LEONARDO MARMO MOREIRA
leonardomarmo@gmail.com
São José dos Campos, São
Paulo (Brasil)
Os médicos nazistas e a
Bioética: uma análise à
luz do Espiritismo
Após o partido nazista
assumir o poder na
Alemanha, a restrição
aos direitos civis de
determinadas minorias,
sobretudo os judeus,
começou a ganhar
contornos dramáticos.
Nessa época,
aproximadamente 42% dos
médicos alemães eram
judeus e, como os judeus
foram proibidos de
exercer determinadas
profissões e atividades
civis, muitos jovens
médicos perceberam uma
excelente oportunidade
de ascensão
profissional,
principalmente se esses
candidatos às novas
vagas se vinculassem ao
partido Nazista e à SS.
Portanto, ao invés de
protestarem contra a
injustiça da ação
governamental, de certa
forma a respaldaram,
buscando aproveitar as
oportunidades que
adviriam deste contexto,
sem levarem em
consideração os médicos
prejudicados e, por
consequência, o impacto
negativo na área de
saúde bem como na
academia do país.
Dentro deste contexto,
seria extremamente
interessante ao governo
nazista que a nova
classe médica vinculada
ao Partido
Nacional-Socialista
desenvolvesse pesquisas
científicas que, de uma
forma ou de outra,
demonstrassem, através
de trabalhos
“científicos”
desenvolvidos por
profissionais
“gabaritados”, a
sustentabilidade
acadêmica das teses
preconceituosas de
superioridade racial dos
arianos em relação a
todos os demais povos.
Não satisfeitos em se
considerarem
“superiores” do ponto de
vista racial a todos os
demais habitantes do
planeta, os líderes
nazistas desejavam
respaldar suas teses que
desprezavam determinados
grupos e, desta forma,
igualmente, fomentaram
pesquisas que
“comprovassem” estranhas
propostas, tal como a
inferioridade racial de
eslavos, ciganos e,
principalmente, judeus,
em relação aos demais
grupos humanos.
Assim sendo, sem o
mínimo escrúpulo,
inicia-se uma das
páginas mais terríveis
da História Universal e
principalmente da
História da Ciência e da
Medicina. Os mais cruéis
experimentos foram
empreendidos com seres
humanos visando à
comprovação da
inferioridade racial de
determinados grupos ou
objetivando informações
de valor militar, como,
por exemplo, o tempo de
resistência humana
durante o afogamento e
durante o congelamento.
Obviamente, muitos seres
considerados
desprezíveis pelos
nazistas foram
sacrificados nestes
testes.
Após o fim da Segunda
Grande Guerra Mundial,
em maio de 1945, os
países vencedores do
conflito decidiram
promover um amplo
julgamento por crimes de
guerra para que os
maiores líderes nazistas
que sobrevivessem ao fim
da guerra, uma vez
capturados, pudessem ser
julgados e,
eventualmente, punidos
de forma exemplar. Tal
julgamento ficou
conhecimento na
posteridade como “O
Julgamento de Nuremberg”,
uma vez que ele foi
efetuado justamente
nesta cidade do sul da
Alemanha. De fato,
Nuremberg, antes da
guerra, tinha recebido
paradas militares
monumentais que serviram
de propaganda do regime
vigente, bem como de
pano de fundo para os
discursos exaltados do
“fuhrer” do “Terceiro
Reich”, Adolf Hitler. A
escolha desta cidade,
portanto, obedecia
também a uma estratégia
de destruição da imagem
triunfante do nazismo.
Uma das grandes
motivações para a
elaboração e
empreendimento de um
julgamento inédito na
Humanidade foi a
descoberta do chamado
Holocausto, que vitimara
mais de 4 milhões de
judeus em campos de
concentração. Este
genocídio tivera sido
preparado friamente,
culminando inclusive com
uma conferência que
determinou a eliminação
sistemática dos judeus
dos territórios ocupados
pela Alemanha. Tal
decisão foi denominada
pelos nazistas como “a
solução final para a
questão dos judeus”.
Portanto, para que os
culpados fossem punidos
e para que seus
equívocos não viessem a
ser repetidos na
História, ficou decidido
entre as potências
vencedoras da guerra,
sobretudo Estados
Unidos, Reino Unido,
União Soviética e
França, que os nazistas
deveriam ser submetidos
a um julgamento por
crimes de guerra.
Após o julgamento dos
grandes líderes do
Nazismo e da Máquina de
guerra alemã, como, por
exemplo, Herman Göering,
Rudolph Hess, Albert
Speer, Karl Doenitz,
entre outros, a
estrutura jurídica
montada em Nuremberg
teve outra tarefa não
menos complexa, ou seja,
promover o julgamento de
médicos e cientistas
nazistas que tivessem
maculado a ciência e a
medicina com atitudes
cruéis sob quaisquer
pretextos acadêmicos.
Este segundo julgamento
promovido em Nuremberg
foi um marco para as
áreas biológicas e da
saúde, pois, a partir de
então, as chamadas
“ciências da vida”
teriam rigorosas normas
de comportamento, sendo
que a transposição
destes limites
implicaria em graves
consequências para o
responsável. Realmente,
a partir deste marco, a
denominada “Bioética”
ganha, de fato, corpo no
contexto acadêmico das
ciências, significando
que médicos e
profissionais da saúde
poderiam ser processados
por atitudes antiéticas
com muito mais
frequência, tendo um
importante precedente
histórico-jurídico.
Todas as reflexões e
estudos relacionados a
esse julgamento deram
origem ao chamado
“Código de Nuremberg”,
que está transcrito
abaixo:
Código de Nuremberg
Tribunal Internacional
de Nuremberg - 1947
Trials of war criminal
before the Nuremberg
Military Tribunals.
Control Council Law
1949; 10(2): 181-182.
1 O consentimento
voluntário do ser humano
é absolutamente
essencial. Isso
significa que as pessoas
que serão submetidas ao
experimento devem ser
legalmente capazes de
dar consentimento; essas
pessoas devem exercer o
livre direito de escolha
sem qualquer intervenção
de elementos de força,
fraude, mentira, coação,
astúcia ou outra forma
de restrição posterior;
devem ter conhecimento
suficiente do assunto em
estudo para tomarem uma
decisão. Esse último
aspecto exige que sejam
explicados às pessoas a
natureza, a duração e o
propósito do
experimento; os métodos
segundo os quais será
conduzido; as
inconveniências e os
riscos esperados; os
efeitos sobre a saúde ou
sobre a pessoa do
participante, que
eventualmente possam
ocorrer, devido à sua
participação no
experimento. O dever e a
responsabilidade de
garantir a qualidade do
consentimento repousam
sobre o pesquisador que
inicia ou dirige um
experimento ou se
compromete nele. São
deveres e
responsabilidades
pessoais que não podem
ser delegados a outrem
impunemente.
2 O experimento deve ser
tal que produza
resultados vantajosos
para a sociedade, que
não possam ser buscados
por outros métodos de
estudo, mas não podem
ser feitos de maneira
casuística ou
desnecessariamente.
3 O experimento deve ser
baseado em resultados de
experimentação em
animais e no
conhecimento da evolução
da doença ou outros
problemas em estudo;
dessa maneira, os
resultados já conhecidos
justificam a condição do
experimento.
4 O experimento deve ser
conduzido de maneira a
evitar todo sofrimento e
danos desnecessários,
quer físicos, quer
materiais.
5 Não deve ser conduzido
qualquer experimento
quando existirem razões
para acreditar que pode
ocorrer morte ou
invalidez permanente;
exceto, talvez, quando o
próprio médico
pesquisador se submeter
ao experimento.
6 O grau de risco
aceitável deve ser
limitado pela
importância do problema
que o pesquisador se
propõe a resolver.
7 Devem ser tomados
cuidados especiais para
proteger o participante
do experimento de
qualquer possibilidade
de dano, invalidez ou
morte, mesmo que remota.
8 O experimento deve ser
conduzido apenas por
pessoas cientificamente
qualificadas.
9 O participante do
experimento deve ter a
liberdade de se retirar
no decorrer do
experimento.
10 O pesquisador deve
estar preparado para
suspender os
procedimentos
experimentais em
qualquer estágio, se ele
tiver motivos razoáveis
para acreditar que a
continuação do
experimento
provavelmente causará
dano, invalidez ou morte
para os participantes.
Tamanha catástrofe
mundial se tornou um
triste, porém, eloquente
exemplo da necessidade
dos valores ético-morais
guiarem a ciência. Por
outro lado, as Cruzadas
e principalmente a
Inquisição católica são
exemplos categóricos das
consequências do
dogmatismo e do
fanatismo religioso,
quando a religião
ortodoxa torna-se a
única referência
comportamental. De fato,
mesmo alegando defender
valores ético-morais, a
religião, quando
desprezou o bom senso e
a ciência, chegou a
matar (e continua
matando) um número
enorme de pessoas, as
quais, muitas vezes,
eram portadoras de
mensagens legítimas.
Einstein teria dito que
“a ciência sem a
religião é coxa e a
religião sem a ciência é
cega”. Isto equivale a
dizer que a essência dos
valores morais mais
elevados da religião é
fundamental para nortear
os caminhos e os limites
de procedimento para a
ciência. Por outro lado,
a ciência, enrijecendo
seus paradigmas
fundamentais, acaba
dogmatizando-se,
tornando-se restrita, e
não atingindo uma vasta
área de realidades
humanas básicas para a
construção do
esclarecimento, da paz e
da felicidade.
Entretanto, nem todos os
cientistas do início do
século XX tinham essa
percepção e muitos não
tiveram escrúpulo algum
em relação ao
desenvolvimento de suas
pesquisas. Tal
mentalidade, ratificada
por determinadas
situações de extremo
poder, sem nenhuma
espécie de “freio”
moral, tem propiciado
exemplos históricos
terríveis, os quais
ilustram enfaticamente a
célebre colocação de
Jesus: “É necessário que
haja escândalos, mas ai
de quem os escândalos
venham”. De fato, os
experimentos ditos
“científicos” dos
médicos nazistas, antes
e durante a Segunda
Guerra Mundial, foram um
dos mais tristes
episódios da história da
medicina. Todavia, Deus,
que é todo poder e
bondade, aproveita da
nossa inadvertência para
gerar elementos efetivos
para a própria educação
da humanidade. Desta
forma, um significativo
“boom” bioético tem
ensejo a partir dessa
época de sofrimento e um
grande avanço no senso
moral e na
responsabilidade social
por parte dos cientistas
foi despertado
dolorosamente após a
guerra, com a revelação
das calamidades
provocadas por aqueles
que deveriam defender a
vida. Realmente, os
padrões atuais da
chamada “Bioética”, os
quais são cada vez mais
debatidos e
aprofundados, têm na
tragédia do Nazismo um
marco decisivo para o
seu efetivo advento,
estabelecendo limites
morais rígidos para
quaisquer tipos de
experimentação
científica “in vivo”.
Atualmente, as questões
bioéticas ganham cada
vez mais destaque nos
meios universitários,
religiosos, científicos,
jornalísticos e
políticos, pois, tanto
do ponto de vista do
avanço das ciências
médicas, envolvendo
complexas questões como
clonagem, biotecnologia,
eutanásia e aborto, como
em se tratando das
questões ambientais que
afetam todas as formas
de vida material do
planeta, torna-se
necessário debater com
seriedade os limites
morais válidos em cada
profissão,
principalmente nas
atividades da área de
saúde, que envolvem os
profissionais que mais
diretamente lidam com a
manutenção da vida
física de toda a
humanidade.
Sob a ótica espírita, as
questões associadas à
Bioética ganham um
caráter ainda mais
amplo, pois se deve
considerar a dimensão
espiritual de todas as
manifestações da vida e
a profunda necessidade
de manter a existência
física, com a melhor
qualidade de vida
possível, para que o ser
reencarnado possa
vivenciar ao máximo as
oportunidades evolutivas
que a crosta terrestre
proporciona. Esse
esforço certamente
repercute diretamente na
trajetória evolutiva dos
indivíduos, melhorando a
condição espiritual do
planeta como um todo,
pois faz com que, cada
vez mais, desencarnemos
significativamente
melhores do que quando
reencarnamos.