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Crônicas e Artigos
Ano 4 - N° 161 - 6 de Junho de 2010

LEONARDO MARMO MOREIRA
leonardomarmo@gmail.com 
São José dos Campos, São Paulo (Brasil)


Os médicos nazistas e a Bioética: uma análise à
luz do Espiritismo


Após o partido nazista assumir o poder na Alemanha, a restrição aos direitos civis de determinadas minorias, sobretudo os judeus, começou a ganhar contornos dramáticos. Nessa época, aproximadamente 42% dos médicos alemães eram judeus e, como os judeus foram proibidos de exercer determinadas profissões e atividades civis, muitos jovens médicos perceberam uma excelente oportunidade de ascensão profissional, principalmente se esses candidatos às novas vagas se vinculassem ao partido Nazista e à SS.

Portanto, ao invés de protestarem contra a injustiça da ação governamental, de certa forma a respaldaram, buscando aproveitar as oportunidades que adviriam deste contexto, sem levarem em consideração os médicos prejudicados e, por consequência, o impacto negativo na área de saúde bem como na academia do país.

Dentro deste contexto, seria extremamente interessante ao governo nazista que a nova classe médica vinculada ao Partido Nacional-Socialista desenvolvesse pesquisas científicas que, de uma forma ou de outra, demonstrassem, através de trabalhos “científicos” desenvolvidos por profissionais “gabaritados”, a sustentabilidade acadêmica das teses preconceituosas de superioridade racial dos arianos em relação a todos os demais povos. Não satisfeitos em se considerarem “superiores” do ponto de vista racial a todos os demais habitantes do planeta, os líderes nazistas desejavam respaldar suas teses que desprezavam determinados grupos e, desta forma, igualmente, fomentaram pesquisas que “comprovassem” estranhas propostas, tal como a inferioridade racial de eslavos, ciganos e, principalmente, judeus, em relação aos demais grupos humanos.

Assim sendo, sem o mínimo escrúpulo, inicia-se uma das páginas mais terríveis da História Universal e principalmente da História da Ciência e da Medicina. Os mais cruéis experimentos foram empreendidos com seres humanos visando à comprovação da inferioridade racial de determinados grupos ou objetivando informações de valor militar, como, por exemplo, o tempo de resistência humana durante o afogamento e durante o congelamento. Obviamente, muitos seres considerados desprezíveis pelos nazistas foram sacrificados nestes testes.

Após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, em maio de 1945, os países vencedores do conflito decidiram promover um amplo julgamento por crimes de guerra para que os maiores líderes nazistas que sobrevivessem ao fim da guerra, uma vez capturados, pudessem ser julgados e, eventualmente, punidos de forma exemplar. Tal julgamento ficou conhecimento na posteridade como “O Julgamento de Nuremberg”, uma vez que ele foi efetuado justamente nesta cidade do sul da Alemanha. De fato, Nuremberg, antes da guerra, tinha recebido paradas militares monumentais que serviram de propaganda do regime vigente, bem como de pano de fundo para os discursos exaltados do “fuhrer” do “Terceiro Reich”, Adolf Hitler. A escolha desta cidade, portanto, obedecia também a uma estratégia de destruição da imagem triunfante do nazismo.

Uma das grandes motivações para a elaboração e empreendimento de um julgamento inédito na Humanidade foi a descoberta do chamado Holocausto, que vitimara mais de 4 milhões de judeus em campos de concentração. Este genocídio tivera sido preparado friamente, culminando inclusive com uma conferência que determinou a eliminação sistemática dos judeus dos territórios ocupados pela Alemanha. Tal decisão foi denominada pelos nazistas como “a solução final para a questão dos judeus”. Portanto, para que os culpados fossem punidos e para que seus equívocos não viessem a ser repetidos na História, ficou decidido entre as potências vencedoras da guerra, sobretudo Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e França, que os nazistas deveriam ser submetidos a um julgamento por crimes de guerra.

Após o julgamento dos grandes líderes do Nazismo e da Máquina de guerra alemã, como, por exemplo, Herman Göering, Rudolph Hess, Albert Speer, Karl Doenitz, entre outros, a estrutura jurídica montada em Nuremberg teve outra tarefa não menos complexa, ou seja, promover o julgamento de médicos e cientistas nazistas que tivessem maculado a ciência e a medicina com atitudes cruéis sob quaisquer pretextos acadêmicos.

Este segundo julgamento promovido em Nuremberg foi um marco para as áreas biológicas e da saúde, pois, a partir de então, as chamadas “ciências da vida” teriam rigorosas normas de comportamento, sendo que a transposição destes limites implicaria em graves consequências para o responsável. Realmente, a partir deste marco, a denominada “Bioética” ganha, de fato, corpo no contexto acadêmico das ciências, significando que médicos e profissionais da saúde poderiam ser processados por atitudes antiéticas com muito mais frequência, tendo um importante precedente histórico-jurídico. Todas as reflexões e estudos relacionados a esse julgamento deram origem ao chamado “Código de Nuremberg”, que está transcrito abaixo:

Código de Nuremberg 

Tribunal Internacional de Nuremberg - 1947

Trials of war criminal before the Nuremberg Military Tribunals. Control Council Law 1949; 10(2): 181-182.

1 O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente.

2 O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade, que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas não podem ser feitos de maneira casuística ou desnecessariamente.

3 O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo; dessa maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento.

4 O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos desnecessários, quer físicos, quer materiais.

5 Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento.

6 O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema que o pesquisador se propõe a resolver.

7 Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota.

8 O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente qualificadas.

9 O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do experimento.

10 O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar que a continuação do experimento provavelmente causará dano, invalidez ou morte para os participantes.

Tamanha catástrofe mundial se tornou um triste, porém, eloquente exemplo da necessidade dos valores ético-morais guiarem a ciência. Por outro lado, as Cruzadas e principalmente a Inquisição católica são exemplos categóricos das consequências do dogmatismo e do fanatismo religioso, quando a religião ortodoxa torna-se a única referência comportamental. De fato, mesmo alegando defender valores ético-morais, a religião, quando desprezou o bom senso e a ciência, chegou a matar (e continua matando) um número enorme de pessoas, as quais, muitas vezes, eram portadoras de mensagens legítimas.

Einstein teria dito que “a ciência sem a religião é coxa e a religião sem a ciência é cega”. Isto equivale a dizer que a essência dos valores morais mais elevados da religião é fundamental para nortear os caminhos e os limites de procedimento para a ciência. Por outro lado, a ciência, enrijecendo seus paradigmas fundamentais, acaba dogmatizando-se, tornando-se restrita, e não atingindo uma vasta área de realidades humanas básicas para a construção do esclarecimento, da paz e da felicidade.

Entretanto, nem todos os cientistas do início do século XX tinham essa percepção e muitos não tiveram escrúpulo algum em relação ao desenvolvimento de suas pesquisas. Tal mentalidade, ratificada por determinadas situações de extremo poder, sem nenhuma espécie de “freio” moral, tem propiciado exemplos históricos terríveis, os quais ilustram enfaticamente a célebre colocação de Jesus: “É necessário que haja escândalos, mas ai de quem os escândalos venham”. De fato, os experimentos ditos “científicos” dos médicos nazistas, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, foram um dos mais tristes episódios da história da medicina. Todavia, Deus, que é todo poder e bondade, aproveita da nossa inadvertência para gerar elementos efetivos para a própria educação da humanidade. Desta forma, um significativo “boom” bioético tem ensejo a partir dessa época de sofrimento e um grande avanço no senso moral e na responsabilidade social por parte dos cientistas foi despertado dolorosamente após a guerra, com a revelação das calamidades provocadas por aqueles que deveriam defender a vida. Realmente, os padrões atuais da chamada “Bioética”, os quais são cada vez mais debatidos e aprofundados, têm na tragédia do Nazismo um marco decisivo para o seu efetivo advento, estabelecendo limites morais rígidos para quaisquer tipos de experimentação científica “in vivo”.

Atualmente, as questões bioéticas ganham cada vez mais destaque nos meios universitários, religiosos, científicos, jornalísticos e políticos, pois, tanto do ponto de vista do avanço das ciências médicas, envolvendo complexas questões como clonagem, biotecnologia, eutanásia e aborto, como em se tratando das questões ambientais que afetam todas as formas de vida material do planeta, torna-se necessário debater com seriedade os limites morais válidos em cada profissão, principalmente nas atividades da área de saúde, que envolvem os profissionais que mais diretamente lidam com a manutenção da vida física de toda a humanidade.

Sob a ótica espírita, as questões associadas à Bioética ganham um caráter ainda mais amplo, pois se deve considerar a dimensão espiritual de todas as manifestações da vida e a profunda necessidade de manter a existência física, com a melhor qualidade de vida possível, para que o ser reencarnado possa vivenciar ao máximo as oportunidades evolutivas que a crosta terrestre proporciona. Esse esforço certamente repercute diretamente na trajetória evolutiva dos indivíduos, melhorando a condição espiritual do planeta como um todo, pois faz com que, cada vez mais, desencarnemos significativamente melhores do que quando reencarnamos.

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita