ORSON PETER
CARRARA
orsonpeter@yahoo.com.br
Matão, São Paulo
(Brasil)
Dona Maria
Durante algum
tempo, na década
de 90, presidi o
Lar Espírita
José Gonçalves,
em Mineiros do
Tietê, minha
cidade natal.
Fundada em 1940,
continua sua
tarefa de
acolher idosos
que estejam em
desamparo. Ali
muito aprendi na
convivência com
idosos de
diferentes
experiências de
vida.
Entre as
vivências
marcantes
destaco a
personalidade de
Dona Maria.
Conheci-a desde
criança; quando
me dei conta de
mim mesmo, ela
já era a
cozinheira do
Lar. Sempre com
mão firme e
responsabilidade,
durante décadas
ela foi a
responsável pela
alimentação
diária dos
demais idosos,
com o café da
manhã e da
tarde, almoço e
jantar, todos os
dias. Residia no
Lar, pois ali
viera também em
desamparo, e sua
honestidade e
firmeza sempre
foram
admiráveis.
Minha infância
passou e cresci
observando a
determinação
daquela valorosa
mulher. Algum
tempo depois de
assumir a
presidência da
instituição,
ela, já idosa,
adoeceu e viveu
períodos de
muita
dificuldade com
a saúde.
No período
terminal de
vida, com a
doença
persistente, ela
sofria em
intensa agonia.
Certa noite de
intenso
sofrimento, já
sem conseguir
falar e se
alimentar,
aproximei-me
dela e falei-lhe
aos ouvidos:
Dona Maria,
acalme seu
coração, pode
partir sem medo,
sem receios. A
vida continua e
a senhora será
bem recebida
pelo amor e
dedicação de
tantos anos a
esse Lar. Não
tenha medo. O
amparo de Deus
nunca falta e
também não lhe
faltará. Somos
todos imortais.
Não tenha medo,
estou aqui
contigo e
numerosos amigos
queridos te
aguardam para
igualmente te
amparar...
Aquelas palavras
funcionaram,
parece-me, como
uma senha para
aquele coração
sofrido. Ela
realmente
acalmou-se e
partiu...
O fato marcou-me
profundamente.
Vivi
experiências
semelhantes com
outras pessoas e
pude concluir
que muitos temem
partir. Medo de
não mais viver,
medo do
desconhecido. A
imortalidade,
todavia, é
realidade
patente que
precisamos
sempre divulgar
amplamente e
muitas vezes
falar
particularmente
nesses casos,
ajudando as
pessoas a se
desprenderem do
corpo, nos casos
de agonia que se
agrava com o
medo, sem
cometermos o
equívoco da
eutanásia ou o
estímulo à
ilusão do
suicídio. O
conforto aqui é
moral. O que se
deseja dizer é
exatamente essa
presença
carinhosa que se
pode oferecer
aos que estão
próximos da
partida para a
vida nova,
encorajando-os
com a glória da
imortalidade.
Escrevi equívoco
da eutanásia e
ilusão do
suicídio. É isto
mesmo. Não
errei. O momento
de partir
pertence a Deus,
pois o último
instante pode
ser decisivo nas
reflexões e
decisões da alma
imortal, que
prosseguirá
vivendo, daí não
termos o direito
de matar – na
prática da
eutanásia. No
caso específico
do suicídio –
grave ilusão que
precipita seu
protagonista em
situações piores
daquelas de que
desejou fugir –
a primeira
grande decepção
que o aguarda é
reconhecer-se
vivo, com os
agravantes do
remorso agudo,
das dores
próprias do
gesto e das
aflições do
sofrimento que
ocasionou à
família, sem
condições de
reparação
imediata.
Por isso tudo, a
dedicação
persistente de
Dona Maria –
durante boa
parte de sua
idade madura –
apesar das
dificuldades que
enfrentou, valeu
muito no momento
de partir,
serena e
confiante.
Afinal, a vida é
muito preciosa
para ser
desprezada e a
imortalidade é
realidade
palpável para
todos.