tudo o
mais vos será
acrescentado.” (Mateus
6.33.)
Saibamos buscar...
Saibamos esperar...
Trabalhemos por
merecer... Afinal, temos
pela frente a
eternidade!