Coerência
doutrinária
Não é
possível
ser
espírita
e, ao
mesmo
tempo,
esposar
princípios
contrários
ao
Espiritismo
“(...) O
Espiritismo
é uma
Doutrina
que se
basta a
si
mesma,
sem
empréstimos
nem
acréscimos
artificiais.”
-
-
Deolindo
Amorim
Sempre
será
muito
difícil
a
tradução
de um
livro
obedecer
fielmente
às
nuanças
e
sintonias
finas do
original,
em
virtude
das
características
particulares,
das
idiossincrasias
de cada
idioma.
Sem
embargo,
tais
distorções
não
estão
atreladas
tão-somente
às
questões
do
vernáculo,
mas
também
ao
talante
do
tradutor.
As
traduções
da
Codificação
Espírita
não
escaparam
dessas
ocorrências...
Coligindo-as
em
“pente-fino”,
com o
original
francês,
vamos
encontrar
pequenas
e
grandes
distorções,
sem
falar
dos
pleonasmos,
(encarar
face a
face) já
do
âmbito
interno.
Vamos
apenas a
um
exemplo,
para
elucidar
o que
estamos
falando:
No
original
francês
de “O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo”,
no
capítulo
XXVII,
item 22,
§ 2º,
lemos no
texto de
V. Monod.
(Bordéus,
1862):
“(...)
La
prière
du
chrétien,
du
Spirite
de
quelque
culte
que ce
soit,
doit
être
faite
dès que
l`Esprit
a repris
le joug
de la
chair...”
Na
tradução
de
Guillon
Ribeiro
da FEB,
temos:
“(...) A
prece do
cristão,
do
Espírita,
seja
qual for
o culto,
deve ele
dizê-la
logo que
o
Espírito
haja
retomado
o jugo
da
carne...”
Na
tradução
de
Herculano
Pires,
da LAKE,
lemos:
“(...) A
prece do
cristão,
do
Espírita,
principalmente,
de
qualquer
outro
culto
que
seja,
deve ser
feita no
momento
em que o
Espírito
retoma o
jugo da
carne...”
Na
tradução
de
Salvador
Gentile,
da IDE,
e de
Elias
Barbosa
da Ed.
Allan
Kardec,
observamos:
“(...)
A prece
do
cristão,
do
espírita,
de
qualquer
culto
que
seja,
deve ser
feita
desde
que o
Espírito
retomou
o jugo
da
carne...”
Na
tradução
de
Torrieri
Guimarães,
revisada
por
Carlos
Imbassahy,
da Ed.
Edigraf,
flagramos:
“(...) A
rogativa
do
cristão,
do
espiritista
e de
qualquer
culto
que
seja,
deve ser
feita
desde
que o
Espírito
haja
retomado
o jugo
da
carne...”
Herculano
Pires,
que sem
a menor
dúvida
foi
“o
melhor
metro
que
mediu
Kardec”,
chega
mesmo a
fazer
uma
oportuna
ressalva:
“Nos
primeiros
tempos,
os
adeptos
do
Espiritismo
ainda
permaneciam,
muitas
vezes,
ligados
às
Igrejas
de que
provinham.
O mesmo
aconteceu
com o
Cristianismo
dos
primeiros
tempos”.
Sem
embargo,
as
traduções
foram
feitas,
salvaguardando
a
possibilidade
de se
entender
que o
Espírita
poderia
ser ao
mesmo
tempo
católico,
protestante,
umbandista
etc....
Tudo por
uma
simples
questão
de
vírgula,
que muda
totalmente
o
sentido
original
do texto
que
analisamos.
O não
menos
notável
DEOLINDO
AMORIM,
que
também
estudou
o
Espiritismo
no
original
francês,
vem em
nosso
auxílio,
no
episódio
que
destacamos
nas
diversas
traduções
acima e
esclarece:
“(...) A
expressão
“espírita
de
qualquer
culto”,
poderia
abonar
facilmente
a
opinião,
aliás,
respeitável,
daqueles
para
quem se
pode ser
ao mesmo
tempo
espírita,
católico,
budista
ou
metodista...
Sim,
se o
pensamento
que
ocorreu
na
comunicação
foi o de
Espírita,
na
acepção
trivial
da
pessoa
que
apenas
crê nos
Espíritos.
Aí a
expressão
estaria
certa, e
não há
dúvida
alguma,
porque
se pode
cultivar
a
mediunidade
ou a
crença
nos
Espíritos
desencarnados
e
pertencer
a
qualquer
culto
religioso...
A
faculdade
mediúnica
é
independente
da
convicção
religiosa.
Em todas
as
religiões
há
pessoas
que
creem
nos
Espíritos.
Há muita
diferença,
todavia,
entre o
“crente”
e o
“adepto”
da
Doutrina:
Crente
é todo
aquele
que,
embora
não
aceite a
Doutrina
Espírita,
porque
não abre
mão de
suas
ideias
religiosas
ou de
suas
opiniões
filosóficas,
crê na
intervenção
dos
Espíritos,
e apenas
isto.
Adepto é
aquele
que se
filia à
Doutrina,
que
adere
conscientemente
à
filosofia
do
Espiritismo,
porque
encontra
nesta
filosofia
uma
concepção
de vida
que
atende
às
solicitações
de sua
inteligência
e de
seus
sentimentos.
Notemos
que a
comunicação
se
refere a
“espírita
de
qualquer
culto”,
(Spirite
de
quelque
culte
que ce
soit),
mas
de um
modo
indeterminado
sem
definir
o que é
espírita,
porque o
pensamento
central
está
preocupado,
principalmente,
com o
valor da
prece
para
todos os
homens
que têm
crença...
Tanto
isto é
certo,
que a
comunicação
começa
por uma
ideia
geral: “o
primeiro
dever de
toda
criatura
humana,
o
primeiro
ato pelo
qual
deve
demonstrar
a
entrada
na vida
ativa de
cada
dia, é a
prece.
Quase
todos
oram,
mas quão
poucos
sabem
orar!”
Se a
intenção
do
Espírito
comunicante
— como
no-lo
mostra
todo o
contexto
da
dissertação
— é
chamar a
atenção
dos
crentes
em geral
para a
necessidade
da prece
sincera,
sejam
quais
forem as
suas
denominações
religiosas,
não
se pode
dar
àquela
expressão
o
sentido
de um
conceito
completo.
Não é
uma
definição,
é
um
pensamento
que
participa
de uma
série de
advertências
feitas
indistintamente.
A
circunstância
de tempo
vai
incidir,
outra
vez,
nesta
ordem de
ideias.
A
publicação
de “O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo”
é de
1864.
Ainda se
falava,
amplamente,
em
espírita
de “qualquer
culto”,
de
um modo
a bem
dizer
vago,
sem
precisar
os
termos.
Decorrido
um
período
de mais
de
quatro
anos, na
fase
final de
seus
incessantes
e
profícuos
trabalhos,
vemos
Allan
Kardec
dizer,
textualmente,
o
seguinte:
“A
crença
no
Espiritismo
já não
será
simples
aquiescência,
muitas
vezes
parcial,
a uma
ideia
vaga,
porém,
uma
adesão
motivada,
feita
com
conhecimento
de causa
e
comprovada
por um
título
oficial,
deferido
ao
aderente.
Assentando
numa
base
precisa
e
definida,
essa
qualificação
a nenhum
equívoco
dá
lugar,
permitindo
aos
adeptos
que
professem
os
mesmos
princípios
e
caminhem
pela
mesma
senda se
reconheçam,
sem
outra
formalidade
mais do
que a
declaração
de sua
qualidade
e, se
for
preciso,
a
apresentação
de seu
título”.
Essas
declarações
de
Kardec
fazem
parte da
“Constituição
do
Espiritismo”
e foram
incorporadas
às
matérias
finais
do
livro:
“Obras
Póstumas”.
Aquele
trecho
tem
valor
fundamental,
porque é
o
resultado
de um
processo
de
embasamento
em que,
tendo
chegado
às
últimas
conclusões,
a obra
do
Codificador
já
estava
em
condições
de fazer
exigências
consentâneas
com o
caráter
da
Doutrina.
Convém
recordar
que a
Codificação,
a esta
altura,
já
estava
terminada.
Cabia,
agora,
ao seu
organizador,
traçar
normas
para os
adeptos
do
Espiritismo.
Como
acabamos
de ver,
era
tanto o
rigor de
Allan
Kardec,
que
reclamava,
até, o
título
de
espírita
para que
alguém
pudesse
aparecer
como
adepto
professo
do
Espiritismo.
A
credencial
do
espírita
seria
subscrita
por uma
Sociedade,
justamente
para
evitar
confusão
com os
adventícios
e falsos
espíritas.
Assim
pensava
o
Codificador
da
Doutrina.
Não
seria
muito
fácil
tornar-se
espírita,
como não
bastaria
apenas
tomar
passes
ou
comparecer
religiosamente
a
sessões
espíritas.
Se Allan
Kardec,
depois
de doze
anos
ininterruptos
de
trabalho,
porque
foi esse
o
período
de
execução
de sua
Obra,
chegou à
conclusão
de que a
condição
de
espírita
exige a
concordância
com os
princípios
da
Doutrina,
é justo
deduzir,
daí, que
não é
possível
ser
espírita
e, ao
mesmo
tempo,
esposar
princípios
contrários
ao
Espiritismo.
Vamos
pela
lógica:
se o
Espiritismo
é uma
Doutrina
que não
admite o
culto de
imagens,
e se
alguém,
apesar
de ler e
“compreender”
a
Doutrina,
adora
imagens
e crê no
fogo
do
inferno
e
outros
dogmas
irreconciliáveis
com o
Espiritismo,
evidentemente
não é
espírita.
Quem
assim
ainda
pensa
pode ser
simpatizante,
mas não
é adepto
da
Doutrina.
Se,
portanto,
em
vários
passos
da obra
de
Kardec,
lemos
expressões
como: “espírita
de
qualquer
culto”,
“espírita
é todo
aquele
que crê
nas
manifestações
dos
Espíritos”
e
ainda
outras
igualmente
abertas
a
quaisquer
interpretações
pessoais,
logo
depois,
no
momento
oportuno,
o
Codificador
da
Doutrina
faz ver
que não
é tão
simples
ser
espírita,
tanto
assim
que ele
próprio
disse
que lhe
assistia
o
direito
de “definir
as
crenças
e as
qualidades
do
verdadeiro
espírita”.
Em 1859
escreveu
Kardec
no livro
“O
Que é o
Espiritismo”:
“(...)
O
verdadeiro
caráter
do
Espiritismo
é o de
uma
ciência,
e não de
uma
religião;
e a
prova é
que
conta,
entre os
seus
aderentes,
com
pessoas
de todas
as
crenças,
e que,
nem por
isso,
renunciam
às suas
convicções:
católicos
fervorosos,
que não
deixam
de
praticar
os
deveres
de seus
cultos;
protestantes
de todas
as
seitas,
israelitas,
muçulmanos
e até
budistas
e
bramanistas...”
Quando
Kardec
escreveu
as
palavras
acima,
tal como
na
questão
das
traduções
que
comentamos,
não
podemos
perder
de vista
que o
Espiritismo
ainda
estava
sendo
gerado
no
“útero”
da
Ciência
e
cercado
pelo
“líquido
amniniótico”
da
filosofia,
e como
tal
podia
perfeitamente
não
causar
estranheza
e ser
aceito
por
cientistas,
filósofos
e
religiosos
de todos
os
matizes.
Mas...
quando,
a partir
de 1864,
com a
impactante
publicação
do livro
“O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo”,
a
Doutrina
Espírita
começou
a se
nortear
em
direção
à sua
tríplice
formatação:
Ciência,
Filosofia
e
Religião,
já não
poderia
mais
haver
compatibilização
doutrinária
possível
entre o
Espiritismo
e as
religiões
tradicionais,
estas
últimas
sempre
engessadas
em seus
ancestrais
dogmas
ancilosantes
e
limitadas
a
círculos
restritos.
Portanto,
não
poderiam
mais
existir
“espiritólicos”
e
quejandos...
Tudo
isso
fica
claro e
transparente
quando
lemos em
a
“Constituição
do
Espiritismo”,
nas
páginas
finais
do livro
“Obras
Póstumas”,
de
Allan
Kardec:
“(...) O
Espiritismo
teve,
como
todas as
coisas,
o seu
período
de
gestação
e,
enquanto
todas as
questões,
principais
e
acessórias,
que
d`Ele
derivam
não se
acharem
resolvidas,
somente
pode dar
resultados
incompletos.
Entreviu-se-lhe
a
finalidade,
pressentiram-se-lhe
as
consequências,
mas
apenas
de modo
vago. Da
incerteza
sobre
pontos
ainda
não
determinados
haviam
forçosamente
de
nascer
divergências
sobre a
maneira
de os
considerar;
a
unificação
tinha
que ser
obra do
tempo e
se
efetuou
gradualmente
à medida
que os
princípios
se foram
elucidando.
Unicamente
quando
tiver
desenvolvido
todas as
partes
em que
se
desdobra
é que a
Doutrina
formará
um todo
harmônico
e só
então se
poderá
julgar
do que é
o
Espiritismo.
Enquanto
ele não
passava
de uma
opinião
filosófica,
não
podia
contar,
da parte
de seus
adeptos,
senão
com a
simpatia
natural
que a
comunhão
de
ideias
produz;
nenhum
laço
sério
podia
existir
entre
eles,
por
falta de
um
programa
claramente
traçado.
Esta,
evidentemente,
a causa
fundamental
da débil
coesão e
da
instabilidade
dos
grupos e
sociedades
que logo
se
formaram.
Por
isso
mesmo,
constantemente
procuramos,
e com
todas as
nossas
forças,
afastar
os
espíritas
do
propósito
de
fundarem
prematuramente
qualquer
instituição
especial
com base
na
Doutrina,
antes
que esta
assentasse
em
alicerces
sólidos.
Fora se
exporem
a
fracassos
inevitáveis,
cujo
efeito
teria
sido
desastroso,
pela
impressão
que
produziriam
no
público
e pelo
desânimo
em que
lançariam
os
adeptos.
Semelhantes
fracassos
talvez
retardassem
de um
século o
progresso
definitivo
da
Doutrina,
a cuja
impotência
se
imputaria
um
insucesso
devido,
na
realidade,
à
imprevidência.
Por não
saberem
esperar,
a fim de
chegarem
no
momento
exato,
os muito
apressados
e os
impacientes,
em todos
os
tempos,
hão
comprometido
as
melhores
causas.
Não se
deve
pedir às
coisas
senão o
que elas
podem
dar, à
medida
que se
vão
pondo em
estado
de
produzir.
Não se
pode
exigir
de uma
criança
o que se
pode
esperar
de um
adulto,
nem de
uma
árvore
que
acaba de
ser
plantada
o que
ela dará
quando
estiver
em toda
a sua
pujança.
O
Espiritismo,
em via
de
elaboração,
somente
resultados
individuais
podia
dar; os
resultados
coletivos
e gerais
serão
fruto do
Espiritismo
completo,
que
sucessivamente
se
desenvolverá”.
Notamos
assim,
com
Kardec e
com
Deolindo
Amorim,
que
alguma
coisa se
completou,
conforme
palavras
do
próprio
Codificador
na obra
referida;
e nesse
completou,
está
implícito
o
surgimento
do
Espiritismo
em sua
definitiva
formatação:
Ciência,
Filosofia
e
Religião.
Ao
consolidar-se
o
aspecto
religioso
do
Espiritismo,
foi uma
debandada
só, já
que
muitos
não
aderiram
(até
hoje) ao
tríplice
aspecto.
Os que
permaneceram
nas
fileiras
espiritistas
a partir
daí é
que
realmente
podem
ser
chamados
de
Espíritas
Verdadeiros
ou
Espíritas-Cristãos.
Certo do
levantar
dos
broquéis
e da
debandada
geral
que
aconteceria
com o
incremento
religioso
do
Espiritismo,
Kardec
escreveu:
“(...)
Se a
constituição
tem por
efeito
diminuir
momentaneamente
o número
aparente
dos
espíritas,
terá,
por
outro
lado,
como
consequência,
dar mais
força
aos que
caminharem
de comum
acordo
para a
realização
do
grande
objetivo
humanitário
que o
Espiritismo
há de
alcançar.
Eles se
conhecerão
e se
estenderão
mutuamente
as mãos,
de um
extremo
a outro
do
mundo.
Terá,
além
disso,
por
efeito
opor
barreira
às
ambições
que, se
se
impusessem,
tentariam
desviá-lo
em
proveito
próprio.
Tudo
está
calculado,
visando
esse
resultado,
pela
supressão
de toda
autocracia
ou
supremacia
pessoal”.
Segundo
Deolindo
Amorim2,
“O
Espiritismo
é uma
Doutrina
que se
basta a
si
mesma,
sem
empréstimos
nem
acréscimos
artificiais”.
Contestar,
quem há
de?
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 25. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1990, – Constituição do Espiritismo (in fine).