Cigarra morta
Cármen Cinira
Chamam-me agora aí
Cigarra morta,
E não podia haver melhor
definição,
Porque caí estonteada à
porta
Do castelo em ruínas,
Do desencanto e da
desilusão!...
Minhas futilidades
pequeninas...
Meus grandes
desenganos...
Eu mesma inda não sei
Se é ventura morrer na
flor dos anos...
Sei apenas que choro
O tempo que perdi,
Cantando em demasia a
carne inutilmente;
E vivo aqui, somente,
De quanto idealizei
De belo, de perfeito,
grande e santo,
Que inda hei de realizar
Com a rima do meu verso
e a gota do meu pranto.
Dá-me força, Senhor,
Para concretizar meu
anseio de amor:
Evita-me a saudade
Da minha improdutiva
mocidade!
Eu não quero sentir,
Como cigarra que era,
A falta das canículas
doiradas
Sob a luz de ridente
primavera.
Já que tombei cansada de
cantar,
Calando amargamente,
Perdoa, Deus de Amor, o
meu pecado:
Que eu olvide a cigarra
do passado,
Para ser uma abelha
previdente.
Cármen Cinira, nome
literário de Cinira do
Carmo Bordini Cardoso,
nasceu no Rio de Janeiro
em 1902, e faleceu em
30 de agosto de 1933.
Sua espontaneidade
poética era tão grande
que ela própria
acreditava serem os seus
versos de origem
mediúnica. O poema
acima integra o
Parnaso de Além-Túmulo,
obra psicografada pelo
médium Chico Xavier.
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