A Revue Spirite
de 1867
Allan Kardec
(Parte
11)
Continuamos a apresentar
o
estudo da Revue
Spirite
correspondente ao ano de
1867. O texto condensado
do volume citado será
aqui apresentado em 16
partes, com base na
tradução de Júlio Abreu
Filho publicada pela EDICEL.
Questões preliminares
A. Qual é o caráter da
revelação espírita?
O que caracteriza a
revelação espírita é que
sua fonte é divina, ou
seja, a iniciativa
pertence aos Espíritos,
mas sua elaboração é
produto do trabalho do
homem. Como meio de
elaboração, o
Espiritismo procede da
mesma maneira que as
ciências positivas, isto
é, aplica o método
experimental, sem
estabelecer jamais
qualquer teoria
preconcebida, mas seu
objetivo especial é o
conhecimento das leis do
princípio espiritual.
Desse modo, o
Espiritismo e a ciência
se completam mutuamente.
A ciência sem o
Espiritismo se acha na
impossibilidade de
explicar certos
fenômenos; o Espiritismo
sem a ciência estaria
sem apoio e controle.
(Revue Spirite de 1867,
pp. 261 a 285.)
B. Kardec diz que o
Espiritismo pode ser
considerado, sim, a
terceira grande
revelação. Quais são as
duas primeiras?
A primeira foi personalizada em Moisés, que
revelou aos homens o
conhecimento de um Deus
único, soberano senhor e
criador de todas as
coisas, a lei do Sinai e
os fundamentos da
verdadeira fé. A segunda
revelação foi-nos
trazida pelo Cristo,
que, tomando da antiga
lei o que é eterno e
divino e rejeitando o
que era transitório,
acrescentou à primeira a
revelação da vida futura
e das penas e
recompensas que esperam
o homem depois da morte.
A parte mais importante
da revelação do Cristo é
o ponto de vista
inteiramente novo sob o
qual faz encarar a
Divindade. Deus não é
mais o Deus terrível,
ciumento e vingativo de
Moisés, mas um Deus
clemente e
misericordioso que
perdoa o pecador
arrependido e dá a cada
um segundo as suas
obras.
(Obra citada, pp. 261 a 285.)
C. Por que motivo,
apesar do advento do
Cristo, seria necessária
uma nova revelação?
A razão disso é muito simples: Jesus, conforme
ele mesmo o declarou,
não disse tudo o que
gostaria de ter dito,
porque os homens de sua
época não o
compreenderiam. Eis por
que, segundo suas
palavras, seria enviado
mais tarde à Terra o
Consolador, o Espírito
de Verdade, que haveria
de restabelecer todas as
coisas e explicar tudo
quanto ele dissera. É
por isso que a terceira
revelação não é, ao
contrário das duas
primeiras, personificada
em nenhum indivíduo. As
duas primeiras são
individuais, a terceira
é coletiva e produziu-se
simultaneamente em
milhares de pontos
diversos, que se
tornaram centros ou
focos de irradiação da
doutrina espírita.
(Obra citada, pp. 261 a 285.)
Texto para leitura
135. Duas comunicações mediúnicas recebidas em
julho na Sociedade de
Paris fecham o número de
agosto de 1867. A
primeira recebeu por
título “Os espiões”;
a segunda, “A
responsabilidade moral”.
Eis, de forma resumida,
o que nelas se contém: I
– A era nova começa, e
com ela o Espiritismo.
II – Seu pequeno
batalhão é muito fraco
em número, mas pouco a
pouco ganha novos
aderentes e em breve
será um exército:
exército de veteranos do
bem. III – Hoje
começa-se a tomar em
consideração esse pobre
Espiritismo, que diziam
natimorto, mas que agora
é visto como um inimigo
sério. IV – É o
pressentimento dos casos
que têm alguma chance de
se apresentar, que faz
nascer no homem os
pensamentos adequados à
resolução das
dificuldades que eles
poderiam suscitar. Aí
está o livre-arbítrio. V
– Se os homens só
tivessem as ideias que
os Espíritos lhes
inspiram, teriam pouca
responsabilidade e pouco
mérito. VI – Não se deve
concluir disso que o
homem não seja assistido
em seus pensamentos e em
seus atos pelos
Espíritos que o cercam.
VII – Em geral, o homem
que busca, quando
entregue às suas
reflexões, quase sempre
age só, sob o olhar
vigilante de seu
Protetor espiritual, que
intervém se o caso for
bastante grave para
tornar necessária sua
intervenção. (Págs.
256 a 258.)
136. Caracteres da revelação espírita, artigo
extraído do livro “A
Gênese”, então no
prelo, abre o número de
setembro.
(N.R.: O artigo é a
reprodução literal dos
itens 1 a 55 do capítulo
I da obra citada, que
seria publicada poucos
meses depois, em janeiro
de 1868.) (Págs. 261 a 285.)
137. Do artigo mencionado destacamos os pontos
que se seguem: I – O
caráter essencial de
toda revelação deve ser
a verdade. II – Se Deus
suscita reveladores para
as verdades científicas,
pode também suscitá-los
para as verdades morais.
III – Somente os
Espíritos puros recebem
a palavra de Deus com a
missão de a transmitir.
IV – Sendo a eterna
verdade o caráter
essencial da revelação
divina, toda revelação
manchada de erro ou
sujeita a mudança não
pode emanar de Deus. V –
O Decálogo tem todos os
caracteres de sua
origem, ao passo que as
outras leis mosaicas,
por vezes em contradição
com a lei do Sinai, são
obra pessoal e política
de Moisés . VI – O
Espiritismo, ao dar-nos
a conhecer o mundo
invisível que nos cerca,
as leis que o regem, as
relações com o mundo
visível, a natureza e o
estado dos seres que o
habitam, é uma
verdadeira revelação, na
acepção científica do
vocábulo. VII – O que
caracteriza a revelação
espírita é que sua fonte
é divina, que a
iniciativa pertence aos
Espíritos e que a
elaboração é produto do
trabalho do homem. VIII
– Como meio de
elaboração, o
Espiritismo procede da
mesma maneira que as
ciências positivas, isto
é, aplica o método
experimental, sem
estabelecer jamais
qualquer teoria
preconcebida. IX – O
objetivo especial do
Espiritismo é o
conhecimento das leis do
princípio espiritual. X
– O Espiritismo e a
ciência se completam
mutuamente. A ciência
sem o Espiritismo se
acha na impossibilidade
de explicar certos
fenômenos; o Espiritismo
sem a ciência estaria
sem apoio e controle. XI
– É com razão que o
Espiritismo é
considerado a terceira
grande revelação. A
primeira, personalizada
em Moisés, revelou aos
homens o conhecimento de
um Deus único, soberano
senhor e criador de
todas as coisas, a lei
do Sinai e os
fundamentos da
verdadeira fé. XII – O
Cristo, tomando da
antiga lei o que é
eterno e divino e
rejeitando o que era
transitório, acrescentou
à primeira a revelação
da vida futura e das
penas e recompensas que
esperam o homem depois
da morte. XIII – A parte
mais importante da
revelação do Cristo é o
ponto de vista
inteiramente novo sob o
qual faz encarar a
Divindade. Deus não é
mais o Deus terrível,
ciumento e vingativo de
Moisés, mas um Deus
clemente e
misericordioso que
perdoa o pecador
arrependido e dá a cada
um segundo as suas
obras. XIV – Toda a
doutrina do Cristo está
fundada no caráter que
ele atribui à Divindade.
Com um Deus imparcial,
soberanamente justo, bom
e misericordioso, ele
pôde fazer do amor de
Deus e da caridade para
com o próximo a condição
expressa da salvação. XV
– O Cristo, contudo, não
disse tudo o que poderia
ter dito, porque os
homens de sua época não
o compreenderiam. Eis
por que mais tarde seria
enviado à Terra o
Consolador, o Espírito
de Verdade, que haveria
de restabelecer todas as
coisas e explicar tudo
quanto ele dissera. XVI
– Se considerarmos o
poder moralizador do
Espiritismo, a força
moral, a coragem e as
consolações que ele dá
nas aflições,
reconheceremos que ele
realiza todas as
promessas do Cristo a
respeito do Consolador
prometido. Ora, como é o
Espírito de Verdade que
preside ao grande
movimento de
regeneração, a promessa
de seu advento se acha
realizada, porque ele é,
de fato, o verdadeiro
Consolador. XVII – A
terceira revelação não
é, ao contrário das duas
primeiras, personificada
em nenhum indivíduo. As
duas primeiras são
individuais, a terceira
é coletiva e produziu-se
simultaneamente em
milhares de pontos
diversos, que se
tornaram centros ou
focos de irradiação da
doutrina espírita. XVIII
– A doutrina de Moisés é
absoluta, despótica; não
admite discussão e se
impõe a todo o povo pela
força. A de Jesus é
essencialmente
conselheira; é
aceita livremente e não
se impõe senão pela
persuasão. A terceira
revelação veio numa
época de emancipação e
de maturidade
intelectual, em que o
homem nada aceita
cegamente; devia ser,
pois, ao mesmo tempo, o
produto de um ensino e o
fruto do trabalho, da
pesquisa e do livre
exame. XIX – Um último
caráter da revelação
espírita é que,
apoiando-se nos fatos,
ela é e não pode deixar
de ser essencialmente
progressiva, como todas
as ciências de
observação. Marchando
com o progresso, o
Espiritismo jamais será
ultrapassado porque, se
novas descobertas lhe
demonstrarem que está em
erro num ponto,
modificar-se-á nesse
ponto; se uma nova
verdade se revelar, ele
a aceitará. (Págs.
261 a 285.)
138. Completando o estudo a respeito das ideias
espíritas contidas na
obra As Aventuras de
Robinson Crusoe, a
Revue acrescenta
novas informações sobre
o conhecido romance e
transcreve trechos dele
que falam de
comunicações com
Espíritos, sonhos,
pressentimentos e
inspirações. Estas,
segundo o autor de
Robinson Crusoe,
“não passam de discursos
que imperceptivelmente
nos são soprados ao
ouvido, ou por bons
anjos que nos favorecem,
ou por esses diabos
insinuantes que nos
espreitam
continuamente”.
(Págs. 285 a 291.)
139. Em uma nota aposta logo abaixo do artigo,
Kardec observa que fazia
mais de um século que
Daniel Defoe, que viveu
na Inglaterra entre 1661
e 1731, escreveu o
referido romance, que
contém expressões que
parecem tomadas à
moderna doutrina
espírita. Em mensagem
dada na Sociedade
Espírita de Paris,
Daniel Defoe explicou
suas crenças sobre esse
ponto, dizendo que
pertencera à seita dos
teósofos, a qual
professava os mesmos
princípios. Por que,
então, essa doutrina não
tomou a extensão que o
Espiritismo acabou
adquirindo? Várias foram
as razões: I – os
teósofos mantinham suas
doutrinas quase
secretas. II – a opinião
das massas não estava
madura para as
assimilar. III – era
preciso que uma sucessão
de acontecimentos desse
outro curso às ideias.
IV – era necessário que
a incredulidade
preparasse os caminhos.
V – a Providência não
tinha julgado que já
fosse tempo de tornar
gerais as manifestações
dos Espíritos. “Foi a
generalização desta
ordem de fenômenos – diz
Kardec – que vulgarizou
a crença nos Espíritos e
a doutrina, que é o seu
corolário.” (Pág.
291.)
140. A Revue noticia o lançamento do livro
Deus na Natureza, de
Camille Flammarion, obra
em que o autor procedeu
da mesma maneira que em
seu livro sobre a
pluralidade dos mundos
habitados, colocando-se
no próprio terreno de
seus adversários. Se
Flammarion tivesse
buscado seus argumentos
na teologia, no
Espiritismo ou em
doutrinas
espiritualistas
quaisquer, teria
estabelecido premissas
que talvez fossem
rejeitadas. Mas
Flammarion, sabiamente,
fala na obra em nome da
ciência pura e não de
uma ciência fantasista e
superficial, e o faz com
a autoridade que lhe dá
seu saber pessoal. Seu
livro é, pois, um desses
que têm um lugar marcado
nas bibliotecas
espíritas, porque é uma
monografia de uma
das partes constituintes
da doutrina, onde o
crente encontra para se
instruir tanto quanto o
incrédulo. (Págs. 292
a 294.)
141. O número de outubro é aberto com um artigo
em que Kardec afirma que
as ideias espíritas
pareciam espalhar-se por
todos os lugares, na
imprensa, nos livros, na
poesia, nos discursos e
até nos sermões, embora
houvesse o cuidado por
parte das pessoas de não
pronunciar a palavra
Espiritismo. De onde
vinham essas ideias, se
muitos que as emitiam
não eram espíritas? “Já
o dissemos várias vezes
- explica Kardec -:
quando uma verdade chega
a termo e o espírito das
massas está maduro para
a assimilar, a ideia
germina em toda a parte:
está no ar, levada a
todos os pontos pelas
correntes fluídicas.”
(Págs. 295 a 297.)
142. Na parte final do artigo, Kardec reproduz
artigo publicado pelo
Phare de la Manche,
jornal de Cherbourg, em
18/8/1867, no qual o
autor mostra que dois
mil anos atrás a casta
sacerdotal dos druidas
ensinava a seus adeptos
uma doutrina estranha
que – fácil é perceber –
era em tudo semelhante à
doutrina espírita. O Sr.
Digard, o autor do
artigo, evidentemente
não menciona nele a
palavra Espiritismo.
Será que ele não o
conhecia ou por
conveniência se absteve
de citá-lo? (Págs.
297 a 301.)
143. A Revue focaliza o caso da senhora
Condessa de Clérambert,
falecida anos antes em
idade avançada e que se
notabilizara pelas curas
que operou em criaturas
consideradas incuráveis.
Muitas vezes ela tratava
por correspondência e,
sem ter visto os
doentes, descrevia a
doença perfeitamente.
Ela dizia receber
instruções sobre o
tratamento que fazia,
sem explicar a maneira
por que lhe eram
transmitidas. A Condessa
não tratava os enfermos
pelo magnetismo ou pela
imposição das mãos, mas
pelo emprego de
medicamentos que ela
mesma preparava conforme
as indicações que
recebia. Algumas vezes o
resultado era quase
instantâneo, outras
vezes requeria mais
tempo. Foi assim que
curou radicalmente um
grande número de
epilépticos e doentes de
afecções agudas ou
crônicas que os médicos
já haviam abandonado.
(Págs. 301 e 302.)
144. A sra. Clérambert não era um médium curador, mas
um médium-médico, que
gozava de uma
clarividência que lhe
permitia ver o mal e a
guiava na aplicação dos
remédios que lhe eram
inspirados. Nada cobrava
das pessoas que a
buscavam, mas não
recusava das pessoas
ricas, reconhecidas por
terem sido curadas,
aquilo que entendiam de
lhe dar, e o empregava
para suprir as
necessidades daqueles a
quem faltava o
necessário. (Pág.
302.)
145. A 5 de abril de 1867, o Espírito de Adèle de
Clérambert comunicou-se
na Sociedade Espírita de
Paris, ocasião em que
explicou de onde lhe
vinha o gosto pelo
estudo dos assuntos
médicos. Ela fora médico
em vida precedente. Um
Espírito amigo a ajudava
a aliviar os doentes que
a procuravam, mas para
isto ele lhe havia
recomendado o mais
completo desinteresse,
sob pena de perder
instantaneamente a
faculdade que constituía
a sua felicidade. O
desinteresse moral, a
humildade e a abnegação
constituíam, segundo
ele, condições
essenciais à perpetuação
de sua faculdade, que
ela procurou observar
até o fim de sua
existência. (Págs.
302 a 304.)
146. Comentando o assunto, Kardec diz que a
faculdade mediúnica
apresentada por Adèle de
Clérambert era, em sua
opinião, o tipo de
mediunidade que poderá,
no futuro, apresentar-se
em muitos médicos,
quando entrarem na via
da espiritualidade que o
Espiritismo lhes abre,
porque muitos verão,
então, desenvolver-se em
si faculdades intuitivas
que lhes serão um
precioso auxílio na
prática. (Págs. 304 e
305.)
147. É um erro, diz Kardec, crer que a
mediunidade curadora
venha destronar a
medicina e os médicos.
Ela vem abrir-lhes uma
nova via e mostrar, na
natureza, recursos e
forças que ignoravam e
com as quais podem
beneficiar a ciência e
os doentes. Um dia
haverá
médicos-médiuns,
como há médiuns-médicos,
os quais juntarão à
ciência adquirida o dom
de faculdades mediúnicas
especiais. (Pág.
305.)
148. O desinteresse material é um dos atributos
essenciais da
mediunidade curadora.
Como a faculdade
mediúnica nada lhe
custou, o médium curador
deve usá-la
gratuitamente. Diferente
será a posição dos
médicos-médiuns, porque
o exercício da medicina
é uma profissão que
precisa ser remunerada
como qualquer outra e
foi adquirida a título
oneroso. Porque um
médico tornou-se médium
e é assistido por
Espíritos no tratamento
de seus doentes, não se
segue que deva renunciar
à remuneração. Se ele o
fizer, viverá de quê?
(Págs. 305 e 306.)
149. A mediunidade curadora não matará a medicina, mas
deverá modificar
profundamente a ciência
médica. Médiuns
curadores sempre houve e
continuarão a existir,
mas deverão ser menos
numerosos à medida que
aumentar o número de
médicos-médiuns.
Ter-se-á então mais
confiança nos médicos
quando forem médiuns e
mais confiança nos
médiuns quando forem
médicos. (Pág. 307.)
(Continua no próximo
número.)